Tecno-otimismo e tecno-pessimismo

Alfredo J. Gonçalves *

A tecnologia constitui, sem dúvida, uma das maiores conquistas do mundo contemporãneo. Todo ser humano hoje, em menor ou maior grau, direta ou indiretamente, gira em sua órbita. Em praticamente todos os ambientes onde vivemos, trabalhamos ou nos divertimos somos como que teleguiados pelos mais variados equipamentos tecnológicos. Na raiz deste novo modo de vida encontra-se muitos fatores ligados a uma série de revoluções dos tempos modenos ou pós-modernos: revolução industrial; dos transportes e das comunicações; da informática, com destaque para o amplo uso da Internet. Acompanhada da tecnologia, como sua irmã gêmea, segue pari passo o fenômeno da globalização. O planeta converte-se em uma gigantesca "aldeia global" interconectada por mil fios invisíveis.

A órbita da tecnologia, entretanto, tem dupla face. De um lado, representa um conforto individual e familiar sem precedentes; um prolongamento da expectativa de vida, devido aos não poucos avanços da medicina nas últimas décadas; uma imensa facilidade de encontrar-se e de comunicar-se, estabelecendo laços e relações novas em todas as direções possíveis e imaginárias. Prova disso vem sendo a proliferação rápida e geométrica das chamadas "redes sociais". Amlplia-se enormemente o campo de conhecimento, de ação e de interveção de cada ser humano e das instituições e entidades em geral. As restrições ao "outro, estranho, diferente", em geral discriminatórias e preconceituosas, tendem a se tornar coisa de museu, resíduos de um passado medievan e obscurantista. O mundo torna-se um vasto horizonte, onde, em linha de princípio, não há bareiras para o ar e o oxigênio que respiramos, a luz e o céu azul que a todos cobre e ilumina, os ventos que não conhecem qualquer fronteira.

De outro lado, porém, o excesso de formas de encontro e de comunicação, em muitos casos, vem gerando desencontro e incomunicação. As redes de intercâmbio a longo alcance parecem criar, implícita ou explicitamente, sérios obstáculos para os contatos de prmeiro grau. Os laços cara-a-cara, olho-no-olho, e os relacionamentos interpessoais ou familiares são frequentemente deixados em segundo plano. A ideia chave é a de uma progressiva busca de novidades relacionais, em detrimento da convivência debaixo do mesmo teto. Com facilidade a pessoa se conecta aos quatro cantos do planeta - via Internet, telefone celular, etc. - negligenciando um sorriso, um olhar, um toque, uma palavra, um "bom dia ou boa tarde" a quem está do seu lado. A "sede de inovações" ou a "agitação febril" - expressões extraídas da carta encícica Rerum Novarum, do papa Leão XIII, em maio de 1891, publicada justamente no ápice da Revolução Industrial - chama a atenção para essa embriaguez fugaz e supérflua daquilo que o mercado produz com a velocidade ímpar das máquinas.

Além disso, não podemos esquecer que as Leis Migratórias limitam o direito de ir e vir e numerosas pessoas, grupos e famílias. Se, de um parte, as mercadorias, o capital, a tecnologia, a matéria-prima e os serviços em geral têm trânsito livre praticamente em todos os países, por outra parte, o mesmo não se pode dizer dos migrantes ou imigrantes. De fato, à medida que o mercado globalizado torna mais elásticas as relações comerciais em nível internacional, os governos parecem restringir a circulação das pessoas, especialmente dos trabalhadores braçais. Às autoridades interesam técnicos capacitados, os quais entram e saem dos países com todas as facilidades. Quanto à mão-de-obra fácil e barato, destinada aos serviços mais sujos e pesados, perigosos e mal remunerados, as mesmas autoridades querem trabalhadores, mas recusam-lhes o status de cidadãos. Por vezes, clandestinamente, facilitam-lhes a porta dos fundos, mas simultaneamente dificultam a entrata pela porta da frente.

Retornando ao tema da tecnologia contemporânea e à busca insaciável de produtos sempre novos, dois riscos estão em jogo. O primeiro refere-se ao que se poderia chamar de tecno-pessimismo. Neste caso, difunde-se uma desconfiança generalizada e contagiante por tudo aquilo que nos chega através dos meios mais sofisticados das inovações tecnológicas. O computador, a Internet, o telefone celular, o tablet, etc. tornam-se como que uma espécie de fantasmas desconhecidos e assustadores, especialmente para as pessoas mais adultas ou idosas. Desenvolve-se, com certa facilidade, uma tecno-fobia diante de tudo que é aparelho eletrônico. Logo de início, tais aparelhos aparecem como inimigos perigosos dos quais é preciso manter distância. Ao lado disso, nutre-se um saudosismo doentio por tudo aquilo que, em tempos passados, se podia manejar manualmente ou, quando muito, mecanicamente. É assim que boa parte se sente incapaz, impotente e até envergonhada diante da presteza e rapidez com que as crianças mexem com os botões da televisão, do notbook, e assim por diante.
O segundo risco é exatamente o oposto, podendo ser batizado de tecno-otimismo. Aqui estamos diante da chamada geração dos botões ou, para outros, da geração.com. O risco neste caso remete-nos à superficialidade e volatilidade das relações. Parte-se do princípio de que bom é o que é novo, o que está na moda, o que acabou de ser lançado no mercado. Cultiva-se uma euforia exagerada pela novidae em si mesma, não importando seu uso ou valor. Diante dos problemas cotidianos, tende-se a acreditar na varinha mágica que tudo resolve como que automaticamente, ou então no toque digital que tudo descobre, consulta ou... deleta!

Os valores da tradição - familiar, institucional, nacional ou internacional - sofrem um processo veloz de derretimento, ou, para usar a expressão de Baumann, tudo parece liquidificar-se ou detetar-se. Endim, tudo pode ser descartado! Da mesma forma que se joga no lixo uma roupa ou sapato usado, um rádio que não funciona, um aparelho de TV em preto e branco, um computador ultrapasado, um celular que foi superado por um mais novo, e tantas outras coisas, se faz o mesmo com os laços interpessoais, os relacionamentos mais diversos, e até os vínculos familiares, as conveções sociais, culturais e políticas... "Tudo o que é sólido desmancha no ar", diziam já em 1948 Marx e Engels, no Manifesto Comunista. Inclusive, como hoje se sabe, os estados de ideologia socialista, particularmente a ex-URSS!

Evidente que não é tão fácil enconrar um meio termo. Na grande maioria dos casos tendemos a nos deslocarmos de um extremo a outro, num movimento de pêndulo. O desafio é o de incorporar as inovaçoes tecnológicas, sem perder os valores que nos legou a tradição da trajetória humana. Dito de oura forma, não desperdiçar uma sabedoria longa e laboriosamente acumulada e, inclusive, utilizar a tecnologia para guardar a memória dese tesouro. Numa palavra, em termos civilizacionais, qual o verdadeiro equlíbrio entre continuidade e ruptura? Se esta última prima pela revolução, a primeira em em vista a reforma. Dependendo do contexto histórico, uma delas pode sobrepor-se à outra, mas sem eliminá-la Aí está o segredo: conciliar memória e profecia com tudo aquilo que a tecnologia põe à disposição do ser humano, mas sem deixar-se dominar pelas máquinas que nós mesmos colocamos em movimento.

* Alfredo J. Gonçalves, CS, é Conselheiro e Vigário Geral dos Missionários de São Carlos em Roma.

Fonte: Alfredo J. Gonçalves / Revista Missões

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