É preciso anular todos os atos do governo Temer

Se não renunciar Temer ar­ras­tará o Brasil a uma crise po­lí­tica ainda mais pro­funda que, nin­guém se en­gane, che­gará, con­tudo, ao mesmo re­sul­tado, seja pelo im­pe­a­ch­ment, seja por de­núncia aco­lhida pelo STF.

Por Gabriel Brito

A fa­mi­ge­rada mú­sica do plantão global foi obri­gada a tocar e di­ante dos olhos do pú­blico o óbvio se ma­te­ri­a­li­zava: o ex-vice de Dilma e atual pre­si­dente da Re­pú­blica, de­pois de aber­ta­mente cons­pirar contra sua co­lega de chapa, con­firma-se como mais um de­lin­quente de um sis­tema po­lí­tico que se es­garça em praça pú­blica pelos pró­prios mé­ritos.

Ex­posta a gra­vação na qual um dos donos da Friboi – fes­te­jado ex­po­ente do mo­delo de­sen­vol­vi­men­tista que marca o início de sé­culo bra­si­leiro – acer­tava me­sadas aos re­clusos Edu­ardo Cunha e o do­leiro Lucio Fu­naro com o pró­prio Mi­chel Temer, todos se per­gun­taram se es­tavam, de fato, tes­te­mu­nhando o fim do go­verno que dias atrás fes­te­jara um ano em tí­midos pro­nun­ci­a­mentos. Aquele ins­tante em que se es­frega o olho para crer.

Fora-Temer-DiretasNa manhã desta quinta, o fu­racão das de­la­ções con­ti­nuou e tes­te­mu­nhamos a prisão de An­drea Neves, para al­guns a pró­pria “agente de car­reira” do mano Aécio, cujas con­versas de tom ma­fioso tra­zidas a pú­blico ar­ruínam de vez sua bi­o­grafia.

O sin­di­cato dos jor­na­listas mi­neiros, re­pleto de pro­fis­si­o­nais que pas­saram anos a ver in­ti­mi­da­ções e até fe­cha­mentos de veí­culos que fa­ziam opo­sição ao rei­nado do tu­ca­nato em Minas Ge­rais, até marcou uma festa. As redes so­ciais, após o de­lírio co­le­tivo en­gen­drado pelo “duelo” Moro x Lula, vol­taram a ex­plodir em ca­tarse. “E as pa­nelas?”. “Votou no Aécio e não tem culpa?”, entre ou­tros de­sa­bafos com­pre­en­sí­veis, mas que pouco sig­ni­ficam.

“A si­tu­ação é se­vera, a classe do­mi­nante está tensa, al­guns de seus se­tores se com­batem e agora ela vai fe­chando suas pró­prias saídas. Agora é a bur­guesia pau­lista que vai pra fo­gueira”, ana­lisou a his­to­ri­a­dora Vir­gínia Fontes, que já vinha tra­tando das ten­sões in­ternas dos grandes ca­pi­tais re­gi­o­nais bra­si­leiros em seus es­tudos.

Di­ante do diá­logo ana­li­sado pelo jor­na­lista Alceu Cas­tilho, pode-se con­cordar com a tese da his­to­ri­a­dora, de que al­guns ajustes in­ternos à bur­guesia estão es­ca­pando a seu pró­prio con­trole. Afinal, a Fun­dação Na­ci­onal do Índio (Funai), sob égide do mi­nistro da Jus­tiça Osmar Ser­ra­glio, vem sendo des­mo­ra­li­zada por um go­verno que não teve dú­vidas de ir a pú­blico de­fender a JBS-Friboi quando a Po­lícia Fe­deral en­cetou a Ope­ração Carne Fraca.

Como re­ve­lado, Ser­ra­glio foi pa­tro­ci­nado em sua cam­panha pelo mo­no­pólio das carnes. Entre o mi­nistro e Temer, o em­pre­sário e de­pu­tado Rocha Loures, im­por­tante au­xi­liar do pre­si­dente, re­ceptor da mala de di­nheiro que veio à tona. Como moeda de troca, força total do go­verno na ne­gação dos di­reitos ter­ri­to­riais in­dí­genas e re­dução de al­gumas áreas de pre­ser­vação, para re­go­zijo do agro­ne­gócio.

