Frio de cortar a alma

Egon Heck *

Quando as teclas começam a negar o comando dos dedos ou estes se encontram um tanto desgovernados, é por que o frio está batendo com força nos viventes. Quando ligo a TV vejo quase uma centena de gado que deixou de viver por hipotermia, ou seja morreu de frio. No mesmo instante uma série de imagens começam me esquentar a mente. Como estarão os milhares de acampados embaixo da lona preta, índios e sem terra, por essas bandas de fronteira? Seu Farid, de Laranjeira Nhanderu, foi procurar uns pedaços de lenha molhada, difícil, pois jogados à beira da estrada estão proibidos de buscar lenha nas "propriedades", fazendas da região. Talvez mal consigam aquecer o corpo, no meio do frio e da lama. Além do mais estão revoltados pela recente decisão do Tribunal Regional Federal, que negou o pedido de retornarem ao local donde foram expulsos. Lá ao menos estariam protegidos por árvores e teriam lenha para aquecer seus corpos.

Uma outra pergunta me perturba. Se nessa região, conforme afirmação do Kaiowá Anastácio,"um boi vale mais que uma criança e um pé de soja vale mais que um pé de cedro, e assim por diante", certamente se bois morrem de frio, viram notícia, mas se algum índio, um indigente nas beiras de estrada ou calçadas da região, morrer de frio, será simplesmente uma morte, mas não uma notícia.

Mais uma paulada
É difícil entender e acompanhar a dinâmica anti-indigena em curso no Mato Grosso do Sul. As últimas investidas vem da parte dos municípios e do governo do estado. Cinco municípios pediram a suspensão das atividades de identificação das terras Kaiowá Guarani. Felizmente, o Tribunal Regional Federal, entendeu que é improcedente e negou esse pedido. Portanto a FUNAI poderia continuar os trabalhos de identificação. Na prática continuam parados.

Já o Supremo Tribunal Federal concedeu ganho de causa ao governo estadual que entrou com medida cautelar para suspender os efeitos da portaria declaratória nº 954 de 4 de junho, que declarou de posse permanente dos Kaiowá a Terra Indígena de Taquara. Ontem mesmo o Ministro da Justiça publicou portaria revogando a portaria declaratória. Ou seja, a FUNAI teve um pouco mais de um mês para avançar no processo de demarcação e nada aconteceu. A comunidade Kaiowá do Taquara, que já teve recentemente a ação de julgamento dos assassinos de Marcos Verón adiada para fevereiro do próximo ano, terá que amargar as duras conseqüências de não ter sua terra legalizada, quem sabe por quantos anos.

Enquanto isso a sensação térmica abaixo de zero, continua castigando os viventes, não acostumados ou despreparados para enfrentar os rigores do inverno, cada vem mais rigorosos, quiçá em conseqüência das mudanças climáticas decorrentes da irresponsável, quando não criminosa, ação predatória e destrutiva do "Homo Sapiens"!

* Egon Heck, Campanha Povo Guarani Grande Povo. Dourados, inverno de 2010.

Fonte: Cimi MS

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