Bolsonaro usa guerra na Ucrânia contra os povos indígenas

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Em Nota, o Conselho Missionário Indigenista (Cimi) denuncia o governo de Jair Bolsonaro de usar a guerra na Ucrânia para fazer avançar seu projeto de morte contra os povos originários no Brasil.

Por Assessoria de Imprensa do Cimi

O governo de Jair Bolsonaro redobrou nos últimos dias sua ofensiva contra os direitos dos povos indígenas no país e o assédio a seus territórios. Em declarações públicas, Bolsonaro afirmou que o conflito entre Rússia e Ucrânia teria impacto nas importações brasileiras de fertilizantes e que a solução passava pela exploração mineral em terras indígenas dentro do país. Desta forma, o governo utiliza a situação vivida na Europa para ampliar sua guerra particular contra os povos originários no Brasil. Esta atitude não é nova e reflete a verdadeira face do atual governo. Em janeiro de 2020, o Executivo enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) 191/2020 que pretende regularizar a mineração e a exploração de hidrocarbonetos em terras indígenas, desconsiderando o direito dos povos originários à autodeterminação e à consulta prévia, livre e informada. Em 2021 e em 2022, este Projeto de Lei foi indicado pelo governo como um dos projetos legislativos prioritários para apreciação no Congresso Nacional. Segundo dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e da entidade AmazonWatch, no relatório Cumplicidade na Destruição IV, mais de 500 empresas mantêm ativos 2,5 mil pedidos de mineração na Agência Nacional de Mineração/ANM afetando 261 terras indígenas.

Nos últimos dias, Bolsonaro encontrou no conflito entre Ucrânia e Rússia novo combustível para aumentar sua pressão sobre os povos indígenas. Além das declarações públicas em redes sociais do presidente, a base governista no Congresso Nacional já está pedindo adesão entre os deputados federais a um Requerimento de Urgência assinado pelo líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, solicitando a apreciação rápida e em plenário do PL 191, sem passar pelo devido procedimento de análise nas Comissões.

Esta estratégia de acelerar a aprovação de iniciativas legislativas diretamente em plenário já foi utilizada pelos aliados do governo no Congresso em 2021 e mostra claramente a intenção de aprovar nesta legislatura, de qualquer forma, os projetos que atendem aos interesses dos setores de apoio ao governo Bolsonaro.

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Povos indígenas realizam durante esta semana protestos em Brasília contra o PL 191/2020. Crédito da foto: Tiago Miotto/Cimi

Potássio

Um dos principais focos de pressão neste momento está no interesse do governo de liberar a exploração de potássio nos territórios do povo indígena Mura, na região do Baixo Rio Madeira, próximo da foz com o Amazonas. Isso resolveria, segundo Bolsonaro, a previsível queda na importação de potássio da Rússia por causa do atual conflito na Europa, argumento que vem sendo refutado estes dias por especialistas na área.

Entretanto, o interesse do Estado sobre este território vem de antes. Em 2019, o governo Bolsonaro se reuniu em várias ocasiões com representantes do banco canadense Forbes & Manhattan, que está por trás das empresas Belo Sun - interessada na exploração de ouro, na Volta Grande do Xingu - e a Potássio do Brasil - com interesse na exploração de potássio nas terras do povo Mura. Já durante os anos de 2020 e 2021, em plena pandemia, houve pelo menos sete reuniões entre o Executivo e representantes diretos da Potássio do Brasil e o empreendimento foi contemplado dentro da chamada política Pró-Minerais Estratégicos na qual o governo se compromete a facilitar o licenciamento ambiental.

O povo Mura luta pela demarcação e homologação de seus territórios. Na região do Baixo Rio Madeira, pelo menos 29 terras indígenas Mura apresentam alguma pendência no procedimento administrativo de demarcação; dentre elas, 17 terras indígenas estão sem nenhuma providência por parte da Funai e algumas das terras já homologadas estão sendo contestadas na Justiça por particulares.

O interesse da empresa Potássio do Brasil na exploração mineral na região poderá afetar diretamente a vida das comunidades Mura. Em audiência de conciliação celebrada em 2017, foi determinado que o licenciamento ambiental de empreendimentos que afetem o povo não poderia avançar sem o devido processo de consulta prévia, livre e informada, conforme o Protocolo de Consulta elaborado pelas comunidades.

Protesto ocorreu na manhã de quarta-feira (12) na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF). Foto: Divulgação/CIMI

Protesto ocorreu na manhã de quarta-feira (12) na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF). Foto: Divulgação/CIMI

O acirramento da hostilidade de Bolsonaro contra os povos indígenas pretende responder aos interesses de setores da mineração e do agronegócio, na tentativa de manter apoios eleitorais e de consumar, antes das eleições de 2022, seu projeto de poder e de morte. É importante destacar que o agronegócio brasileiro continua batendo recordes de produção de grãos para a exportação e aumenta os lucros para pequenos grupos econômicos enquanto crescem no país os indicadores de pobreza e exclusão, acompanhados de uma subida permanente do preço dos alimentos.

A expansão do agronegócio, apresentada falsamente como solução para a soberania alimentar do país, só é possível pela apropriação de grandes extensões de terra, o desrespeito aos direitos territoriais dos povos indígenas e de outras comunidades tradicionais, a liberação indiscriminada e criminosa de agrotóxicos proibidos em outros países e, finalmente, o crescimento permanente da demanda por fertilizantes. E, mais uma vez, os territórios indígenas são percebidos como a principal barreira ao expansionismo do capital e do veneno.

A liberação da mineração dentro de terras indígenas teria como resultado impactos gravíssimos para a saúde das comunidades e para seu entorno, inviabilizando seus projetos de vida. Afeta diretamente o usufruto exclusivo das comunidades sobre seus territórios e compromete a determinação livre destes povos de escolher seus próprios caminhos.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) denuncia esta estratégia recorrente e cada vez mais acintosa de atropelar os direitos territoriais indígenas, o direito à consulta e à autodeterminação dos povos originários e os direitos da natureza para satisfazer a ganância insaciável dos setores empresariais mais reacionários da sociedade. A defesa dos direitos dos povos indígenas e a proteção ao meio ambiente fazem parte da luta mais ampla por um mundo mais justo, igualitário e plural. Conclamamos a todos os segmentos da sociedade, organizações indígenas e indigenistas, sociedade civil organizada, partidos e deputados, Ministério Público Federal e a todas e todos a somar esforços para impedir esta iniciativa perversa do governo. Brasília, 4 de março de 2022.

Fonte: Conselho Indigenista Missionário – Cimi

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