Macarteneísmo

Cajuaz Filho *

Certamente causará estranheza este neologismo, por mim criado, para demonstrar o alheamento de nossa sociedade para os grandes problemas que afligem a humanidade.

Não sou contra a arte, a cultura, a diversão e o lazer e outras coisas mais nem sou xenófobo. Mas... A Sagrada Escritura, o best seller da humanidade, no livro do Eclesiastes, capítulo 3º. diz: "Há um momento para tudo e um tempo para todo propósito debaixo do céu.Tempo de nascer e tempo de morrer...Tempo de chorar e tempo de rir; tempo de gemer e tempo de bailar..." Por isso deve haver , como diziam os latinos, "modus in rebus" - modo nas coisas.

Parece que não somos terráqueos, mas nefelibatas. Fortaleza, e por que não dizer o Brasil todo, vive a febre desse macarteneísmo: o megaevento Paul McCarten. Não sou contra, repito. É dever de justiça reconhecer o valor de quem o tem.

Será que os ingleses dariam o mesmo valor a qualquer expoente da música brasileira, com todo este estardalhaço como acontece em Fortaleza, quando de um show em seu país?

O Brasil vive momentos dramáticos na política, na esfera dos três poderes, na educação, na segurança e na saúde. É desemprego. É inflação maquiada. É violência. É corrupção. É injustiça. É assassinato e muitos outros és.
O Brasil e, especificamente o Nordeste, está vivendo um tempo crítico. É o tempo de chorar. É a seca que acaba com tudo. Quem não vive no Nordeste não pode avaliar o sofrimento por que passa o nordestino. Não há plantação: consequência, não há colheita; resultado: não há alimentação (nem a agricultura de subsistência) e o custo de vida vai lá para estratosfera. O povo do sertão chora e os animais estão a morrer de sede por falta d'água e de alimentação. É um quadro triste e desolador. É o tempo de chorar.

Paralelo a isso um megashow, vindo das "Oropa" contratado a peso de euros para nós cearenses pagarmos, e os promotores encherem suas burras.

O problema da seca no Nordeste brasileiro não é de hoje. Onde a vontade política para encontrar solução?
Ao tempo do Império, século XVII, houve estiagens (eufemismo) violentas. Dessa época ficou célebre a afirmação de D. Pedro II: "Venderei até o último brilhante de minha coroa, mas nenhum nordestino morrerá de sede". Ao que parece, perdoe-me, Imperador, sua coroa está no Museu de Petrópolis intata com todos os brilhantes e, sem dúvida, valendo uma grana e um sem-número de nordestinos foi para o lado de lá.
Hoje, tempo da República, o governo federal está em palpos de aranha com a transposição do Velho Chico cujas obras estão paradas, há muito tempo. É tempo de chorar.

Parece que, mesmo com todo o desenvolvimento tecnológico, a sociedade e os governantes estão copiando o modelo da política do "panem et circenses"( pão e diversão) do velho Império Romano, vantajosa para eles. Ela previa o provimento de comida e diversão ao povo ,quando dos jogos por eles patrocinados,com o objetivo de diminuir a insatisfação popular contra os governantes.

Assim por ocasião dos combates dos gladiadores o pão era distribuído gratuitamente. (no Brasil é bolsa escola, bolsa desemprego, bolsa cegonha, bolsa disso e bolsa daquilo). Assim ludibriavam o povo sofredor como fazem hoje nossos políticos. Uma agravante: a sociedade moderna foi mais além no seu grau de maldade: tirou o "panem" (o pão) e deixou simplesmente os "circenses" (a diversão).

Ao que parece, não há mobilização alguma do governo nem da sociedade para diminuir o sofrimento do povo nordestino, mas para um evento internacional um evento de lazer a coisa é diferente.Todos se mobilizam, prestigiam e financiam com ingressos bastante caros.

O sertanejo, já dizia Euclides da Cunha, é, antes de tudo um forte e, acrescento, capaz de resistir com bravura a toda espécie de obstáculo natural ou humano desde que conte com ajuda dos poderes competentes e da sociedade.

Se se vive o tempo de chorar, que se mude de tática e espere-se que chegue o tempo de sorrir para esses grandes eventos.

* Cajuaz Filho é professor da Universidade Estadual do Ceará e do Instituto Federal de Educação Tecnológica, nas áresa de Língua Portuguesa, Latina, Grega e Cultura Grego-Romana.

Fonte: Cajuaz Filho / Revista Missões

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