Fratelli Tutti: Todos irmãos

Papa Francisco convida para a missão de criar a amizade social.

Por Mauro Negro *

O papa Francisco mais uma vez surpreende. Em 3 de outubro deste ano de 2020, véspera da festa litúrgica de São Francisco de Assis, ele propôs uma Carta Encíclica. “Fratelli Tutti” é uma expressão do pobrezinho de Assis e afirma, de modo poético, “todos são irmãos”.

Uma Carta Encíclica é uma palavra oficial do papa, a mais solene, uma abordagem de um assunto de notável importância e atualidade no momento em que é publicada. Dirigida a toda a Igreja, enfoca um tema de doutrina, de ética, de situações de Igreja e outros aspectos fundamentais. Francisco publicou “Laudato Sí”, também inspirada na pessoa e missão de Francisco de Assis. Em ambas, o papa se volta para a Humanidade com um olhar de Fé cristã, abrangente e intenso. Expressa admiração, surpresa, preocupação e esperança. O papa não é pessimista, mas é realista frente a situações preocupantes. Ele crê que Deus pode fazer um mundo melhor, mas afirma que a Humanidade deve se converter, mudar, retornar ao que é mais puro, mais verdadeiro, mais próprio da vida da Graça: a amizade a partir do que nos une, que é o fato de sermos criaturas de Deus, seres humanos, resgatados por Cristo.

A Encíclica Fratelli Tutti é um texto longo, de muitas camadas de pensamento, de percepções e propostas múltiplas. Ela é parte de uma sequência de pensamentos iniciada com a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (A alegria do Evangelho) e passou pela Encíclica Laudato Sí (Louvado Seja). Tudo se inicia com a alegria da vida, que vem do Evangelho. Depois, a Criação, o mundo no qual a história acontece e cada geração humana vive, precisa de uma nova abordagem. Isso é missão! É preciso refazer muito do que, nas últimas décadas, foi imposto de modo brutal sobre a natureza, sobre o planeta. A preocupação do papa é a mesma que tem qualquer observador atento e livre de interesses comerciais e ideológicos. A natureza está sendo administrada de modo errado pela Humanidade. É preciso mudar, olhar o mundo como a matriz onde tudo acontece: a história, a sociedade, a Graça.

Fratelli Tutti

Amizade social

O Evangelho como fundamento para a vida, e a nova abordagem da Humanidade sobre o planeta exigem um caminho específico, que Francisco propõe em Fratelli Tutti, como “amizade social”. Em oito capítulos ele faz análises admiráveis, e propõe caminhos intensos e urgentes a serem trilhados. Da posição em que está, o papa tem uma visão do mundo e da história que é única. Mas qualquer pessoa, um pouco mais observadora, pode perceber que o mundo, neste século XXI, está tomando rumos assustadores. As ideologias propõem separações. Líderes políticos se distanciam dos ideais de unidade, de convivência. Os projetos sociais, que buscavam a integração, a superação de divisões, agora são deixados de lado pelos interesses econômicos. Algumas expressões religiosas se voltam para a separação. Parece que as forças do mal se alinham para tornar o mundo um ambiente sem esperança, sem amor, sem Deus. Ou com ídolos que corrompem a Humanidade.

“Fratelli Tutti” tem alguns argumentos difíceis, “pesados”. Quando o papa apresenta a realidade do mundo nestes primeiros anos do século XXI, ele deixa à mostra os erros políticos, culturais e até religiosos que existem (capítulo um). Depois, Francisco usa a parábola do Bom Samaritano, em Lucas 10, 25-37 (capítulo dois). Aqui ele propõe um modo admirável de ver o texto e sua análise é encantadora, como também questionadora.

Nos próximos capítulos, Francisco apresenta sua proposta. É possível compreender e até visualizar alguns personagens que são símbolos de ódio, de egoísmo, de agressão à Humanidade, de fechamento, arrogância e orgulho doentio. Sem indicar ninguém, Francisco coloca em evidência o descuido e a inimizade com a Humanidade que hoje se cultiva em ideologias, políticas e campanhas múltiplas. Em Laudato Si, Francisco havia proposto uma visão crítica da relação entre os líderes e de expressões culturais com a natureza e o planeta. Agora enfoca isso frente à convivência humana.

Amor Político

Francisco propõe no capítulo três, um mundo aberto, com pessoas abertas e dispostas a acolher. Não se trata de não ter opiniões e nivelar tudo como igual. Mas cada ser humano tem o valor que sua natureza, resgatada por Cristo Jesus, propõe. Por isso é preciso uma Humanidade nova, expressa na imagem do coração aberto ao mundo, indicada no capítulo quatro. Isso evolui para o capítulo mais difícil, na opinião deste articulista: o capítulo cinco propõe caminhos políticos. Acusa as polarizações e apresenta o conceito do “amor político”.

Os capítulos seis e sete apresentam as perspectivas de uma visão integrada. A Humanidade não pode continuar dividida. Ela deve ter as distinções que lhes são próprias, mas não as divisões que a destrói e afasta da felicidade histórica. Aqui está o centro da argumentação de Francisco: a amizade social (capítulo seis), proposta de muitas maneiras e diversos modos (capítulo sete).

Finalmente, Francisco afirma que as religiões devem estar a serviço da fraternidade, no mundo e na história. E conclui com uma declaração conjunta, sua e de um líder muçulmano. No fim, faz uma oração ao Criador e uma oração pelo mundo.

Importante notar: o papa não propõe uma religião universal, nivelada, genérica. Alguns comentaristas maliciosos afirmam isso. Não é verdade. Papa Francisco afirma que, sendo a salvação para todos, todos devemos nos salvar juntos.

Fica aqui o convite à leitura e encantamento com Fratelli Tutti.

 

Texto extraído do livro A Vida Espiritual páginas 196-198.

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