Não pára onda de crianças migrantes rumo aos EUA

Louisa Reynolds

A onda de crianças e adolescentes centro-americanos não acompanhados que estão cruzando a fronteira sul dos EUA tem provocado uma crise humanitária sem precedentes. Os centros de detenção se encontram com graves problemas de lotação e milhares de crianças chegam doentes e desidratadas.

De acordo com cifras oficiais dos EUA, nos primeiros cinco meses deste ano, 47 mil meninos, meninas e adolescentes não acompanhados foram detidos depois de cruzar ilegalmente a fronteira com o México, cifra que em um ano aumentou 92%. A maioria provém de El Salvador, Honduras e Guatemala e tem menos de 12 anos de idade, e durante sua perigosa viagem para os EUA - principalmente para reencontrarem-se com seus pais - muitos deles são vítimas da delinquência e do abuso sexual.

Em 15 de junho último, o corpo em estado de decomposição de uma criança foi encontrado a 32 km a oeste de McAllen, Texas. Cinco dias depois, foi identificado pela polícia texana como Gilberto Francisco Ramos Juárez, de 11 anos, oriundo de Huehuetenango, ao norte da Guatemala. Viajava sozinho para encontrar-se com seu irmão mais velho, que vive em Chicago. A terrível descoberta coloca em evidência os perigos que enfrentam as crianças migrantes não acompanhadas.

"Escutam-se testemunhos de meninas que levam anticonceptivos porque sabem que poderá suceder alguma violação e algumas crianças morrem no trajeto ou foram sequestrados pelos zetas [o cartel de drogas mais perigoso do México]", disse Flora Reynosa, titular da Defensoria da População Desarraigada e Migrante da Procuradoria dos Direitos Humanos da Guatemala, à Noticias Aliadas.

Numa tentativa por encontrar uma solução para a crise, o vice-presidente estadunidense Joe Biden alongou sua viagem para a América Latina, que devia concluir em 19 de junho e programou uma visita de última hora à Guatemala no dia seguinte, onde discutiu o tema com os presidentes Otto Pérez Molina, da Guatemala, Salvador Sánchez Cerén, de El Salvador, o secretário de Governo do México, Miguel Ángel Osorio Chong, e Jorge Ramón Hernández, coordenador geral de Governo de Honduras.

O fluxo de crianças migrantes constitui não só um problema político, mas humanitário para o governo do presidente estadunidense, Barack Obama. Ansiosos por ganhar pontos políticos, líderes do opositor Partido Republicano sustentam que essa crise é resultado da frouxa política migratória da administração de Obama e, particularmente, do programa Ação Diferida para Chegados na Infância (DACA), sob o qual a deportação pode ser diferida para alguns meninos, meninas e adolescentes que ingressaram ilegalmente nos EUA e que têm vivido lá por uma quantidade de anos.

Durante a conversação, os líderes centro-americanos insistiram em que o bem estar das crianças e seu direito a se reunirem com seus familiares deve prevalecer sobre qualquer outra preocupação, enquanto que Biden exigiu dissipar os mitos que têm surgido com respeito à política migratória do Governo dos EUA com relação aos menores não acompanhados.

"Não se enganem, uma vez que se tem levado a cabo a audiência sobre um caso particular, se ele ou ela não se qualificam para o asilo, ele ou ela serão deportados dos EUA e deverão voltar para seu país. Todos devem saber disso. Estamos priorizando a necessidade de resolver esses casos o mais rapidamente possível, levando em conta a crise humanitária. Consideramos que muitos dos migrantes recentes caem dentro dessa categoria. Creio que é a grande maioria e terão que voltar para suas casas", disse Biden durante uma entrevista coletiva realizada na residência da Embaixada dos EUA na Guatemala.

"Todos estamos de acordo com a necessidade de trabalhar para contrarrestar e corrigir a desinformação que os traficantes estão propagando sobre a política de imigração dos EUA, e desalentar as famílias que enviem seus filhos para essa perigosa viagem. O presidente da Guatemala anunciou que a partir de julho será lançada uma importante campanha nos meios e no espaço público da Guatemala para que fique claro quais são os fatos. O mesmo compromisso foi feito pelo presidente de El Salvador e os representantes hondurenhos. O México já está fazendo. Esperamos que façam. Vamos trabalhar para que mantenham esse compromisso", agregou.

Uma semana depois da visita de Biden, o principal conglomerado midiático da Guatemala, que inclui o jornal de circulação nacional "Prensa Libre", o canal televisivo "Guatevisión" e o jornal regional "El Quetzalteco", lançaram uma campanha advertindo a população sobre os perigos de permitir que suas crianças viajem ilegalmente para os EUA não acompanhadas, e demandando o governo guatemalteco a melhorar a segurança, educação e as oportunidades de emprego para os jovens, com a esperança de que melhores condiciones de vida em seu país os fará desistir de emigrar.

No entanto, o Conselho Nacional de Atenção ao Migrante (CONAMIGUA), escritório governamental que trabalha em favor dos direitos dos migrantes e oferece assistência tanto no exterior como aos deportados, também demandou ao Governo dos EUA que proporcione os fundos necessários para processar os casos de migrantes em situação irregular, de maneira rápida e eficiente. De acordo com o CONAMIGUA, o sistema judicial estadunidense, atualmente, tem apenas 260 juízes migratórios, distribuídos em 59 tribunais onde 300.000 casos de imigração esperam ser julgados.

Fugindo da violência das gangues?

Ansioso por desviar a atenção da controvérsia sobre uma reforma migratória nos EUA e dos direitos dos imigrantes a reunirem-se com suas famílias, Biden deu ênfase à violência das gangues na América Central como a causa principal da migração infantil e prometeu US$ 40 milhões para financiar programas sociais dirigidos a prevenir que jovens em situação de vulnerabilidade caiam presas de gangues de rua, como a Mara Salvatrucha e a Mara 18.

A Organização das Nações Unidas estima que existem ao redor de 65 mil integrantes de gangues nos três países que formam o que se conhece como o triângulo norte da América Central: El Salvador, Guatemala e Honduras. Ainda que a ação das gangues juvenis e o narcotráfico sejam com frequência citados como as principais causas de violência na região, existe um debate a respeito sobre se o problema tem piorado tão dramaticamente nos últimos cinco meses, a ponto de causar um aumento de 92% na migração infantil.

O embaixador da Guatemala em Washington, Julio Ligorría, descreve a migração infantil como "um fenômeno multicausal", que inclui pobreza, elevados níveis de desemprego juvenil, desejo natural das crianças de reunirem-se com seus pais e a estendida violência.

Por outro lado, José Guadalupe Ruelas, diretor da Casa Alianza Honduras, organização não governamental defensora do bem estar da infância, sustenta que não é exagerado dizer que a violência esteja provocando que centenas de jovens abandonem seus países. E quando fala de violência, Ruelas se refere tanto às guerras entre gangues como às chamadas operações de "limpeza social", como se chama a eliminação de grupos considerados "indesejáveis", tais como gangueiros ou simplesmente jovens que vivem nas ruas, por esquadrões paramilitares.

"Os hondurenhos não estão buscando o sonho americano, estão fugindo do pesadelo da violência em Honduras. Neste ano, foram executados 102 meninos e meninas e, nos últimos seis meses, foram registrados seis massacres. Gente organizada com muitos recursos, que tem automóveis caros, gorros pasamontañas e armas, está assassinando as crianças pobres em Honduras", disse Ruelas à Notícias Aliadas.

Fonte: www.adital.com.br

Deixe uma resposta

dezesseis − um =