Mensagem Final do III Seminário de Religiosos Irmãos da CRB Nacional

Rosinha Martins

Oi que prazer, que alegria, o nosso encontro de irmãos! (Sl 133)

Representantes dos religiosos irmãos da Conferência dos Religiosos do Brasil realizaram em Brasília, de 11 a 14 de outubro de 2012, o seu III Seminário Nacional. O primeiro deles aconteceu em Mendes, RJ, no ano de 1987. O segundo foi realizado em Belo Horizonte, no ano de 2010. Este terceiro Seminário contou com a participação de 70 religiosos irmãos de dez nacionalidades, vindos de 13 estados do Brasil, e representando 20 diferentes congregações. Contou com uma presença significativa de irmãos jovens e teve como tema Masculinidades, mística e missão do irmão leigo! Esses três temas devem ser analisados tendo como pano de fundo as mudanças culturais, religiosas, econômicas e tecnológicas pelas quais as sociedades têm passado.

Há diferentes formas de se configurar e estruturar a masculinidade, todas elas fruto de construções culturais dos diferentes grupos em que nos inserimos durante a formação da nossa personalidade. Importa confrontar essas masculinidades com a proposta evangélica de Jesus. De uma maneira geral, a masculinidade que prevaleceu no ocidente e mesmo no oriente, foi aquela calcada no exercício do poder. Quanto mais intenso for o exercício do poder, mais o sujeito desse poder - homem ou mulher - é considerado viril. Esse tipo de configuração de masculinidade está na gênese das diferentes formas de violência - simbólica, religiosa e física - que têm sido perpetradas ao longo dos tempos.

O próprio Jesus denunciou a violência viril praticada pelos senhores deste mundo. Ele denunciou que há, na natureza humana, um impulso para a dominação que deve ser convertido em espírito de fraternidade. Jesus denunciou que os reis e governantes deste mundo agem com poder-dominação sobre os demais e disfarçam essa dominação sob o manto da benevolência (cf. Lc 22,24s). De maneira idêntica, as autoridades religiosas do tempo de Jesus usavam a religião para dominar e oprimir as pessoas. Hoje, a tensão vivenciada por Jesus em relação às autoridades religiosas do seu tempo, se manifesta na tensão entre clérigos e leigos, estes últimos reclamando um espaço de cidadania eclesial que lhes é negada na prática. Contrapondo a prática calcada no poder dos senhores seculares e religiosos deste mundo, Jesus apresenta a proposta do Reino e a natureza daqueles que nele tomam parte: todos são irmãos e somente um é o Pai (cf. Mt 23,8).

Os religiosos irmãos, vivendo uma masculinidade saudável, calcada na fraternidade e na abertura às diferenças e aos diferentes, que não devem ser simplesmente "tolerados", mas acolhidos, compreendidos e respeitados em sua alteridade, podem propor, com a sua forma de vida própria na Igreja e no mundo, uma configuração mais evangélica e fraterna para a Igreja. Uma eclesiologia fundamentada na fraternidade é o que propomos com a nossa forma de vida. Sintomaticamente, a ignorância nos diferentes âmbitos da Igreja - mesmo dentro da Vida Consagrada - acerca da nossa identidade fraterna e da nossa forma de vida revelam uma alienação em relação à proposta de Jesus sobre a identidade fraterna dos seus seguidores. A imagem da Igreja como uma fraternidade não emergiu nos modelos eclesiológicos do Vaticano II. E, infelizmente, é forçoso reconhecer, nos cinquenta anos de abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II, mesmo o modelo de Igreja como Povo de Deus parece não ter avançado significativamente em relação ao modelo tridentino de Igreja centrado nos clérigos e em detrimento de todos os demais batizados, religiosos irmãos, inclusive.

Uma masculinidade saudável deve estar articulada com uma mística que conforme essa masculinidade com o Evangelho. Nesse sentido, a Palavra de Deus lida a partir da realidade onde nos inserimos é a fonte onde podemos buscar compreender como o humano por excelência, o Filho de Deus encarnado, construiu e integrou a sua masculinidade a partir das diferenças, dos conflitos e das amizades que ele estabeleceu: as mulheres, as crianças, os estrangeiros, as prostitutas, os doutores da lei, os escribas, os fariseus e outros sujeitos com quem ele conviveu ao longo da sua missão.

A masculinidade engloba, também, uma dimensão afetiva e sexual. Perguntamo-nos como essas dimensões se fazem presentes no nosso diálogo quotidiano com Deus. Nessa estrada de mão dupla que é a nossa vida e a nossa oração, construir uma masculinidade evangélica possibilita-nos uma convivência fraterna, serena e criativa.

Esse modelo de homem/masculinidade que é Jesus é o sentido mesmo da nossa vida e da nossa missão neste mundo. Ele é o modelo, é o primeiro entre os demais irmãos (cf. Hb 2,10-12) que buscamos anunciar com a nossa forma de vida. E, a partir do que somos, podemos fazer algo benéfico para a humanidade nos diferentes contextos socio-culturais e religiosos onde nos inserimos.

É necessário compreender a missão de uma maneira diferente. Tanto na missão ad gentes, quanto na missão inter gentes, o discípulo-missionário não é aquele que vai, em primeiro lugar, para pregar e catequizar. Ele é alguém que, em processo contínuo de configuração a Jesus-Irmão, busca construir a fraternidade no meio da comunidade e dos povos onde ele se insere. A fraternidade proposta por Jesus rompe com os critérios biológicos e clânicos e nos impulsiona em direção a outros povos e a outras culturas para estabelecermos com eles relações horizontais de fraternidade.

A experiência de Deus nos desinstala. Ela faz de nós peregrinos em busca de um sentido para a nossa vida. Projeta-nos em direção a outros povos e culturas, tornando-nos forasteiros e, ao mesmo tempo, irmãos desses povos. Ao mesmo tempo, lança-nos em busca de novas formas de encarnarmos o nosso carisma e a nossa missão neste tempo em que nos é dado viver a graça de Deus. Nessa busca por novas formas de vivência do nosso carisma, sentimos o peso das nossas instituições. Não raras vezes, a "bagagem" das nossas instituições impedem a agilidade no nosso peregrinar em direção às novas periferias e fronteiras. Também podem dificultar a visibilidade e a vivência da nossa vida de irmãos.

Há algo que levamos na nossa bagagem e no nosso coração quando partimos em missão: a experiência de um Deus que se fez nosso irmão. Por outro lado, encontramos, no meio das comunidades para onde somos enviados, a presença desse mesmo Deus, que se manifesta na pluralidade de povos e de culturas.

Masculinidades, mística e missão: de uma saudável articulação desses três elementos, nós, religiosos irmãos, podemos passar do bom para o melhor no caminho do discipulado. E, com os olhos fixos em Jesus-Irmão, a partir de onde estamos inseridos na Igreja e sociedade, desafiados pelas novas periferias e fronteiras, fermentar a Igreja com o nosso carisma e com a nossa forma de vida específicos. Ter irmãos não é uma opção. Mas, ser irmão é uma vocação que todos os batizados são chamados a acolher. E é esse um dos sentidos da vida dos religiosos irmãos: serem sinais, na Igreja e no mundo, desse chamado universal à fraternidade.

Fonte: Rosinha Martins / Revista Missões

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