“Nesses mo­mentos de con­tração cí­clica, a po­lí­tica e suas de­ci­sões tendem a alargar os es­paços para a es­po­li­ação so­cial: dos di­reitos so­ciais, dos sa­lá­rios, do tempo de tra­balho das pes­soas, dos re­cursos na­tu­rais, es­po­li­ação de tudo aquilo que é pú­blico e que es­tava até então à margem, ou re­la­ti­va­mente fora, do mo­delo de ex­plo­ração an­te­rior. Minha pre­visão é que iremos as­sistir a um apro­fun­da­mento da mer­can­ti­li­zação do tra­balho, do di­nheiro e do meio am­bi­ente em uma es­cala ainda maior do que nos úl­timos 14 anos. Não há dú­vida de que pre­ci­samos de uma al­ter­na­tiva ra­di­cal­mente di­fe­rente do que está aí”, já dis­sera a este Cor­reio o so­ció­logo Ruy Braga, pouco antes da queda de Dilma.

Por­tanto, um go­verno in­trin­se­ca­mente em­pre­sa­rial, sem a me­di­ação de um poder le­gis­la­tivo cioso de ou­tros in­te­resses que não os ex­clu­si­va­mente ca­pi­ta­listas. E mesmo com tudo le­ga­li­zado, a rou­ba­lheira chega a tal pa­tamar que os donos de todas as peças do ta­bu­leiro con­se­guem perder suas pró­prias par­tidas.

“O PMDB as­sume cen­tra­li­dade di­ante da im­po­tência do PT em ser de fato um par­tido de es­querda e do PSDB de ser algo além de ex­pressão re­gi­onal de uma certa bur­guesia, en­clau­su­rada em São Paulo, Minas Ge­rais e um pe­daço do Pa­raná, en­quanto as bur­gue­sias bra­si­leiras são mais am­plas. Temos o de­safio de en­tender a re­gi­o­na­li­zação da grande bur­guesia, as es­tra­té­gias das suas es­tru­turas re­pre­sen­ta­tivas e o fato de que seu con­junto tenha ado­tado todos os par­tidos ao longo dos anos”, aler­tava Vir­gínia.

En­quanto a es­querda to­mava as ruas das prin­ci­pais ci­dades do país para exigir a saída do pre­si­dente, o pró­prio tentou mos­trar re­si­li­ência e bradou que fica, em dis­curso desta quinta. No en­tanto, di­ante das de­ser­ções de mi­nis­tros que já se acu­mulam, acaba por lem­brar o der­ra­deiro dis­curso de Collor, quando o pro­cesso de seu im­pe­a­ch­ment tomou corpo de­fi­ni­tivo.

De­fi­ni­ti­va­mente, Globo atua como par­tido

De sua parte, a emis­sora, cujos ne­gó­cios a co­locam no pa­tamar má­ximo da bur­guesia bra­si­leira, con­tinua a tra­ba­lhar por so­lu­ções à crise como uma au­tên­tica or­ga­ni­zação po­lí­tica.

Não à toa, já vis­lumbra so­lu­ções, in­clu­sive para além da pos­si­bi­li­dade de, em caso de re­núncia de Temer, Ro­drigo Maia (DEM), pre­si­dente da Câ­mara dos De­pu­tados, as­sumir a pre­si­dência. Não é ponto sem nó a “reu­nião do PIB” com a mi­nistra e pre­si­dente do STF, Carmen Lúcia, apa­ren­te­mente o nome mais pa­la­tável ao pú­blico na linha su­ces­sória ofi­cial, ao menos se des­con­si­de­ramos a pos­si­bi­li­dade de novas elei­ções.

"A Globo cla­ra­mente já grita 'Fora Temer' junto às ma­ni­fes­ta­ções de es­querda. Mas eles estão ten­tando se­parar o go­verno Temer de sua agenda econô­mica. O que a Globo ainda não de­finiu é como isso será pos­sível. Pela via do im­pe­a­ch­ment, po­de­riam aceitar o Ro­drigo Maia, isso se ele es­tiver in­te­res­sado em nunca mais se eleger pra nada. Pode ser que sobre até pra Carmen Lúcia, que já re­cebeu em­pre­sá­rios para con­versar sobre as 're­formas' e não tem os pro­blemas de po­pu­la­ri­dade de Maia. No ce­nário da eleição in­di­reta pelo Con­gresso, podem eleger di­re­ta­mente a ca­beça mais vi­sível da junta fi­nan­ceira que de fato vem go­ver­nando o país, Hen­rique Mei­relles, e isso já foi aven­tado em parte da im­prensa”, co­mentou ao Cor­reio Di­mi­trios Sa­cute, membro do mo­vi­mento Po­lí­tica Econô­mica da Mai­oria.

Sua ava­li­ação acerta em cheio: ins­tantes antes da pu­bli­cação desta ma­téria, saiu o Edi­to­rial de­fi­ni­tivo da Globo, que ofi­ci­al­mente aban­dona o go­verno Temer e pede um ca­minho acei­tável “de acordo com a Cons­ti­tuição”.

