Romaria dos Mártires da caminhada

Egon Heck

Testemunhas do Reino
Ribeirão Cascalheira, cruz do Pe. João Bosco. Ali, de cinco em cinco anos, se encontram romeiros do nosso continente . Encruzilhada profética do continente. Memória perigosa dos mártires da caminhada, das testemunhas do Reino.

Neste ano a quinta Romaria dos mártires tem um motivo há mais para celebrar. Quarenta anos de uma Igreja em conflito com o latifúndio, construindo justiça e semeando esperança, denunciando a opressão anunciando a alvorada, no caminho da libertação.

São Felix se tornou um espaço emblemático de uma igreja profética, que tem como seu irmão maior Pedro, poeta e profeta, dessa América Latina, Abya Yala, ainda na paixão.

D. Pedro Casaldáliga é presença indispensável nesse grande sonho, celebração, memória e luta. Ontem ele já deixou São Felix e veio para Ribeirão Cascalheira. Milhares de romeiros já chegaram para a celebração de abertura seguida da caminhada martirial.

Apesar do calor causticante, da secura e da poeira, nada tira o animo dos romeiros. É momento de rever muitos companheiros e companheiras de caminhada, unidos na memória dos 40 anos de luta da Prelazia de São Felix, "uma igreja em conflito com o latifúndio e a opressão".

Rumo à romaria dos mártires
Saímos do coração do agronegócio, de Dourados, no Mato Grosso do sul, para as beiras do Araguaia. Passamos pelas monótonas paisagens da monocultura, do milho, da soja, da cana, do eucalipto, do capim, do algodão, do sorgo, principalmente, para os confins do latifúndio e as belas praias do Araguaia.
Saímos da posse do, ex-secretário Geral da CNBB,D. Dimas, como arcebispo em Campo Grande, para a prelazia do novo Secretário Geral, D. Leonardo, em São Felix do Araguaia.
Viemos partilhar nossas experiências e lutas com os companheiros(as) do Cimi Mato Grosso. Nesta região em que estão as raízes das transformações dos quais nasceu o Cimi, encontramos com figuras históricas e testemunhos por mais de meio século junto aos povos indígenas, como a irmãzinha Genoveva, com mais de 60 anos vivendo solidariamente com os Tapirapé. Ali encontramos pessoas profundamente sábios e solidários com a caminhada dos povos indígenas nas últimas décadas.

Olhar para os cabelos, os olhares profundos, o corpo cansado, de dezenas dos missionários e missionárias, a gente sente orgulho dessa bonita história escrita com decisão, audácia, sangue e alegria. Foi aqui que também se iniciou essa bonita página da luta indígena e indigenista do Brasil. O sangue do Pe. Rodolfo e Simão Bororo (1976) Pe. João Bosco Burnier (1976), Vicente Canhas (1986), cujo corpo foi encontrado depois de 40 dias de seu assassinato. Eu estava indo visitá-lo, juntamente com Tomás e Tião, e nos deparamos com esse quadro tétrico. Sentimos de perto a revolta dos Enawene Nawe , ao receberem a notícia do assassinato de seu grande amigo Kiwi.

Apesar de mais da metade dos missionários já estarem com mais de sessenta anos e sentirem o peso dos longos e não fáceis tempos de vivencia e testemunho solidário com os povos indígenas, o que se percebe é uma grande esperança de continuar a presença respeitosa e profética junto aos povos do regional.

O espaço profético de Pedro
Para nossa alegria, quem estava sentado entre o grupo de uns 50 missionários lutadores, estava o bravo e profético de D. Pedro Casladáliga. Apesar de fisicamente debilitado pela doença e por seus mais de 80 anos de vida, ali estava lúcido e incansável pela causa que há décadas está levando avante com os lutadores da Prelazia de São Felix. O tema de aprofundamento, seguiu o lema da Romaria dos Mártires. Ele inseriu suas valiosas contribuições do tema que tratou e viveu com muita paixão, doação e amor.

Testemunhas do Reino
Esse será o lema da romaria dos mártires que se realizará em Ribeirão Cascalheira nos próximos dias. É para esse momento especial em termos de celebração dos mártires da América latina, que viemos. Beber do testemunho desses milhares de mártires anônimos ou mais presentes na memória do povo lutador.

"Só temos o direito de celebrar a memória dos mártires se de fato assumirmos as suas causas", foi uma frase centrais da reflexão animada pelo Pe. Francisco Junior, e que repercutiu nas celebrações.

A profecia do Bem viver frente ao modelo capitalista
Esse será o lema que orientará a reflexão dos missionários e missionárias do regional MT, na preparação da celebração dos 40 anos do Cimi, que acontecerá em outubro do próximo ano.

