ACREdite se quiser: ainda há esperança!

Pastoral Carcerária

Mesmo diante de tantas denúncias e constatações de atos de desumanidade no sistema carcerário brasileiro, não se pode dizer que tudo está perdido. É possível encontrar iniciativas diferentes como, por exemplo, o que está acontecendo no Estado do Acre. Segundo Nazaré Menezes, agente da Pastoral Carcerária no Acre, "desde 1999, o Governo propõe e tenta adotar políticas para melhoria do sistema carcerário", entretanto admite que "ainda está longe do ideal".

Uma iniciativa que tem sido vista com bons olhos e que foi constatada por meio da visita da Vice-coordenadora Nacional da Pastoral Carcerária (PCr), Heidi Ann Cerneka, trata da transferência da responsabilidade da coordenação do sistema prisional da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos para a Secretaria de Desenvolvimento para a Segurança Social, há pouco menos de um ano. Isso pode significar um olhar mais humanizado para o sistema prisional, estabelecendo políticas socialmente integradas com vistas aos presos, os egressos e seus familiares. A perspectiva é que o preso deixe de ser visto como risco para a sociedade e passe a ser visto como ser humano que precisa de apoio para se reintegrar ao convívio social.

Segundo a Secretária da pasta Desenvolvimento para Segurança Social, Dra. Laura Keiko Sakai Okamura, esta Secretaria está ancorada em três eixos para promover 1) autonomia pessoal; 2) emancipação familiar; e 3) empoderamento das comunidades. Em todos estes eixos, encaixa-se também a questão das pessoas presas e seus familiares.
Cabe a ressalva de que esta iniciativa é recente e tem muitos desafios e deficiências para, de fato, superar e alcançar a perspectiva da humanização do sistema prisional no Estado.

Deficiências

Existem 12 presídios no Estado do Acre. Deste, um é presídio Federal de Segurança Máxima. A capacidade total do sistema prisional do Acre é de 1666 vagas, mas a população carcerária atual do estado é de aproximadamente 3300 presos, e cerca de 95% desta população é de homens. O presídio Dr. Francisco de Oliveira Conde está localizado na capital, Rio Branco, e possui cerca de 2400 presos, mas tem capacidade para apenas 1500. Segundo relatório de visita da PCrN, há um processo para construção de mais uma unidade com capacidade de 560 vagas.

O estado faz divisa com a Bolívia e o Peru, figurando na rota do tráfico nacional e internacional de drogas. Segundo o IAPEN (Instituto de Administração Penitenciária, criado em 2007), cerca de 40% dos presos respondem por crime de tráfico de drogas. Outra questão agravante nesta realidade é que as mulheres são usadas para o tráfico e muitas delas, grávidas, dão a luz dentro dos presídios, que não têm condições adequadas para atender às gestantes e abrigar as crianças. Como não existe berçário ou local para amamentação, as presas que estão nos últimos meses de gestação ou amamentando ficam em celas separadas das demais detentas.

Um problema muito grave é referente ao fornecimento de água potável que não chega por encanamento, sendo feita por caminhões pipa, deixando os presos muitas vezes sem água. Outro grande problema é o sistema de esgoto e fornecimento de luz, que não foi planejado por uma população carcerária tão grande. Há muitas reclamações sobre a comida, que é terceirizada e às vezes chega estragada. Também não há condições adequadas para a visita íntima e ao banho de sol. As mulheres não possuem espaço para receberem visita íntima, e precisam contar com a colaboração das companheiras que vão para o banho de sol por ocasião da visita. Mas, o local destinado ao banho de sol é inadequado, não possui banheiro e as detentas precisam fazer as necessidades fisiológicas sem nenhuma privacidade.

Iniciativas

A atenção à saúde dos presos é razoável. Existem psicólogos e enfermeiros dentro das unidades para o atendimento aos detentos. As equipes ainda não têm o número ideal de profissionais (mas nem mesmo nos bairros o atendimento consegue suprir a demanda da população), mas há esforços para manter o atendimento em tempo integral. Recentemente foi diagnosticado um caso de uma detenta com tuberculose e todas as companheiras de cela também fizeram os exames para saber se também estavam infectadas e serem submetidas a tratamento, se preciso. Os resultados dos exames ainda não ficaram prontos.

A Vice-coordenadora Nacional da Pastoral Carcerária Heidi Ann Cerneka também enfatiza alguns aspectos, como o "respeito em relação aos familiares: a família faz o credenciamento na sede do IAPEN (Instituto de Administração Penitenciária), saindo no mesmo dia com a carteira de identidade para a visita. Também pode solicitar uma assistência ou um atendimento com a equipe do núcleo social. Além disso, todos os produtos para entregar aos presos (o "jumbo"- comida não-perecível, produtos de higiene, roupa, etc.), são entregues na sede de IAPEN, revistados na frente da família, documentado e levado para os presídios. Isso facilita a entrega, pois a família não precisa ir dois dias diferentes para o presídio, e também diminui o estresse entre familiares e funcionários dos presídios, ou ainda a dúvida em relação à entrega ou desvio dos produtos".

