Entrevista com padre José Altevir da Silva

Fúlvio Costa

Após trabalhar por quatro anos como assessor da Comissão para a Ação Missionária da CNBB e Secretário executivo do Conselho Missionário Nacional - Comina, padre José Altevir da Silva deixa Brasília para assumir a direção de sua Congregação, os missionários Espiritans no Brasil. Antes de entregar as pastas e viajar para São Paulo, o religioso avaliou os trabalhos realizados.

Padre Altevir, o senhor esteve quantos anos à frente da dimensão missionária da CNBB e do Conselho Missionário Nacional (Comina)?

Foram quatro anos de caminhada na CNBB. Esse é o quinto ano, 2012, e foi uma caminhada marcada por muitas iniciativas e grandes oportunidades de aprendizagem no campo da missão onde fizemos um trabalho em conjunto com as outras dimensões. A gente aprende realmente a conviver e trabalhar juntos em prol da missão. Dentro desse trabalho também tive que agir como secretário executivo do Conselho Missionário Nacional (Comina). Esse trabalho já estava sendo feito em conjunto quando eu cheguei. O assessor também era secretário do Comina. É um pouco difícil separar os dois. Cada um tem um trabalho específico, mas na prática é muito difícil separar, pois ambos tratam da dimensão missionária, sendo que o Comina tem um papel de Conselho Executivo. Ele está a serviço da organização, articulação e execução desse trabalho missionário da Igreja no Brasil. Já a Comissão Missionária está voltada para a CNBB. O assessor está a serviço do secretariado geral da CNBB no âmbito da missão, ao passo que o Comina está voltado para a articulação missionária da Igreja no Brasil, mas um encontra apoio no outro. É possível desenvolver os trabalhos de forma separada, mas o assessor da Comissão Missionária da CNBB deve estar em sintonia com o secretário do Comina para que não se transforme os trabalhos em entraves para a caminhada missionária da Igreja no Brasil

Como o senhor avalia os trabalhos desenvolvidos ao longo desses quatro anos no Comina e na dimensão missionária da CNBB?

Cada tempo tem suas exigências e no seio da Igreja não é diferente. O trabalho que eu desenvolvi não foi feito sozinho, contei com a ajuda das Pontifícias Obras Missionárias (POM), do Centro Cultural Missionário (CCM), e toda a ajuda missiológica dentro do próprio Comina; recebi ajuda dos colegas nas reflexões missiológicas. Tudo isso ajudou para que pudéssemos encontrar saídas para a caminhada missionária da Igreja no Brasil nos dias de hoje. Vivemos numa época de graça quando se fala em missão. Para muitos, Aparecida ainda está sendo recebida. A dimensão missionária encontrou um apoio muito grande nos documentos da 5ª Conferência, depois veio a missão continental, agora as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (DGAE). Tudo isso foram reflexões oportunas que colaboraram muito para que a dimensão missionária da Igreja no Brasil possa dar respostas aos grandes desafios do mundo de hoje.

Como o senhor percebe a abertura da CNBB para a dimensão missionária hoje?

Nunca se falou tanto em missão como hoje. E a abertura que eu percebo é que a missão continental que é um desejo e um anseio de Aparecida e da Igreja Latino-Americana e Caribenha veio realmente de encontro a isso, fazendo com que suscite no seio da Igreja esse compromisso dos assessores, da presidência da CNBB e do secretariado geral esse gosto e compromisso pela missão. Está havendo um cuidado cada vez maior de contemplar a missão dentro das comissões. Eu percebo isso como sinal da graça de Deus atuando como sinal de graça e confirmação da natureza missionária da Igreja. Essa identidade é uma preocupação da CNBB e da Igreja no Brasil.

Qual o maior desafio para desenvolver a natureza missionária da Igreja junto aos leigos, religiosos e sacerdotes?

Uma das grandes dificuldades é a consequência de todo um processo de como cada batizado assimilou o seu batismo, porque nós já ouvimos até o próprio papa quando veio ao Brasil dizer que nosso país tem muitos batizados e poucos evangelizados. Este processo de evangelização tem consequências também. De certa forma a missão está acontecendo no seio da Igreja hoje, porém, o que mais falta é a consciência missionária de cada batizado: fazer com que todos possam ter a consciência missionária. Essa é a preocupação do DAp, das DGAE, da Missão Continental, de realmente todos ter consciência do seu papel na Igreja, de que é missionário, do seu batismo. Esses são alguns dos desafios que teremos que enfrentar mesmo tendo tantas ações bonitas acontecendo missionariamente falando, mas muito ainda precisa ser feito para que essa consciência perpasse todas as instâncias, todos os momentos e caminhadas da vida da Igreja.

