A descoberta de Deus

Arlindo Pereira Dias, SVD *

Uma instigante tese de doutorado foi apresentada na ultima quinta feira, 17 de Junho, na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Trata-se do estudo "As Cristologias das Conferências gerais do Episcopado da América-Latina e do Caribe (de Rio de Janeiro a Aparecida)", do missionário Scalabriniano Paolo Parise. Após a apresentação da tese o P. Paolo Parise, que em breve retorna ao Brasil nos concedeu a seguinte entrevista:

Qual é o conteúdo principal da sua tese?
O titulo já explica: As Cristologias das Conferências gerais do Episcopado da América-Latina e do Caribe (de Rio de Janeiro a Aparecida). Na realidade o trabalho enfoca não só as cristologias nestes documentos, mas também o diálogo e a interação que existe com as Cristologias da libertação. Após Medellín, em cada documento, existe sempre um influxo do documento na cristologia da libertação e vice e versa.

Que influência teve o Vaticano II nas Conferencias Episcopais?
A grande influência pode ser percebida já em Medellín quando a comparamos com o Rio de Janeiro. Há uma assimilação criativa do continente do que significa o Concilio Vaticano II. Em primeiro lugar é a experiência de um Deus que se faz história, que age na história, um Deus que se torna carne. Um Deus que se faz encontrar, não é mais uma revelação de cima para baixo, mas um Deus que age de baixo para cima. Estas e outras conseqüências prosseguem em Puebla, adquirem uma leve flexão em Santo Domingo e voltam também em Aparecida.

O que você descobriu de novo nesta leitura conjunta dos documentos episcopais?
Eu diria descobertas e constatações. Em primeiro lugar, em nível pessoal, consegui conhecer mais os documentos. Em segundo lugar percebi a evolução que aconteceu ao longo da história desde o Rio de Janeiro até Aparecida. A evolução de alguns conceitos, por exemplo, quando se fala do reino de Deus. Dá para ver como foi utilizado e quantas vezes em cada conferência. Isso se dá em outros níveis quando se fala no Jesus histórico, quando se fala em imitação, seguimento de Cristo e discipulado, quando se fala de cristologia de baixo ou de cima. Em todos estes conceitos pode-se ver a evolução que eles tiveram ao longo desses quase 60 anos. O interessante é que conceitos como imitação de Cristo desaparecem e se afirma o de seguimento e discipulado de Cristo. O Corpo Místico de Cristo è outro exemplo que aparece no Rio de Janeiro, desaparece nas outras conferências e retorna em Aparecida. Porque volta? È uma tentativa de integrar o conceito de Igreja Povo de Deus com aquele de igreja Corpo de Cristo. A minha descoberta foi encontrar uma Cristologia profundamente soteriologica, que tem a ver com a salvação que se inicia neste mundo, chega à plenitude no outro e tem um valor histórico. Eu acrescentaria também uma teologia Trinitária onde há uma pequena e progressiva descoberta do papel do Espírito Santo.

Como se desenvolveu esta Cristologia da primeira até a última Conferência?
Na primeira Conferência encontramos um documento eclesiocêntrico, não há espaço para a Cristologia. A Cristologia começa levemente a aparecer em Medellín e se desenvolve como espaço sempre maior em Puebla, Santo Domingo e Aparecida. Acontece esta ampliação de espaço. È também uma Cristologia que tem identidade e características próprias. È melhor dizer no plural, porque às vezes aparecem Cristologias que eu diria quase antitéticas, algumas ligadas mais à Cristologia da libertação, outras à questão doutrinal. Elas às vezes chegam a se harmonizar e outras vezes se chocam.

A partir do seu estudo que desafios você vê para o futuro da Igreja na America Latina?
Há uma serie de desafios. Em Aparecida aparece muito forte o problema do sentido da vida que atinge o ser humano. Ao mesmo tempo não se pode esquecer a questão da justiça, da opção pelos pobres. Os bispos tratam de manter estas duas tensões sem fazer com que uma opção ocupe o lugar da outra. É importante levar avante as questões da justiça e do sentido da vida. A redescoberta do rosto judaico de Jesus na America Latina tem que ser mais incluída. A questão inter-religiosa que a teologia da libertação já enfrentou deveria ser incluída também na teologia dos documentos. É preciso recuperar o peso da tradição patrística que não aparece nos documentos das Conferências. O pluralismo de uma Cristologia ou teologia Afro-Americana, Índio-Americana ou ecológica e da mulher (esses dois já bem desenvolvidos), devem continuar presentes.

* Arlindo Pereira Dias, SVD, Conselheiro Geral dos Missionários do Verbo Divino, em Roma.

Fonte: Revista Missões - Arlindo Pereira Dias, Roma

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