A fuga para Emaús e o retorno à comunidade

Pe Joaquim Gonçalves

A Páscoa de Jesus foi uma surpresa para todos; com decepções, muitas dúvidas, incertezas e dispersão. Foi do sepulcro vazio que vieram as respostas. Abriu-se outro capítulo na vida da comunidade. Perante essa verificação veio a pergunta: e agora? Uns sim outros não. Afinal ninguém é mais credível do que Cristo, se soubermos unir todo o percurso da vida dele, desde a surpresa da anunciação, até ao lugar onde nasceu; do silêncio longo onde viveu, do tipo de família onde cresceu. É fácil entender como ele soube fazer-se pequeno para que seu discurso não se tornasse uma montanha de palavras. Ele abraçou a exclusão, viveu pobre, enfrentou a realidade de exclusão e do tratamento dado aos pobres do seu tempo, da religiosidade esvaziada de sentido e se tornou instrumento de exploração e expressão de vida dupla, dos preconceitos para com os possessos, os doentes. Teve compaixão, compartilhou, tocou nas feridas doenças infecciosas, se refugiou em oração, recusou propostas aliciantes de sucesso social.

              E porque seu modo de falar e de agir incomodava, propunha mudanças pessoais e sociais, uma virada efetiva-conversão de rota, ele valorizou a Páscoa daquele ano para dar-lhe novo sentido: celebrada fora do templo, fazendo de uma casa neutra um novo templo, uma nova família, um novo povo, uma nova história. Partiu daí para dizer que a memória da "Páscoa da Libertação" tinha que assumir novos paradigmas, tinha que ser completada, dizer a que veio, marcar a história da humanidade para sempre, com a imolação de um "único cordeiro".

Para nos dizer que ainda somos muito ingênuos e duros de coração, que pretendemos ser grandes que nem deuses, com a exclusão dos mais pequenos, aceitou a morte pela condenação e cruz. Deixou-se pendurar...
Para os carrascos, tudo parecia estar resolvido, porque ele teria criado ilusões e enganado muita gente arrastando-a em busca de milagres, dizendo que era "Filho de Deus" e que todos teriam que viver como filhos de Deus, uma sociedade sem dominados nem dominadores. Mas eis que, de repente o túmulo apareceu vazio. Ninguém viu nada durante a noite, nem os guardas. E quem desejava ardorosamente guardá-lo embalsamado sentiu-se deprimido ("onde o puseste"?) mais uma vez. Mas ele estava vivo.

Quem percebeu essa síntese iluminada, quem se deixou iluminar pelo significado dos fatos, saiu logo para passar a novidade para os desanimados, o ANÚNCIO. Jesus nem na ressurreição buscou exibição, não convocou ninguém para ser testemunha visual. Assim como nasceu às escondidas, ressuscitou às escondidas. Só a cruz ficou como sinal do amor total. Uma frase dele explica tudo: "Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida". A ressurreição limpou as travas dos olhos. Começou o caminho da fé e do testemunho dos seguidores/as. Uns de forma mais rápida e outros mais devagar, como o Filipe, ("só se eu o tocar...)

Os que se retiram para Emaús se surpreendem. Conhecem a palavra, mas a fé está longe. Mas foi a palavra que despertou a memória deles, mexeu com o coração, mas ainda sem fazer brotar a fé. Acharam melhor fazer amigos, até com alguém desconhecido que encontraram no caminho , mas que parecia ser inteligente.

De repente, tudo o que ele falou ao longo do caminho veio ao de cima. O que estava silenciado por outros interesses passou por uma explosão. Só o E. Santo pode lançar o fogo no coração endurecido. Os sinais, o modo de abençoar o pão, de rezar, e de o repartir com eles foi provocante. Abriram-se os olhos e perceberam que era ele. Partiu o pão, deu-lhes o pedaço maior e por primeiro. Quando viu que eles tinham entendido, se mandou porque sabia que ia continuar com eles. Comunhão é assim ainda hoje. Quando ele percebe que o acolheste, ele quer que saias e o leves, não o guardes para ti.

De repente saíram, não aguentaram mais ficar em casa, foram contar essa experiência de Páscoa. Essa é a Páscoa que cada cristão deve experimentar e multiplicar.
Jesus envia as pessoas que o acolheram, que nele acreditaram. Nunca vão desistir. Quem desiste não o acolheu ainda. Ele chega com a palavra e pela palavra tornando-se vida. Quer ser anunciado a partir da vida e não do papel. Voltam para o lugar do risco onde havia perseguição, o lugar da decepção, a Jerusalém de onde tinham fugido. "Agora vocês vão, vão correr os mesmos riscos que eu passei e compreendam isso a partir dos profetas e das promessas feitas por Javé. Vão, anunciem, perdoem, aceitem quem muda de vida, quem se converter, quem aderir ao meu caminho. Batizem, apresentem o mesmo sinal que eu assumi no dia em que deixei o silêncio de 30 anos e comecei a pregar o Reino. Vão, não tenham medo, eu estou sempre onde isso acontecer".

Da nossa caminhada fazem parte três coisas: a escuta da palavra, aprender a relacioná-la com o ontem o hoje e o amanhã; a partilha do pão como expressão de comunhão fraterna, de família pascal, de união profunda com a Trindade; saída para envolver outros, para passar essa riqueza para outros.

Este processo nunca está terminado. A humanidade se renova e as novas criaturas necessitam de uma boa herança de experiência de vida. A salvação não é uma imposição ou um prato pronto para convidados especiais, privilegiados, mas para todos. Quem foi convidado tem que convidar outros e trazê-los para a festa, para que Páscoa seja globalizada com o ontem, o hoje e o amanhã.
Padre Joaquim

 

Fonte: Revista Missões

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