Como são desenvolvidos os trabalhos na CNBB e no Comina?

Além desses dois polos principais que conduzem nossa caminhada missionária na Igreja no Brasil, nós contamos também com os 17 Regionais, onde há os coordenadores dos Conselhos Missionários Regionais que assimilam o que o nacional reflete, preparamos com a ajuda deles no Comina e tudo volta para a base em forma de subsídios. A eles cabe o trabalho de subsidiar, pois eles vão aos Conselhos Missionários Diocesanos (Comidis). Isso cada vez mais se multiplica até chegar à paróquia e à comunidade. Percebemos que esse trabalho missionário da Igreja no Brasil não tem foco apenas na CNBB. Não se reduz apenas ao assessor, ao Comina, ou à Comissão Missionária, mas é um leque que se abre e é um campo muito vasto que atinge toda a Igreja. Essa é a dinâmica da Igreja e da caminhada, claro que muito ainda deve ser feito para que todas as instâncias sejam atingidas como realmente deve ser. Já o trabalho da CNBB está a serviço do secretariado da Conferência. Por isso a dimensão missionária da CNBB se manifesta a partir da dinâmica do repasse das DGAE nas dioceses, da Campanha da Fraternidade, ou seja, o assessor da dimensão missionária não fala só da missão propriamente dita, pois afinal tudo que acontece no seio da Igreja é missão. Toda Pastoral é missionária, senão ela não poderia ser chamada de pastoral, portanto, o trabalho na CNBB é em conjunto com as outras comissões a serviço do secretariado que visa atingir as dioceses, os Regionais, no âmbito mais amplo, além dos trabalhos da Comissão Missionária.

Os trabalhos não se confundem porque percebemos um ganho muito grande. Quando se trata das DGAE, o assessor fala do documento no âmbito da missão. Quando fala da Campanha da Fraternidade, além de abordar o texto-base, ele dá um enfoque missionário; se é catequese, ele aborda a linha missionária. É assim que a Igreja ganha com o trabalho conjunto das Comissões a serviço do secretariado. Eu vejo isso como uma grande riqueza. Você fala das DGAE no âmbito da bíblia, da catequese, da liturgia, e no âmbito da missão. Esse é o principal papel de cada Comissão.

O que o senhor espera do 3º Congresso Missionário Nacional em preparação ao 4º Congresso Americano Missionário (CAM4) e 9º Congresso Missionário Latino-Americano  (Comla 9) ?

Os Congressos Missionários Nacionais e Latino-Americanos são momentos fortíssimos de fortalecimento da caminhada da Igreja. São momentos que realmente esperamos que a Igreja no Brasil ou na América Latina, especialmente quando acontecem esses congressos, possam dar um salto qualitativo no âmbito da missão. As experiências que nós temos no Brasil são muito bonitas quando se fala em Congresso Missionário Nacional. Agora vamos realizar o terceiro, claro, tem outras igrejas na América Latina que começaram há muito tempo a fazer esses congressos outras fazem quase que anualmente. Nossa prática na Igreja no Brasil é fazê-lo a cada quatro anos, para acompanhar o ritmo do CAM/Comla e aqui no Brasil o CMN tem trazido contribuições valiosas para o desenvolvimento dos trabalhos missionários regionais, diocesanos. É tão importante que antes do Congresso Missionário Nacional existem os pré-congressos nas dioceses. Mais do que o acontecimento do Congresso é a preparação nas bases para a sua realização porque atinge vários níveis da caminhada da Igreja desde os regionais, dioceses, paróquias, e motiva para o evento em si. Nós trabalhamos no sentido de entender que a missão não é um evento em si, mas algo permanente que acontece no dia-a-dia, nas bases, em estruturas reais que precisam ser transformadas missionariamente. O CAM/Comla também traz uma reflexão atual como agora a questão da secularização que um grito muito alto que se escuta e que ressoa no seio da Igreja, que não precisa de uma grande resposta, mas sim de atenção para esse processo de secularização. Muitos já falam de pós-secularização e, se a Igreja não fizer isso, não há quem o faça por ela. A Igreja entra muito nos papéis do Estado, no âmbito social e vemos a fragilidade e o clamor da sociedade, mas no caminho inverso não acontece. O Estado não entra nas questões da Igreja como no caso da secularização e outros fatores. É um momento de graça, oportuno, esses congressos nacionais e latino-americanos para que a Igreja possa avançar com relação à dimensão missionária.

