População de Cabo Delgado é expulsa pela guerra

Na Província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, nove distritos estão enfrentando uma guerra absurda, desde 5 de outubro de 2017. Missionário brasileiro traz novos relatos da violência que já fez mais de 2 mil mortos e 400 mil deslocados internos

Por Edegard Silva Júnior *

Moçambique é um país da África Austral banhado pelo oceano Índico com mais de 3 mil km de costa. Com 29 milhões de habitantes, o país é formado por 11 Províncias, entre elas Cabo Delgado que tem uma população de 2, 3 milhões de habitantes.

As localidades mais atacadas pelos terroristas são: Mueda, Palma, Mocimbua da Praia, Nangade, Muidumbe, Macomia, Meluco, Quissanga e Ibo. Toda a população de aproximadamente 600 mil habitantes está sofrendo muita violência e abandonado a região.

Por que esses ataques e quem seriam os responsáveis?

Muitas casas são incendiadas e destruídas.

Existem diversos fatores envolvidos como por exemplo, a questão econômica com os megaprojetos de exploração de gás natural; o descontentamento na condução da política do país; como também, o avanço do fundamentalismo religioso que encontrou espaço para reforçar seus “ideais”. Vale dizer que, com o passar do tempo fomos presenciando o fortalecimento bélico e militar deste movimento e muitos jovens desencantados e sem trabalho foram atraídos pelas propostas dos insurgentes.

O que se observa é a retirada da população da região onde há três anos está sendo feito o maior investimento para a construção da chamada “cidade do gás” e que também, é rica em minérios. De um lado estão os megaprojetos, do outro, uma crise humanitária com mais de 2 mil mortos e 400 mil deslocados internos. Muitas pessoas raptadas, homens, jovens, mulheres e crianças com aldeias inteiras destruídas e abandonadas. Os pobres moradores têm que fugir deixando para trás sua plantação e o pouco que possuem. Muitos veem suas casas incendiadas. Os prédios públicos são queimados, os hospitais destruídos e o pequeno comércio saqueado.

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Acampamento de deslocados pela guerra em Cabo Delgado. Fotos: Edegard Silva Júnior

A situação nos acampamentos é desoladora. Nas últimas semanas centenas de pequenas embarcações tem transportado milhares de pessoas que moram perto do litoral para a cidade de Pemba, a capital de Cabo Delgado.

Relatos da violência

Várias aldeias do território da nossa Missão de Muidumbe, há seis dias, continuam cercadas e atacadas pelos terroristas. Quem consegue enviar alguma notícia relata o sofrimento enfrentado no mato sem água e alimentação.

Reportamos alguns relatos dos horrores vividos pela população:

“Bom dia reverendo (padre). As nossas casas na Aldeia 24 de Março foram queimadas. Estão a matar. Muito mal essa vez. Padre, se tiver um valor peço para remover alguns familiares até aqui onde estou em Montepuez”.

“Nós ainda estamos no mato. A situação é muitíssima complicada”.

“Estamos a morrer de sede e fome, três dias sem comer nada eu com os meus sobrinhos. Assim estamos a pedir socorro”.

“Padre aqui a situação continua mal. Estou há cinco dias no mato com a minha família, estamos mal”.

“Meu pai foi decapitado…”

“Eu já cheguei aqui em Pemba hoje às 12h00. Não foi fácil, mas Deus me ajudou bastante na minha caminhada. Ontem entrei pelas matas da nossa Missão a pé até sobressair em Macomia. Pelo o que vivi esses quatro dias dos ataques dos terroristas tudo indica que desta vez vai ser complicado a gente retornar a viver lá. Os disparos não param e estão a incendiaram as casas”.

Dom Luiz Fernando Lisboa, bispo de Pemba e equipe da Caritas visitam Acampamento de deslocados pela guerra em Cabo Delgado.

Também nós tivemos que abandonar a nossa casa e os animais na Missão de Muidumbe e nos refugiar em Pemba. Diante da difícil situação, nos resta rezar e realizar pequenas ações como colocar crédito para o celular de algumas lideranças e providenciar recursos para quem consegue transporte para fugir até outras cidades.

O que estamos pedindo?

1º Intensificar nossas orações pela paz em Cabo Delgado.

2º Repassar para o maior número de contatos possíveis informações sobre esta realidade de sofrimento que já dura três anos.

3º Na medida do possível, participar de alguma campanha em prol do trabalho humanitário que é desenvolvido por diversas organizações, entre elas a Caritas da Diocese de Pemba.

Cabo Delgado quer Paz!

* Pe. Edegard Silva Júnior é Missionário Saletino brasileiro e trabalha na Missão de Muidumbe na Diocese de Pemba.

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