“Este jornal apoiou desde o pri­meiro ins­tante o pro­jeto re­for­mista do pre­si­dente Mi­chel Temer. Acre­ditou e acre­dita que, mais do que dele, o pro­jeto é dos bra­si­leiros, porque so­mente ele fará o Brasil en­con­trar o ca­minho do cres­ci­mento, fun­da­mental para o bem-estar de todos os bra­si­leiros. As re­formas são es­sen­ciais para con­duzir o país para a es­ta­bi­li­dade po­lí­tica, para a paz so­cial e para o normal fun­ci­o­na­mento de nossas ins­ti­tui­ções. Tal pro­jeto fará o país chegar a 2018 ma­duro para fazer a es­colha do fu­turo pre­si­dente do país num am­bi­ente de nor­ma­li­dade po­lí­tica e econô­mica”, acabou de pu­blicar o jornal dos Ma­rinho.

Além de manter Lula no alvo em seu no­ti­ciário de­nun­cista, a emis­sora com­par­tilha o la­mento do mer­cado fi­nan­ceiro, já a ab­sorver o baque do adi­a­mento do sonho das ver­da­deiras con­trar­re­formas que de­fende dia e noite, seja por ma­lícia se­mân­tica, seja por omissão de in­for­ma­ções e ver­sões que não sejam do in­te­resse das fi­leiras ne­o­li­be­rais.

Seu no­ti­ciário re­gis­trou um mo­mento té­trico no sen­tido de sim­bo­lizar que na atual quadra his­tó­rica o jor­na­lismo em­pre­sa­rial der­rubou o ou­trora sa­grado muro que se­pa­rava os de­par­ta­mentos edi­to­rial e co­mer­cial. Logo após a ca­bis­baixa en­tre­vista do ope­rador de mer­cado, na tarde de quinta, en­trou no ar co­mer­cial do go­verno fe­deral a pro­pa­gan­dear a Re­forma da Pre­vi­dência. Em ou­tras pa­la­vras, a Globo re­cebe di­nheiro ao vivo e a cores para de­fender o pro­grama de go­verno mais im­po­pular que já ti­vemos no­tícia.

“Não tem como manter con­ces­sões dos gastos so­ciais do go­verno fe­deral numa con­jun­tura de crise econô­mica. Isso iria co­lapsar con­forme a crise econô­mica se apro­fun­dasse. Houve uma de­sa­ce­le­ração a partir de 2013. O go­verno do PT, em tal mo­mento, ainda fez uma lei­tura vazia das Jor­nadas de Junho, quando as massas – em es­pe­cial a ju­ven­tude da classe tra­ba­lha­dora, pre­ca­ri­zada, mu­lher, negra e pobre – saíram às ruas exi­gindo mais de­mo­cracia, gastos pú­blicos, in­ves­ti­mentos em saúde, edu­cação, trans­porte, mo­radia. No mês se­guinte, em julho de 2013, o go­verno Dilma cortou mais de 10 bi­lhões de reais do or­ça­mento fe­deral. A partir de então, não foi mais capaz de re­tomar a ini­ci­a­tiva po­lí­tica”, também disse Ruy Braga na re­fe­rida en­tre­vista.

Ainda assim, o con­glo­me­rado in­siste com sua pauta de aus­te­ri­dade. “Fingir que o es­cân­dalo não passa de uma ino­cente con­versa entre amigos, iludir-se achando que é me­lhor tapar o nariz e ver as re­formas logo apro­vadas, tomar o ca­minho hi­pó­crita de que nada tão fora da ro­tina acon­teceu não é uma opção. Fazer isso, além de con­tri­buir para a per­pe­tu­ação de prá­ticas que têm sido a des­graça do nosso país, não apres­sará o pro­jeto de re­formas de que o Brasil ne­ces­sita de­ses­pe­ra­da­mente. Será, isso sim, a razão para que ele seja mais uma vez pos­ter­gado”, afirma o Edi­to­rial.

E di­ante das he­si­ta­ções do lu­lo­pe­tismo, cuja lábia ainda en­reda ou­tros se­tores da es­querda, não sur­pre­ende o ta­manho re­la­ti­va­mente de­cep­ci­o­nante, de acordo com di­versos ati­vistas, das ma­ni­fes­ta­ções desta quinta.

Na ave­nida Pau­lista, cerca de 4 mil pes­soas se en­con­traram e di­vi­diram em dois blocos. A partir do MASP, PSOL e PSTU se des­lo­caram até a es­quina com a Con­so­lação, de­fronte ao es­cri­tório da pre­si­dência onde o MTST já le­van­tara acam­pa­mento neste ano. Pelas mãos da UNE, go­ver­nistas fi­caram de­baixo do vão do MASP, a fim de se pro­te­gerem da chuva. Já os anar­quistas, os ins­taram a sair da toca com pro­vo­ca­ções contra Lula e Ca­rina Vi­tral (pre­si­dente da en­ti­dade). De­pois, todos se re­en­con­traram em clima de frieza total.

