Argentina: prisão de Milagro é a criminalização do protesto

Prisão de uma das mais importantes lideranças indígenas da região norte da Argentina é a mais nova bravata do grupo do presidente, Maurício Macri.

Por Elaine Tavares*

A Argentina vive uma ebulição de luta popular. Desde a posse do novo presidente Maurício Macri que os movimentos sociais vem se mobilizando contra as medidas tomadas pelo governo que, de maneira geral, tem buscado destruir todo o processo de avanços iniciado nos governos de Nestor e Cristina Kirchner. Pequenos passos é certo, mas que foram e são importantes para a vida nacional, como a Lei de Meios, por exemplo, que coíbe o monopólio da mídia e busca democratizar a comunicação. Além do desmonte de instituições estatais, desemprego em massa nos veículos do governo e corte nos programas críticos das emissoras públicas, agora Macri avança também para a perseguição política de lutadores sociais.

macri_vitoria_eleicao_argentina_624x351_reuters_nocreditA mais nova bravata do grupo do presidente argentino foi a prisão da representante do Parlamento Sulamericano (Parlasul), Milagro Sala, que é uma das mais importantes lideranças indígenas da região norte do país, militante do movimento Tupac Amaru, da província de Jujuy. Ela foi detida no sábado, 16 de janeiro, sob a acusação de "instigar tumultos", uma vez que há mais de 30 dias, junto com outros movimentos sociais, ajudou a instalar um acampamento em frente a sede do governo de Jujuy, em protesto contra o reordenamento de subsídios a cooperativas feito pelo governador Gerardo Morales. O governador, seguindo a lógica de Macri, vem buscando desmontar as organizações sociais que floresceram nos últimos anos exigindo, desde dezembro, quando assumiu o cargo, que as entidades se enquadrem em novos padrões definidos pelo governo, e que se não o fizerem perderão a pessoa jurídica e os benefícios. Essa decisão levantou os movimentos e Milagro tem sido uma das lideranças desses protesto.

Agora, para tentar desacreditar as organizações sociais de luta popular, Gerardo Morales ainda acusa Milagro Sala de ter se apropriado de verbas públicas durante o governo kirchnerista. A prisão, feita a partir dessas acusações, sem qualquer comprovação, é fundamentalmente política e desde que aconteceu vem provocando ondas de protesto em todo o país e fora dele.

Milagro Amália Ángela Sala é uma liderança indígena, dirigente da organização de bairro Tupac Amaru com forte atuação na região de Jujuy. Passou parte da infância e adolescência na rua, entre os ladrões e as prostitutas. Foi presa aos 18 anos e na cadeia percebeu que a injustiça e o abandono eram a marca de sua classe. Fez greve de fome e conseguiu garantir melhor alimentação para todas as mulheres presas. Depois de oito meses saiu e iniciou sua luta política. "Fui presa injustamente, apenas por ser pobre e não ter quem me defendesse. A justiça é só é justa com quem tem dinheiro. Então, lá na cadeia, jurei que quando saísse dali iria lutar por justiça", conta.

E assim foi. Desde aí Milagro passou a participar das lutas coletivas e populares, sempre enfrentando os governos e buscando vida digna para as comunidades carentes. Seu compromisso com os jovens empobrecidos levou-a a adotar 12 crianças de rua quando contava apenas 25 anos. Depois de muito trabalho popular Milagro foi uma das fundadoras da Associação Tupac Amaru, que tem sido responsável pela construção de moradias para famílias empobrecidas. A entidade - que tem a parceria do governo federal - já construiu mais de 3.500 casas na província. Também já construiu duas escolas que são mantidas pela organização e atendem mais de 2.500 jovens, os quais aprendem os conteúdos exigidos pelo Ministério da Educação, além de autoestima e a história dos movimentos indígena e de trabalhadores. A Tupac Amaru mantém ainda dois centros de saúde equipados e com 42 médicos, farmacêuticos, enfermeiros e bioquímicos, bem como um centro de reabilitação para pessoas com deficiência. Tudo é gratuito e aberto para a comunidade.

Em 2013 Milagro sofreu uma emboscada, justamente no período de campanha eleitoral na qual se elegeu deputada provincial, e vem desde aí a sua disputa com o agora governador Gerardo Morales. Na época ele era senador e foi acusado por Milagro de ser o mandante da tentativa de assassinato e de obstruir a investigação do atentado.

Agora como governador Morales decidiu, de maneira arbitrária, suspender a Tupac Amaru como pessoa jurídica e fechou as contas bancárias da instituição alegando que ela havia mudado seu objetivo social. Não bastasse isso, ainda mandou prender a liderança indígena por conta do protesto em frente a sede do governo. Segundo ele, Milagro fica presa até que se levante o acampamento.

Desde o dia em que foi detida, que várias autoridades nacionais e latino-americanas tem se manifestado contra a prisão arbitrária e política que, ao que parece tem muito de vingança pessoal. No dia 18, uma grande mobilização popular foi realizada na Praça de Maio, em Buenos Aires, exigindo a libertação de Milagro. "A prisão de Milagro abre um grave precedente de criminalização dos movimentos sociais e dos protestos. Permitir isso é abrir uma porta que leva ao totalitarismo". Por conta disso, os movimentos decidiram manter o acampamento em frente a sede do governo.

*Elaine Tavares é jornalista.

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