De Moçambique para o Brasil

Entrevista realizada pela Rádio Diocesana de Cachoeiro de Itapemirim, ES

Dom Luiz Fernando Lisboa, bispo de Pemba, Moçambique, é transferido para Cachoeiro do Itapemirim.

Por Paulo Mzé *

Uma das notícias que teve muita repercussão recentemente, na mídia em Moçambique e no exterior foi aquela que dava conta da nomeação de dom Luiz Fernando Lisboa da diocese de Pemba, em Moçambique (África) para Cachoeiro de Itapemirim (ES), Brasil.

Após a notícia, muitos começaram a se perguntar sobre o que teria motivado o pontífice a tomar aquela decisão. Primeiramente, parece não ter havido nenhuma justificativa oficial, mas é de domínio público que o bispo vinha sofrendo ameaças de morte, o que pode ter pesado na decisão do papa de transferi-lo.

A propósito, o bispo diz que não pediu para deixar Pemba, o que aumenta a incompreensão em muitos setores da sociedade e da Igreja em Moçambique. Setores ligados à Igreja Católica manifestam a sua tristeza, enquanto os bispos limitam-se a agradecer “o abnegado trabalho em tempos e situações difíceis”, sem nunca referir-se às críticas que o bispo fazia à inação política por conta do seu apoio às populações de Cabo Delgado, que há três anos são atacadas por grupos terroristas.

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Riscos

Em outras ocasiões em que o bispo foi perguntado sobre os prováveis motivos de sua transferência para o Brasil, dom Luiz Fernando admitiu que os riscos para a sua vida podem estar por detrás da decisão do papa Francisco que manifestamente e por várias vezes mostrou o seu apoio a ele.

“Pode ser que sim. Eu reconheço a situação delicada do momento e o santo padre, analisando toda a nossa situação de Moçambique achou por bem transferir-me. Nós não somos ingênuos, penso que isso pode ter ajudado nessa transferência”, afirmou na entrevista à Renascença.

Dom Luiz Fernando relativizava as ameaças que vinha recebendo: “Essas coisas são normais acontecer. Acontece a jornalistas, acontece a militares pelos direitos humanos e acontece também a membros da Igreja. A isso estamos acostumados, em toda a parte”, enfatizando assim que jamais pediria para sair de Pemba.

A atuação de dom Luiz Fernando lembra aos moçambicanos outros bispos como Soares de Resende, Vieira Pinto e Jaime Gonçalves, sendo que os dois primeiros eram críticos do regime colonial. O último foi o principal mediador das negociações que levaram ao final da guerra dos 16 anos e ao acordo de Paz entre a Frelimo e a Renamo, em 1992.

Por fim, em Moçambique, vários setores da sociedade manifestaram preocupação com a notícia. Ao mesmo tempo que diz-se que no que tange à Conferência Episcopal de Moçambique (CEM) as despedidas e agradecimentos são quase só formais.

Numa carta da ocasião, dirigida aos bispos, ao clero, às comunidades cristãs, o presidente da CEM, o bispo da diocese de Xai-Xai, Lúcio Andrice Muandula limitou-se a dizer que agradece ao papa por ter dado a Moçambique “este grande missionário do Brasil como bispo” de Pemba. Na mesma acrescentou um reconhecimento a dom Luiz Fernando “pelo abnegado trabalho pastoral” realizado na CEM e no país, “mesmo em tempos e situações tão difíceis”.

Dom Luiz Fernando deixa para trás mais de meio milhão de deslocados, pelo menos cerca de dois mil mortos, uma população cansada da guerra e da pobreza, numa diocese rica em recursos minerais que estão sendo explorados por multinacionais.

Enfim, com a transferência de Luiz Fernando ao Brasil, muitos moçambicanos disseram que perderam um profeta que denunciava, principalmente, a questão econômica como sendo a primeira razão dos ataques em Cabo Delgado.

* Paulo Mzé, imc, é diretor da revista Missões.

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