Re­gistre-se que tal já se vira em 28 de abril, dia da greve geral, quando a marcha do Largo da Ba­tata até a casa de Temer, no bairro de Alto de Pi­nheiros, pa­recia uma “ro­maria”, para usar a de­fi­nição de uma pessoa ali pre­sente. O “Fora Temer” pu­xado do alto do carro de som, muito es­tra­nha­mente, não en­con­trava eco e ânimo nos pre­sentes.

Talvez pelo fato de, após reu­nirem 100 mil pes­soas na pri­meira ma­ni­fes­tação contra o man­da­tário do PMDB, as li­de­ranças das Frentes Brasil Po­pular e Povo Sem Medo terem re­cuado da pauta. Na com­pre­ensão dos mais crí­ticos, um ca­valo de pau que teria a ver com os cál­culos da di­reção pe­tista, e mais es­pe­ci­fi­ca­mente Lula, de que talvez fosse me­lhor deixar o go­verno fra­cassar para em 2018 apre­sen­tarem o ex-pre­si­dente como mes­sias. Agora, gritam “se em­purrar o Temer cai”, o que o país in­teiro sabe, di­ante de seus 4% de apro­vação e a de­vas­ta­dora re­ve­lação pro­pi­ciada pelos chefes da JBS – que há poucos dias era de­fen­dida pelas hostes ex-go­ver­nistas quando en­vol­vida pela in­ves­ti­gação da PF.

Em ou­tras ca­pi­tais, como Rio e Porto Alegre, não foi muito di­fe­rente: o pro­testo não atraiu pes­soas para além das co­nhe­cidas or­ga­ni­za­ções po­lí­ticas e mi­li­tantes. No âm­bito ofi­cial, par­tidos de opo­sição pro­to­co­laram pe­dido de im­pe­a­ch­ment, en­tregue por Ales­sandro Molon, ex-pe­tista e atual de­pu­tado da Rede (onde a pre­si­den­ciável Ma­rina Silva volta a dar as caras).

“No meio do ter­re­moto po­lí­tico o Mi­nistro da Fa­zenda já de­clarou que fica com ou sem Temer. Pode ser até que a Globo e bur­guesia vejam nas 'Di­retas Já' um meio de eleger um go­verno que leve adi­ante as 're­formas' sem pro­blemas de le­gi­ti­mi­dade e po­pu­la­ri­dade. De todo modo, o que tem que ficar claro para nós é que essa si­tu­ação toda nos abriu a opor­tu­ni­dade de trans­formar a in­dig­nação contra um go­verno im­po­pular em in­dig­nação contra as me­didas im­po­pu­lares desse go­verno. É só aí que a gente tem algo a ga­nhar”, ana­lisou Di­mi­trios.

Como dito, não de­morou para que sua aná­lise se mos­trasse cer­teira. “Só um go­verno com con­di­ções mo­rais e éticas pode levá-lo adi­ante. Quanto mais ra­pi­da­mente esse novo go­verno es­tiver ins­ta­lado, de acordo com o que de­ter­mina a Cons­ti­tuição, tanto me­lhor. A re­núncia é uma de­cisão uni­la­teral do pre­si­dente. Se de­sejar, não o que é me­lhor para si, mas para o país, esta aca­bará sendo a de­cisão que Mi­chel Temer to­mará. É o que os ci­da­dãos de bem es­peram dele. Se não o fizer, ar­ras­tará o Brasil a uma crise po­lí­tica ainda mais pro­funda que, nin­guém se en­gane, che­gará, con­tudo, ao mesmo re­sul­tado, seja pelo im­pe­a­ch­ment, seja por de­núncia aco­lhida pelo Su­premo Tri­bunal Fe­deral. O ca­minho pela frente não será fácil”, de­cretou O Globo.

Para usar o jargão em­pre­sa­rial, re­co­lado na moda pelos se­tores con­ser­va­dores da so­ci­e­dade bra­si­leira, Temer cum­priu um ano de tra­balho, não atingiu as metas es­ta­be­le­cidas e agora é des­car­tado. “Nossa pauta pre­cisa ser tra­ba­lhada em ao menos quatro pontos: Fora Temer agora, greve geral, anu­lação de todos os atos deste go­verno e elei­ções ge­rais, também para já”, re­sumiu Vir­gínia Fontes.

Fonte: Correio da Cidadania

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