Meio século de trabalho ao lado dos mais necessitados

Francisco Pedro

Há uns anos, quando a religiosa Raffaelita Baravalle chegou ao Bairro do Zambujal, na Amadora, para ajudar a abrir uma comunidade missionária da Consolata, impressionou-a o fato dos vizinhos mal se falarem; das mulheres se cruzarem na rua sem se cumprimentarem; de não haver partilha entre as várias culturas presentes na urbanização, nos arredores de Lisboa. Trazia na bagagem 37 anos de experiência em terras moçambicanas; na memória as provações de uma guerra civil que a obrigaram a passar noites inteiras fechada no quarto de banho para se refugiar das balas, ou a fugir pela calada da noite para escapar aos ataques de homens armados; e na alma uma enorme vontade de estar próxima das pessoas, sobretudo daquelas que a sociedade teima em empurrar para as fronteiras da pobreza e da discriminação.

Como qualquer religiosa que se consagra para a vida, Raffaelita, como é carinhosamente tratada pelos seus pares, encontrou nas dificuldades, não uma barreira, mas uma janela de oportunidade para a evangelização, para uma pastoral de rua, para o contato direto com os mais necessitados. E fê-lo de uma forma simples mas eficaz. Pegou numa máquina de costura e começou a desafiar as mulheres a aprenderem a arte de transformar tecidos em peças de vestuário ou adereços. A semente germinou.

Uma década depois, as mulheres estão organizadas (criaram a Comunidade de Mulheres do Zambujal), reúnem-se aos sábados no Centro de Consolação e Vida (dinamizado pelos missionários e missionárias da Consolata), e todos os anos abraçam um projeto de solidariedade para ajudar a população de um país pobre, para angariar fundos para a capela, ou para auxiliar soropositivos.

Este pequeno resumo da história da missão no feminino tem como ponto de partida a experiência de Raffaelita Baravalle, mas seria a mesma coisa se partisse do testemunho de Maria Ivani de Moraes, Vitória Simeoni, Severa Riva (todas que trabalham no Zambujal), ou de Lúcia Tibola, Caridade Oliveira e Lenita Martins, em trabalho pastoral na paróquia do Corim, em Águas Santas, na Maia. Porque todas se movem pelo mesmo objetivo: ser presença no dia a dia dos que mais precisam e mensageiras da Palavra de Deus onde ela ainda não é conhecida. Um trabalho, que apesar de levar 50 anos de continuidade em Portugal, por vezes passa despercebido fora das comunidades onde está localizado, porque as religiosas cumprem à risca os ensinamentos do bem-aventurado José Allamano, nomeadamente aquele em que pedia aos missionários e missionárias para fazerem «o bem bem feito e sem barulho».

Orientação vocacional
Fundado em Itália em 1910, o Instituto das Irmãs Missionárias da Consolata chegou ao nosso país em 1964, com a abertura de uma casa no Pousal, Malveira, no concelho de Mafra. «A casa é bonita e situada num lugar ameno, tudo é disposto com amor inteligente para que possa servir no melhor modo possível ao internamento dos doentes pobres e afetos de doenças não contagiosas, mas terminais ou de longa duração», escreveram as primeiras religiosas que, durante anos, exerceram trabalho de enfermagem num hospital, foram catequistas de crianças e adultos e acolheram irmãs estrangeiras que precisavam aprender o português para ir em missão para África.

Em 1974, duas missionárias partiram para Vila Nova de Foz Côa, para divulgarem o Instituto, captarem novas vocações, apoiarem os idosos, as crianças e ajudarem à promoção da mulher. Seis anos depois, foi aberto um espaço para discernimento vocacional e primeira formação no Corim (Maia), e em 1983 a missão do Pousal foi transferida para a casa São João de Brito, em Lisboa. Cumprindo um ciclo de decénios, em 1993, duas religiosas instalaram-se em Fátima para apoiar a vida pastoral do Santuário e promover a orientação vocacional. E em 2003, começaram as visitas ao Bairro do Zambujal, para onde se transferiram em 2010. O trabalho desenvolvido em conjunto com os missionários neste aglomerado urbano, mesclado de africanos, ciganos e portugueses, deu já origem a um documentário - «O meu bairro» - que foi entregue em mãos ao Papa Francisco.

No meio do povo
"Sentimos isto como uma missão e as pessoas, tudo o que fazem, acrescentam sempre um pouco mais a contar conosco. Sentimo-nos parte das famílias", conta Maria Ivani, 68 anos, a quem será difícil encontrar sem um sorriso nos lábios. Responsável pela animação pastoral e litúrgica do Centro de Consolação e Vida do Zambujal, a religiosa brasileira parece ligada à corrente. Dá formação às mulheres, está atenta aos casos de doença, acompanha os momentos de oração aos defuntos e procura, sempre que pode, responder aos casos de emergência social. "Há muito desemprego, há pessoas que não conseguem pagar a conta da água ou da eletricidade e famílias que estão há muitos anos numa casa, que viram a renda aumentar brutalmente de um momento para o outro e vivem na iminência de serem desalojadas", explica Ivani.

Embora vivam das suas magras reformas e de uma ou outra contribuição dos beneméritos, as quatro religiosas conseguem, ainda assim, ir ajudando a pagar as contas às pessoas em maiores dificuldades. É isso que as move pastoralmente, é isso que as alimenta espiritualmente.

"Foi no meio do povo, de gente simples, que descobri o Deus próximo, que me ensinaram a aprender o Evangelho", sintetiza Maria Silva Ferreira, 67 anos, atualmente a trabalhar nas comunidades periféricas de Manaus (Brasil), depois de uma longa experiência com os povos indígenas da Amazónia. Natural de Alcobertas, Rio Maior, a religiosa habituou-se à espontaneidade dos cristãos brasileiros, que a abordam e pedem para rezar na rua, e por isso pensa continuar em missão além-fronteiras até que a saúde o permita. Na mesma situação estão as portuguesas Lúcia Tomás e Maricila Marques (em Moçambique); Cecília Carvalho e Anistalda Soares (Itália); Maria da Graça Amado e Graça Lameiro (Colômbia); Cecília França (Brasil) e Palmira Coelho (Argentina).

Responsáveis por um trabalho admirável do ponto de vista social e evangelizador, reconhecido publicamente pelo Santo Padre (ver caixa), as missionárias da Consolata continuam, ainda assim, a recusar louvores ou protagonismos. Preferem manter-se humildes, caridosas, solidárias, mas discretas. Porque afinal, como salienta Maria Silva Ferreira, "a missão é de Deus".

Fonte: www.fatimamissionaria.pt

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