Elas estavam de pé junto à cruz

Por Alfredo J. Gonçalves*

Pequeno grupo de mulheres estava de pé junto à cruz. De acordo com os relatos evangélicos, além de Maria, a mãe do Crucificado, outras Marias a acompanhavam nesse momento de dor e morte, solidão e abandono. No atual contexto sombrio e letal da pandemia do Covid-19, uma imensa multidão de médicos, enfermeiros/as, técnicos e agentes da área da saúde encontram-se de pé junto à cruz dolorosa de tantas pessoas e de tantas famílias. Com o risco constante de contágio, e apesar do receio pela própria vida e pela dos seus, atuam da linha de frente do combate. Tratam de otimizar o diagnóstico e a medicina adequada, cuidar dos enfermos, acolher o último suspiro dos moribundos e consolar seus familiares, parentes e amigos. Junto aos leitos, nos corredores e nas salas de terapia intensiva dos hospitais, travam essa guerra sem tréguas contra o inimigo invisível e, por isso mesmo, tanto mais forte, contagioso e ameaçador.

Nos bastidores, em sofisticados laboratórios, com tecnologia de ponta e estudos avançados, equipes de cientistas abraçam a mesma causa, correndo contra o coronavírus e o tempo, na desesperada busca de um remédio ou vacina. Numeroso é também o número de voluntários que, através das mais distintas iniciativas, tentam suprir as lacunas das famílias mais necessitados, ou as carências dos sistemas de saúde em perigo de colapso. Tanto nas trincheiras de vanguarda, quanto nas pesquisas de retaguarda, ou ainda correndo por mares bravios e “nunca dantes navegados” (Camões), um exército de soldados anônimos se mantém de pé, junto à cruz, em luta com as únicas armas que possuem: a medicina, a dedicação e a solidariedade.

Voltando às mulheres que, fiéis até o fim, permaneceram de pé junto à cruz do Crucificado, e ainda conforme os relatos evangélicos, serão elas as mesmas que, três dias depois, haverão de espalhar a espantosa notícia sobre o túmulo vazio e a presença do Ressuscitado. Aquelas que mais de perto e com maior coragem assistiram à paixão, ao sofrimento e à morte do Mestre, serão posteriormente as primeiras a espalhar a mensagem da Ressurreição. Quem tocou com os dedos e com as mãos o corpo de Jesus, preparando-o e perfumando-o para a sepultura, verá depois, em primeira mão, a luminosidade resplandecente do Cristo vivo. Quanto mais próximas à terra e ao chão ensanguentado da cruz, mais prontamente deparar-se-ão com o grande mistério d’Aquele que venceu as trevas e a morte, trazendo a Boa Nova da luz e da vida.  Na fidelidade da cruz já se vislumbram os sinais da Páscoa.

O mesmo haverá de ocorrer com esta tragédia do Covid-19. Aqueles que mais de perto estão acompanhando os doentes, os mortos e seus respectivos familiares, serão os mesmos que, cedo ou tarde – e tomara que seja o quanto antes – haverão de anunciar a Boa Nova da vitória sobre a pandemia. Não será em vão o esforço conjunto e combinado dos agentes sanitários, no sentido de reunir tantas energias para evitar um mal maior. Tampouco será em vão o empenho comum dos cientistas e autoridades na descoberta de novas armas contra esse inimigo, simultaneamente tão minúsculo e tão poderoso. E não será em vão, da mesma forma, as centenas e milhares de gestos solidários que se propagam pelo mundo afora.

Experimentos se repetem, lições se multiplicam, enriquecendo-se reciprocamente. Com elas, instala-se um processo unificado para combater a morte e salvar a vida. Descobre-se que, direta ou indiretamente, a pandemia tem a ver com a forma de relação entre ser humano e natureza. Resulta evidente que a retomada da produção a ritmos hiperacelerados e o consumo frenético devem ser revistos. Os recursos do planeta Terra não são inesgotáveis. Qual o desafio para a humanidade? Aprender a cuidar da “nossa casa comum”, através de um desenvolvimento social e ecologicamente sustentável. Além disso, redimensionar a economia globalizada que, ao concentrar simultaneamente riqueza e exclusão social, torna injusta e desigual a distribuição da renda. Somente assim, os que hoje estão em contato direto com a doença e a morte poderão amanhã anunciar a Boa Nova de que a vida haverá de ser recriada!

* Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do SPM – Rio de janeiro, 15 de março de 2020

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