Sobre a dimensão missionária no Brasil, o senhor acredita que estamos no caminho certo, no sentido de atender ao pedido de Cristo de levar adiante o anúncio da Palavra?

Todo esforço que foi feito com relação ao anúncio do Reino é válido. Vivemos hoje uma situação em que a Igreja está convivendo com muitos movimentos, novas comunidades de vida, uma caminhada bem diversificada. Muitos podem achar que isso é difícil e de fato não é fácil conviver com essas grandes diferenças, porém, acompanhados esses movimentos e comunidades, todos poderão contribuir com o processo evangelizador. Nós não podemos perder de vista o foco da missão universal que Jesus nos chamou para ir e anunciar a todas as criaturas. Ir até os confins do mundo, por isso nós não podemos nos fechar. A missão não pode ser feita entre quatro paredes. A missão não deve ser feita voltada para a paróquia, comunidade ou movimento, a missão deve se voltar para o coração humano espalhado pelo mundo afora. Esse é o cuidado que nós devemos ter.

E de agora em diante que função o senhor irá assumir e a dimensão missionária que significado terá?

Em janeiro a Congregação que faço parte, dos Espiritanos, me elegeu como provincial da Província do Brasil. É uma congregação de carisma missionário que será bastante exigente porque temos poucos trabalhadores para a messe. Fazemos um trabalho missionário bastante explícito mesmo e que nós estamos presentes nos cinco continentes em lugares bem difíceis. Há lugares onde temos missionários que passaram 10 e 15 anos no anonimato e viveram como missionários, mas não poderiam falar de maneira explícita do Evangelho, por isso deixaram de anunciar e viver a missão. Nessa nova missão eu terei oportunidade de aprofundar a missão de Jesus Cristo nesse novo trabalho. Fui chamado para ser o provincial por três anos na Província do Brasil. Temos os confrades que fazem parte da Província dispostos a desenvolver os seus trabalhos em diversos campos e para mim será um momento de servir a Deus através da Congregação. E tudo isso que recebi aqui na CNBB e na dimensão missionária sem dúvida vai me ajudar muito a continuar animado e seguindo em frente nessa dimensão da missão.

Qual o processo a partir de agora?

Após a eleição de imediato é comunicado ao Conselho Geral que está em Roma que avalia se a pessoa está apta a exercer a função. Se eles entram em acordo com as constituições da Congregação a exercer a missão é confirmado imediatamente. Foi o que aconteceu. A partir de agora sou o provincial da Província do Brasil. Eu pedi ao provincial anterior para ele continuar até o mês de março. Ele ficou até o dia 19 de março. Passo a morar em São Paulo na casa provincial. No mundo nós somos 3.200 espiritanos, em 66 países dos cinco continentes, inclusive países com bastantes dificuldades de aceitação do cristianismo, países que estão em meio a conflitos com religiões. Em julho teremos um capítulo geral da congregação e uma das prioridades é o diálogo inter-religioso tendo em vista a convivência com outras religiões, além da prioridade justiça e paz e integridade da criação, educação. Nosso forte é uma educação para a vida e enfrentar a sociedade. Outro ponto importante é a juventude. Este capítulo geral é o primeiro realizado em terras africanas de nossa congregação. Nosso carisma é ir ao encontro dos mais pobres que não têm com quem contar. Cabe em cada tempo a gente perceber os lugares mais necessitados, seja no âmbito social como no religioso. Nosso carisma é dar um pouco de estrutura e formação para as lideranças e depois, quando a Igreja local consegue caminhar sozinha, nós saímos e vamos para outros lugares mais exigentes. Nunca vamos ficar num só lugar por muito tempo. Sempre criamos um ambiente onde a Igreja possa trabalhar sozinha e depois partimos para lugares mais necessitados. No Brasil somos 72 sendo 45 brasileiros e os outros são de outras nacionalidades como alemães, portugueses, irlandeses. Presentes em sete estados: Acre, Amazonas, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo, Pará e Distrito Federal.

Fonte: www.pom.org.br

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