Uma outra iniciativa é a parceria entre o Governo do Estado e o Conen/AC (Conselho Estadual de Entorpecentes) que oferece aos enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, coordenadores e agentes penitenciários cursos sobre prevenção, tratamento e redução de danos em relação às drogas, buscando formar multiplicadores na prevenção do uso de drogas no presídio. Para o presidente do Conen, Mário Elder, "o objetivo principal curso é esclarecer, orientar e principalmente sensibilizar os participantes para o crescente problema das drogas dentro dos presídios. É uma realidade. A droga entra e o preso acaba utilizando até mesmo como uma recreação, para fugir da situação. O olhar é de ajuda, de entender que eles são dependentes químicos e precisam de apoio. O problema deve ser tratado como uma questão de saúde pública".

O Estado tem ainda dois núcleos sócio-educativos e um grande número de adolescentes infratores. Segundo o Dr. Cassio Silveira Franco, Presidente do Instituto Sócio-educativo, são cerca de 390 com medida sócio-educativa que têm em média um ano e meio a dois anos de pena de reclusão e mais 500 adolescentes em liberdade assistida. Segundo ele, "30% nem deve estar ‘preso', mas está". A unidade masculina, em outubro, contava com 87 adolescentes e a feminina estava com 14 meninas. A unidade de adolescentes masculina é nova, e tem equipe de atendimento psicossocial. A unidade feminina possui problemas estruturais, mas já existe uma planta e licitação para construir uma nova unidade.

Os núcleos trabalham com uma filosofia pautada sobre quatro eixos: corporeidade, espiritualidade, razão e afetividade, e as equipes são abertas e têm como palavra de ordem a reeducação. Pe. Massimo, da PCr de Rio Branco, afirma que "a gente respira um clima completamente diferente nos núcleos sócio-educativos, a gente crê que um dia os presídios vão ser assim, mas o sistema carcerário ainda tem muitas dificuldades a serem superadas, que precisam melhorar ".

Insuficiência

O trabalho dentro dos presídios é incentivado pela administração prisional, contando com algumas iniciativas que ainda alcançam uma parcela bem pequena da população carcerária, segundo dados do Depen, algo em torno de 10%. No presídio Dr. Francisco de Oliveira Conde, os presos do regime fechado realizam trabalhos de marcenaria, serigrafia e fabricam bolas e redes para o Projeto Pintando a Liberdade, mas em número ainda bastante pequeno. Para as mulheres, existe uma malharia, onde são confeccionadas camisetas e outras peças de vestuário, e aproximadamente 50% do total de 154 mulheres, trabalham. O IAPEN possui também um projeto de Inclusão Sócio-produtivo que prevê a construção de uma padaria para empregar detentos, egressos e familiares, e também idealiza a realização de convênios entre o sistema penitenciário, a sociedade civil e as dioceses para a criação de vagas de trabalho.

Devido à baixa escolaridade entre os detentos foi criada a Escola Fábrica de Asas, localizada no complexo penitenciário Dr. Francisco de Oliveira Conde, em Rio Branco, onde aqueles que desejam, podem voltar a estudar. Entretanto, o número de detentos estudando é bem pequeno. Há o projeto Pró-Jovem Prisional, que atende jovens entre 18 e 29 anos e visa oferecer cursos para que os jovens tenham oportunidade de trabalho após o cumprimento da pena. Infelizmente, esse projeto atende somente cerca de 60 jovens. Existe ainda o coral exclusivamente na ala feminina deste presídio. "Percebemos que a auto-estima delas fica mais elevada, a ansiedade diminui e é possível ver no rosto dessas mulheres a alegria e a esperança de uma vida melhor", explica Moisés Menezes Viana, gerente de Reintegração Social e Saúde do IAPEN.

A realidade nos presídios do Estado é bastante distinta. Em alguns presídios a equipe da PCr encontra dificuldades para realização da visita e assistência religiosa, enquanto em outros, como o presídio de Cruzeiro (que possui cerca de 300 pessoas presas) a equipe da PCr não enfrenta maiores problemas e conta com o apoio da direção.

Importante ressaltar que, enquanto o país continua optando por medidas como endurencimento penal ou simplesmente a construção de presídios sem planejamento relevante de medidas sócio-educativas de ressocialização para resolver os problemas do sistema penitenciário, encontrar novos modelos em experimentação e que se mostram possíveis de serem aplicados, traz esperança para continuar a busca para amenizar o caos no sistema penitenciário, pois não podemos nos esquecer que, após o cumprimento da pena, o detento voltará à sociedade.

As iniciativas e a vontade para resolver os problemas do sistema prisional são visíveis, mas é certo que o Estado do Acre ainda não tem um sistema carcerário que pode ser visto como exemplar, pois infelizmente, apesar destas iniciativas, ainda são encontrados muitos problemas gravíssimos dentro de seus presídios, como a superlotação, o abastecimento de água, luz e esgoto, falta de trabalho para a maioria dos detentos, o acesso à justiça, berçários, escolas, e muito mais. Mas a mudança precisa começar um dia, muitas vezes ela vem a passos lentos. "A estrutura no papel é excelente, mas na prática, ou não tem viabilidade, ou porque não é possível mesmo, não conta com o apoio e adesão de todos", ressalta Ppadre Massimo.

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