De limites e fronteiras

O que fazer? Qual a saída? Quando o povo se junta, o poder se espalha.

Por Selvino Heck*

O Brasil parece ter chegado a uma situação em que foram ultrapassados todos os limites e fronteiras.
Senão vejamos.

A chamada Constituição Cidadã está sendo interpretada ao gosto de cada um. O Supremo Tribunal Federal reúne-se uma tarde inteira para decidir se vai decidir sobre Habeas Corpus preventivo pedido pela defesa de Lula. Primeiro, decide que vai decidir. Depois, chegada a noite, decide não decidir naquele dia, decidindo que vai fazê-lo apenas dia 4 de abril, porque ‘precisa’ tirar um recesso/descanso de dez dias por causa da Páscoa (como fazem e têm direito todos os trabalhadores brasileiros que ganham salário mínimo....!!!! Os que ainda têm emprego, claro). Sobre aquilo que vai/iria/deveria decidir, suspendeu qualquer efeito contrário durante este período de dez dias, isto é, Lula não pode ser preso neste período. Enquanto isso, os Senhores Juízes tiram férias, e o auxílio-moradia de mais de 4 mil reais, ilegal e antiético, que mais de dois terços dos Juízes brasileiros recebem, não se sabe quando será julgado. Foi jogado para as calendas gregas.

A Justiça, ora a Justiça! Tornou-se justiça. As leis, ora as leis! Valem para os pobres, as/os pretas/os, as prostitutas, julgadas/os todos os dias e jogadas/os, amontoadas/os nas cadeias. O Poder Judiciário é, por incrível que pareça, o pior Poder da República, elitista, antidemocrático, cheio de mordomias e privilégios, sem controle social.

A grande mídia e os jornalões fazem editoriais todos os dias pedindo a prisão de Lula, como se fosse a coisa mais importante de um país à deriva, com um governo entreguista, lesa-pátria, que produz a cada dia mais desempregados, fome e miséria. A manchete do jornal Zero Hora, do Rio Grande do Sul, terça-feira, 20 de março, diz tudo: “MAIS TEMPO EM BUSCA DE EMPREGO. Período médio de procura por vaga com carteira assinada na Grande Porto Alegre chegou a 47 semanas em janeiro, 10,44 meses, quase um ano. É o intervalo mais longo desde janeiro de 2004. São 227 mil pessoas desempregadas na Região Metropolitana de Porto Alegre.”

mariellefranco2A intervenção militar no Rio desmoraliza-se cada dia mais um pouco. Sem planejamento, açodada, como insuspeitos jornalistas como Élio Gaspari denunciaram, o Rio vê crescer a violência, os assassinatos, a insegurança. Estamos há mais de semana do assassinato de Marielle e Anderson e não há qualquer notícia de que algum culpado/responsável tenha sido encontrado. Nem mesmo parece haver pistas concretas de quem são os assassinos. Enquanto isso, os cadáveres empilham-se todos os dias nas ruas e favelas, especialmente de jovens negros, crianças, policiais e mulheres.

Enquanto isso, o Papa Francisco, num gesto de amor, telefonou para a família de Marielle. Mas, para vergonha e tristeza dos cristãos católicos como eu, soube-se que a Igreja Católica brasileira não teve interferência no telefonema de solidariedade, articulado por católicos argentinos. A Arquidiocese do Rio pronunciou-se sobre os assassinatos em nota frouxa e sem sal, descomprometida, e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) sequer se pronunciou. Enquanto isso, junto com a palavra de solidariedade e amor do Papa Francisco, milhares vão às ruas todos os dias em todo Brasil e no mundo denunciando os assassinatos, exigindo o fim da violência, querendo paz, solidarizando-se com as famílias de Marielle e Anderson.

O que fazer? Qual a saída?

Maria Lúcia Erwin escreve lúcido artigo: “Para defender os pobres do Brasil, o nosso único caminho agora é a desobediência civil pacífica” (Em www.viomundo.com.br). E cita, como referências maiores de desobediência civil, Gandhi e Martin Luther King. Diz ela: “É tempo de desobediência civil. Não vamos mais nos calar frente à injustiça. É tempo de dizer em alto e bom som que não aceitaremos a injustiça.

Para defender o nosso legado só nos resta praticar a desobediência civil contra a injustiça que vivemos. Gandhi e Luther King nos ensinaram que é necessário fazer marchas, greves, ocupações, boicotes contra a prisão política de Lula. No Brasil e nos nossos dias, é a fábrica de mentiras da Globo e seus sócios menores que precisamos denunciar com nossa rebeldia e desobediência. Toda a solidariedade a Lula e aos milhões de injustiçados pela Casa Grande mesquinha e cruel!”

A camiseta da Rede de Educação Cidadã Nordeste (RECID), que mais uma vez usei/usamos no Fórum Social em Salvador – ‘Um outro mundo possível. Resistir é criar. Resistir é transformar’ -, diz: “Quando o povo se junta, o poder se espalha. Nossa comunidade tem a nossa voz.”

É a esperança que resta. O povo não está inteiramente dominado, felizmente, e a legítima desobediência civil vai crescer no país. Foi assim que foi enfrentada a ditadura nos anos 1970/1980 e houve a redemocratização, ainda longe de estar concluída, do Brasil.

*Selvino Heck é deputado estadual Constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990).

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