Tecer a vida entre as fronteiras

Egon Heck *

"No Brasil, o rico gasta em três dias o que o pobre gasta em um ano (...) no campo continua a concentração de renda e de terra" (IBGE, setembro de 2008).

A fronteira entre o Brasil e Paraguai, na região do Mato Grosso do Sul é das mais sangrentas do país. Exemplo disso é a cidade mais violenta do Brasil que é Coronel Sapucaia, que divide com Capitan Bado, no Paraguai, não apenas fronteira, mas também a fama ruim, onde a morte anda solta, e a vida pouco vale. O narcotráfico fez na região um de seus ninhos privilegiados. E é nesse território tradicional Guarani, que se estabeleceram fronteiras, fazendo da violência uma das suas marcas registradas.

É nessa região que está o Tekohá de Kurusu Ambá, cuja comunidade de umas 200 pessoas já passou por momentos traumáticos de três assassinatos, várias lideranças presas e feridas, mortes de crianças por desnutrição e a fome rondando o acampamento todos os dias. Apesar de toda essa violência a comunidade está cada dia mais consciente e organizada para retornar à sua terra tradicional.

A comunidade de Laranjeira Nhanderu, no município de Rio Brilhante também foi alvo de ações de violência e discriminação resultando no processo de despejo para a BR 163, no dia 11 de setembro. Com muita dor e revolta levaram a maior parte de seus pertences até a beira da estrada. Porém, o que restou, suas casas, o sapé, foi tudo queimado pelos fazendeiros logo depois da desocupação. Hoje eles novamente sofrem pressão para serem retirados para um lugar mais distante, pois ali continuam sendo incômodo aos poderosos, dando visibilidade a uma das situações mais desumanas e cruéis do país, qual seja a extrema concentração da renda e da terra no campo no Mato Grosso do Sul. Enquanto isso o processo de reconhecimento das terras continua totalmente paralisado.

Outra situação de violência e que é uma vergonha é o que se passa com a comunidade Kaiowá Guarani de Apika'y, no município de Dourados. Essa comunidade também já voltou diversas vezes à sua terra tradicional, nos últimos anos, porém sempre foi rechaçada pelos fazendeiros e seus jagunços. Em junho desse ano foram expulsos para a beira da estrada. No dia 17 de setembro, mesmo ali sofreram covarde agressão, tendo suas casas queimadas e membros do grupo foram feridos e espancados. O Ministério Público Federal solicitou a instauração de inquérito para apurar os fatos e punir os responsáveis. A Anistia Internacional está fazendo uma campanha contra essa violência solicitando uma rigorosa investigação da empresa de segurança privada GASPEM, envolvida em praticamente todas as violências contra os índios Kaiowás Guaranis nos últimos anos.

A estratégia do projeto colonizador e invasor foi dividir, criar fronteiras, jogar uns contra os outros. Agora os Povos Indígenas começam a desconstruir fronteiras e tecer a vida entre elas e apesar delas. A terra sem males é uma terra sem fronteiras. É um horizonte de igualdade, num mar de pluralidade e justiça. A lei maior é reciprocidade e não a acumulação, é a solidariedade e não a competição.

* Egon Heck é assessor Conselho Indigenista Missionário - CIMI no Mato Grosso do Sul.

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