Venezuela: onde a missão se torna consolação

Além de atender às necessidades materiais, os missionários se preocupam em manter viva a esperança sendo presença de consolação.

Por Jaime C. Patias

O Vicariato de Barlovento, no Estado de Miranda, pertence à diocese de Guarenas, região a 100 quilômetros de Caracas. Nessa área trabalham os jovens padres quenianos Charles Gachara Munyu e Silvanus Ngugi Omuono, juntamente com o padre congolês, Charles Ma'daluma, em quatro paróquias: Caucagua, Tapipa, Panaquire e El Clavo. Os missionários da Consolata residiram em Tapipa por mais de 30 anos, mas desde novembro de 2018 mudaram-se para Caucagua de onde assistem as quatro paróquias que juntas somam cerca de 40 pequenas comunidades. Localizado na costa do Mar do Caribe, com um clima quente, a terra de Barlavento é de grande fertilidade. A população é predominantemente afrodescendente e dedica-se ao cultivo de cacau, banana, mandioca, inhame e milho, entre outros. Existem também algumas atividades comerciais.

A insegurança
Todo o território é controlado por grupos armados que operam na ilegalidade. Os "malandros", como são chamados, são majoritariamente jovens. Muitas vezes eles atacam, roubam ou sequestram aqueles que passam pelas estradas e meio aos bosques. Em várias ocasiões, os missionários e até mesmo o bispo local, Dom Gustavo Garcia, tiveram armas apontando para suas cabeças.

Na Venezuela, a violência aumenta. Segundo as estatísticas, o país com 30 milhões de habitantes tem cerca de 15 milhões de armas nas mãos de civis. No ano passado, mais de 25 mil pessoas foram mortas. Na ausência do Estado, as gangues armadas se organizam em espécie de feudos, como nas minas de ouro clandestinas, onde prevalece a lei do mais forte.

P. Charles Gachara durante omilia Comunità GuayanaApesar de tudo, os missionários continuam sua missão ao lado do povo. No domingo, 28 de julho, depois de celebrar duas missas na igreja matriz de Caucagua, enquanto o padre Charles Ma'daluma visitava as paróquias de Tapipa e Panaquire, o padre Charles Gachara e eu fomos até a comunidade das Guayanas, que pertence à paróquia de El Clavo, a 35 km da sede. Os missionários tiveram dois carros roubados e, por prudência, agora usam o transporte público (ônibus e moto-táxi) e muitas vezes fazem parte do trajeto a pé. No entanto, eles não deixam de visitar as comunidades para celebrar os sacramentos, organizar a catequese, formar animadores, fazer atividades com jovens e acompanhar as famílias mais necessitadas.

Solidariedade e consolação
Diante da escassez, é visível o espírito de família tão desejado pelo Beato Fundador José Allamano entre os 13 missionários da Consolata que trabalham na Venezuela. “No grupo, existe muita fraternidade e solidariedade. Essa sensibilidade em compartilhar o pouco que temos e no uso dos recursos, é um dos valores que fortalece a missão”, diz P. Charles Gachara. “Apesar das necessidades e da violência, o espírito de família ameniza os muitos golpes que recebemos dessa sociedade desestruturada. A comunhão nos mantém animados. Aprendemos a priorizar o mais importante e alimentar a esperança de que tudo vai melhorar ”, diz o missionário. Há pessoas que querem deixar o país, como os 4 milhões que já imigraram, mas vendo que os missionários continuam, mudam de ideia para continuar lutando.

Comunidade Guayanas

Depois de viajar por 32 km de ônibus, continuamos outros 8 km de moto-táxi. O total pago para o transporte dos dois padres foi de 12.000,00 bolívares, o equivalente a 1 dólar. A oferta da comunitária totalizou 2.800,00 bolívares. O salário é de 40.000,00 bolívares (apenas 3.35 dólares). Com o valor do salário não compra quase nada. Para se ter uma ideia (1kg de leite em pó: 78.000,00; 1 kg de arroz: 12.000,00; 1kg de carne: 25.000,00; 1kg de frango: 14.000,00; um cartão de ovos: 28.000,00).

Podemos imaginar as dificuldades na administração das paróquias. Mas isso não parece importar muito. Ao chegar na Guayana, encontramos a comunidade reunida esperando pelo padre desde cedo. Foi uma festa, especialmente para as sete crianças que se haviam preparado para a Primeira Comunhão. Os tambores ditavam o ritmo das músicas e a harmonia das vozes proporcionava uma atmosfera festiva.

O local foi muito bem organizado sinalizando que a comunidade está assumindo suas responsabilidades na evangelização das novas gerações. Na homilia, o padre Charles enfatizou a importância da vida cristã na comunidade.

No Evangelho (Lc 11, 1-13) do XVII Domingo do Tempo Comum (C), Jesus ensina os discípulos a orar. Ele mostra a bondade de Deus, o Pai bondoso que não deixa nossas orações sem resposta. Na Guayana, a missa e as primeiras comunhões das crianças renovaram a confiança das pessoas na certeza que Deus sempre dá a quem pede; quem busca encontra; e a porta se abre para quem bate. Tudo o que foi vivido naquela comunidade representou uma motivação para os venezuelanos enfrentarem a maior crise da história do país. Os missionários estão onde Jesus quer que eles estejam: com as pessoas abandonadas pelo Estado. Além de atender às necessidades materiais, eles se preocupam em manter viva a esperança sendo presença de consolação espiritual.

No final da missa, a comunidade partilhou um prato de arroz com frango, suco de frutas e chocolate de cacau, todos produtos na região. A festa fez a oração do Pai Nosso mais real, antecipando o que todos esperam ver em uma nova Venezuela. Deus queira que isso aconteça em breve.

O IMC e MC na Venezuela
Os missionários da Consolata (IMC) estabeleceram-se na Venezuela em 1971 com o P. Giovanni Vespertini, na diocese de Trujillo. Com a chegada, em 1974, do P. Francesco Babbini e outros missionários, a presença foi estendida à Arquidiocese de Caracas. A Delegação IMC na Venezuela foi criada em 1982. Atualmente trabalham no país, 13 padres de seis nacionalidades em Barlovento (Paróquias de Cuacagua, Panaquire, El Clavo e Tapipa); na arquidiocese e na cidade de Barquisimeto, com um Centro de Animação Missionária e Propedêutico; no vicariato de Tucupita entre com os indígenas Warao (Tucupita e Nabasanuka); e em Caracas, sede da Delegação, com o seminário Filosófico e a Paróquia de Carapita, na periferia.

As Imãs missionárias da Consolata (MC) também têm três comunidades no país, em Caracas, Puerto Ayacucho e Tencua, com os povos indígenas Yekuana e Sanema.

*Jaime C. Patias, IMC, Conselheiro Geral da América.

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