Cruz e Ressurreição

Alfredo J. Gonçalves , CS*

O período que vai da crucifixão de Jesus até os primeiros rumores de sua ressurreição, embora curto, terá parecido uma eternidade para aqueles que o acompanhavam e o amavam. Tempo de trevas, de fracasso, de escuridão. Alguns fogem de Jerusalém, como os discípulos de Emaús. Outros se escondem ou se fecham hermeticamente, com receio do que poderá acontecer. O raciocínio é simples: se mataram o líder do movimento de forma tão cruel, o que não poderá acontecer com seus seguidores? O medo toma conta de todos os que constituíam o embrião da futura Igreja.

Mesmo assim, um pequeno grupo, formado por algumas mulheres e por José de Arimatéia, resolve pedir autorização para dar sepultura digna a Jesus. Vale mencionar, como faz Felicíssimo Martínez Díez, em sua grandiosa obra Creer en Jesucristo, Vivir en criatiano, Cristología y seguimento (Editora Verbo Divino), que se trata de um punhado de leigos em sua maioria mulheres. Quem sabe João também andava por ali! E José, o pai adotivo de Jesus, que será feito dele? O Evangelho silencia completamente. Estaria também ao redor desse pequeno grupo? Enfim, que lições se podem tirar daí?

A primeira é que, na história da Igreja, não devemos temer os períodos de escuridão. Eles costumam engendrar novas lideranças, não raro de onde menos se esperava. Mais ainda, quando as autoridades se tornam cegas pelo medo, pelas riquezas, pelo poder, pelo triunfalismo ou pela prepotência, são os leigos, e em especial as mulheres, que tomam na mão as rédeas da situação. Os "senhores da Igreja" sentem o peso da responsabilidade e podem sucumbir sob ele. Mas dos cantos mais obscuros podem nascer pequenas luzes, como o foram, por exemplo, Maria de Nazaré, Francisco de Assis, Vianney, Teresinha do Menino Jesus, Joana D'Arc, e assim por diante.

A mesma coisa, aliás, costuma ocorrer com frequência nas famílias. Quando são acometidas por alguma tormenta - doença, desemprego, migração, morte, etc. - os homens parecem alarmar-se mais facilmente. Não são capazes de segurar o leme na hora da tempestade. Não poucas vezes passam de um extremo a outro, isto é, do posto de comando à prostração. E nada mais podem fazer! Nesses momentos é comum a mulher tomar conta das decisões, assumir a dianteira. Mais próxima do chão, da geração da vida e do sofrimento, parece administrar melhor os terremotos que sacodem a família. Na medida em que o líder tende a cair no desespero, a mulher, acostumada a um cotidiano de embates e tropeços, levanta-se com mais força para enfrentar a escuridão do momento.

Entretanto, no caso de Jesus, há algo mais enigmático. A delicadeza com que as mulheres tratam do cadáver parece ocultar uma intuição. Verifica-se um grande esmero no perfume, no carinho e no cuidado para com o corpo inerte. É como se Jesus não fosse enterrado, e sim semeado. Aí está a intuição! Um homem que viveu e morreu dessa forma, suas palavras e seus atos constituem uma semente que não pode morrer. A lembrança de seus gestos permanece viva e ativa na memória do pequeno grupo. Daí o trato todo especial com esse corpo-semente, o qual não poderá ficar para sempre oculto debaixo da terra.

De entre os gestos e palavras que nutrem semelhante intuição está, sem dúvida, o perdão oferecido no alto da cruz. Esse tipo de morte era reservado aos indivíduos mais perigosos e execrados. O apóstolo Paulo, citando o Livro do Deuteronômio (Dt 21,23) chega a afirmar: "maldito seja todo aquele que for suspenso no madeiro" (Gl 3,13). Com efeito, a cruz que hoje ostentamos em nossas salas, escritórios e igrejas, na antiguidade era um objeto de grande sofrimento, onde a morte vinha a conta-gotas, lenta e atroz. Cabe, pois, a pergunta: como um instrumento de tortura e execução transfigura-se em símbolo do cristianismo? Como o madeiro maldito se converte em sinal da fé?

A verdade é que, no madeiro da cruz, a maior violência humana contra um inocente se encontra com o maior gesto de amor: "Pai perdoai-lhes porque não sabem o que fazem". Semelhante encontro, para aqueles que lhe foram testemunhas, terá provocado um verdadeiro curto-circuito, um choque. O contraste é tão forte, que gera uma nova luz. À dor e à morte infringida pelos homens e concentrada sobre Jesus, este responde com o perdão. A luz é tão forte que provoca a cegueira dos gregos e dos pagãos, como diz Paulo. Numa palavra, diante de toda a violência humana, a vingança de Deus é o perdão. Um Deus extremamente poderoso e, ao mesmo tempo, extremamente frágil. Porque sua única arma é o amor, amor infinito, incondicional, incomensurável!

Na Primeira Carta aos Coríntios, Paulo insiste que "a linguagem da cruz é loucura para aqueles que se perdem; mas, para aqueles que se salvam, para nós, é poder de Deus". E mais adiante: "A loucura de Deus é mais sábia do que os homens e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens" (1Cor 1,18-25). O confronto entre o instinto de vingança e a violência, de um lado, e o perdão misericordioso e compassivo , de outro, interrompe o círculo vicioso da vingança e da violência. Não mais olho por olho e dente por dente. Inaugura-se um novo amor, uma luz nova irrompe e brilha no firmamento da história. Esta é a semente que não pode ser enterrada, mas semeada. De tão intensa, impossível que permaneça na obscuridade da terra!

Uma última observação. Hoje lamentamos a falta de vocações sacerdotais e religiosas. Há uma crise, dizem muitos. E com razão! Mas, a exemplo de outras, também esta crise tem seu lado negativo e seu lado positivo. Não vou me deter sobre os aspectos negativos, que já foram por demais analisados. Prefiro apontar um elemento novo nesse lamento generalizado. Quem sabe a falta de ministros ordenados represente uma oportunidade para o surgimento de leigos e leigas que sejam algo mais que "coroinhas" de seus párocos e vigários! Daí pode nascer uma luz na escuridão. Vale repetir, aquele minúsculo grupo que trata com carinho do corpo do Mestre, carrega em seus cuidados uma profunda intuição que ali está uma semente que haverá de brotar e gerar vida nova.

No momento da crise, das trevas que cobrem os três dias após a morte na cruz, foram os leigos, e particularmente as mulheres, que tomaram conta das rédeas. Sabendo ou não, estavam assegurando a continuidade da obra, o seguimento de Jesus, preservando a semente da qual haveriam de brotar as comunidades da Igreja embrionária. A duras penas, mantinham à deriva, mas evitando afundar, a barca cujo leme seria entregue a Pedro!

* Alfredo J. Gonçalves, CS, superior provincial dos missionários carlistas e assessor das pastorais sociais.

Fonte: www.provinciasaopaulo.com

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