Depois de uma bela reflexão sobre "testemunhos do Reino" com a rica contribuição do Pe Francisco Junior e D, Pedro Casaldáliga, divulgaram um documento de denúncia e anuncio, testemunho e profetismo. "Como CIMI assumimos o testemunho dos Mártires que continuam tombando no anúncio e na defesa desta proposta do Bem Viver para todos os seres do Planeta e nos comprometemos em denunciar profética e esperançosamente todas as agressões à Mãe Terra que colocam em risco a vida plena de seus filhos e de suas filhas!

São Félix do Araguaia, 15 de julho de 2011,
35 anos do martírio de Simão Bororo e Pe. Rodolfo Lunkenbein

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Segue em anexo documento na integra
DOCUMENTO FINAL DA XXXVII ASSEMBLEIA DO CIMI REGIONAL MATO GROSSO

Reunidos em sua Assembleia anual entre os dias 10 a 15 de julho em São Félix do Araguaia, MT, os missionários e as missionárias do Cimi Regional Mato Grosso refletiram sobre o tema "Testemunhas do Reino" em preparação à Romaria dos Mártires, assessorados pelo Pe. Francisco de Aquino Júnior.

Inspirados nos mártires que tombaram por causa da justiça e em defesa dos marginalizados, lançamos nossos olhares sobre os principais conflitos que atingem os povos indígenas em nosso Estado. Dentro deste contexto, destacamos situações que continuam martirizando os povos originários:
- a problemática dos territórios indígenas invadidos ou ainda por demarcar, dentre os quais a situação da terra dos Xavante de Marãiwatsédé é emblemática. Embora tenham retornado ao seu território tradicional em 2004, após 9 meses acampados na beira da BR 158, ainda estão impedidos de tomar posse efetiva de sua terra, uma vez que ela continua invadida por grandes fazendeiros e uns poucos pequenos produtores rurais, o que demonstra um flagrante desrespeito aos direitos assegurados na Constituição Federal, que lhes garantem o usufruto exclusivo de seu território. Desde então, os Xavante de Marãiwatsédé vem sofrendo constantes agressões e, inclusive, atentados físicos. No último mês a ameaça aos Xavante se agravou devido a uma lei aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso e sancionada pelo governador. A lei propõe a permuta do território tradicional indígena pelo Parque Estadual do Araguaia, para onde os Xavante deveriam ser transferidos, caso aceitassem a proposta. Essa tentativa do governo de Mato Grosso visa claramente favorecer o agronegócio, principal beneficiário da invasão dessas terras. Apoiamos o povo Xavante que recusou terminantemente esta proposta, e a repudiamos, por ser inconstitucional e imoral;

- constatamos que Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e Usinas Hidrelétricas (UEH) estão sendo implantadas em vários rios, como está ocorrendo na bacia do Juruena, onde estão sendo instaladas diversas PCHs, dentre as mais de cinquenta projetadas. O efeito cumulativo dessas usinas provocará grandes transformações ambientais interferindo drasticamente na vida dos povos que dependem destes rios. Serão atingidos, sobretudo, os Rikbaktsa, Enawenê-nawê, Nambikwara e Mỹky. A implantação desses projetos, mais uma vez, fere a Constituição, pois não houve nem as oitivas indicadas no Artigo 231, § 3º, nem a consulta livre e informada de acordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Por isso, nos indignamos e denunciamos mais esta violação dos direitos indígenas, que são efetivadas a favor de interesses políticos e econômicos, apesar de todos os protestos e manifestações contrárias dos diferentes povos da região noroeste do Estado.

Por outro lado, temos consciência de que os povos indígenas vivenciam uma relação amorosa com a Mãe Terra que se contrapõe à exploração mercantilista dos recursos naturais. Cada povo experiencia essa relação em projetos de vida em que os valores da convivência e da partilha concretizam a proposta do Bem Viver. A vida se faz em dimensões não cumulativas, onde a gratuidade é celebrada nos ritos, nas festas, no trabalho, no viver em mutirão. Este modo de vida não agride a natureza, mas, ao contrário, considera o ser humano como parte dela. Esse é um caminho viável não só para os povos indígenas, mas também para nossa sociedade. Precisamos conhecê-lo e assumí-lo como maneira de superarmos os grandes impasses a que chegamos devido à forma devastadora com que estamos destruindo a nossa própria casa.

Como CIMI assumimos o testemunho dos Mártires que continuam tombando no anúncio e na defesa desta proposta do Bem Viver para todos os seres do Planeta e nos comprometemos em denunciar profética e esperançosamente todas as agressões à Mãe Terra que colocam em risco a vida plena de seus filhos e de suas filhas!

São Félix do Araguaia, 15 de julho de 2011,
35 anos do martírio de Simão Bororo e Pe. Rodolfo Lunkenbei

Fonte: Cimi MS

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