A volta dos guerreiros - 25 anos depois da Constituinte

Egon Heck *

Quem imaginaria que 25 anos depois daquela difícil, mas, gloriosa vitória dos Povos Indígenas e setores progressistas da sociedade,na elaboração da Constituição de 1988 com avanços significativos e conquista de direitos sociais, teríamos um quadro de mobilizações para impedir retrocessos. Sonhávamos com um cenário bem diferente: os direitos conquistados consolidados, rumo à construção de uma sociedade mais justa, na pluralidade de seus povos e culturas, democracia participativa e comunitária,não apenas representativa, formal e injusta.

Os guerreiros indígenas voltam à cena, ao espaço do poder, no planalto central. Vem exigir que não retirem seus direitos da Constituição. Senhores do poder, cumpram a Constituição e não a rasguem, não desonrem o país, não manchem a imagem da nação. Nossos direitos são sagrados e sob nenhuma hipótese podem ser violados.

O espartano grito de guerra e paz dos Kayapó e centenas de Povos Indígenas encheram o espaço do Centro de Formação Vicente Cañas, onde se reuniram mais de mil indígenas que, na madrugada do início de outubro, acamparam na Esplanada dos Ministérios para fazer ouvir o seu grito, nacional e mundialmente. A chuva fina não tirou o ânimo dos guerreiros que em pouco tempo construíram a grande aldeia plural no coração do poder, no planalto central.

Conquistas e retrocessos
Quando, há 25 anos, Ulisses Guimarães, presidente do Congresso Constituinte, declarava aprovada a nova Constituição, consagrava uma carta Magna, na qual, pela primeira vez os povos indígenas conquistaram importantes direitos sobre seus territórios e recursos naturais e na sua relação autônoma com relação ao Estado e a sociedade brasileira.

Porém, os Povos Indígenas não alimentavam ilusões quanto às enormes dificuldades que teriam pela frente, para fazer os direitos saírem do papel e se tornarem realidade. Não tinham dúvidas de que as elites políticas, econômicas e militares de tudo fariam para inviabilizar esses direitos. E assim aconteceu. Prova disto é que cinco anos após a aprovação da Constituição, quando todas as terras indígenas deveriam estar demarcadas, parlamentares e setores anti-indígenas desencadearam uma intensa campanha de "revisão da Constituição". Na prática significava retirar direitos sociais dos índios, quilombolas e outros setores sociais. Apesar de não terem conseguido seus intentos em 1993, não desistiram de suas intenções retrógradas e genocidas.

Se não conseguiram retirar os direitos indígenas na Constituição, conseguiram inviabilizar a efetivação desses direitos, na prática. As maiores provas é que mais de 80% das terras indígenas, ou sequer foram demarcadas ou tem alguma forma de invasão. Além disso, o Estatuto dos Povos Indígenas, que seria fundamental para implementar e explicitar a efetivação dos direitos, até hoje não foi aprovado. O mesmo acontece com o Conselho Nacional de Política Indigenista, que poderia viabilizar a prática colonialista do Estado brasileiro com relação aos 305 Povos Indígenas no país, até hoje continua emperrado no Congresso.

A guerra secular continua. Mudam as garras, mas permanece o preconceito, o esbulho, ódio, o racismo o etnocídio e o genocídio. Até quando?

Os Povos Indígenas em Brasília e em todo o país estão se mobilizando para defender seus direitos constitucionais, consuetudinários, originários e sagrados, a seus territórios e seus projetos de vida e autonomia.

Protagonismo indígena
Após as grandes Assembleias Indígenas, da década de 70, as grandes mobilizações da década de 80, a Marcha e Conferência Indígena de Coroa Vermelha, no ano 2000, os Acampamentos Terra Livre, os Povos Indígenas no Brasil estão construindo um importante protagonismo dentro do cenário de transformações sociais no país e no continente. E hoje somam forças aos quilombolas, professores, acadêmicos universitários e conta-se com uma sociedade civil mais informada dos direitos destes povos.

Estão se mobilizando para impedir que se continue rasgando a Constituição, massacrando os povos originários, tripudiando sobre a legislação nacional e internacional que asseguram os direitos e a diversidade étnica, cultural e societária no Brasil.

O movimento indígena, nesses 25 anos avançou e consolidou um amplo e permanente espaço de luta e afirmação de seus projetos de vida e de futuro, construindo e ampliando as alianças com os demais setores oprimidos, explorados e excluídos da sociedade. O movimento indígena tem construído seu protagonismo na resistência e nas lutas pelos seus direitos dentro dos amplos processos de transformações sociais e construção de novos modelos de Estado e sociedade, na pluralidade de povos e culturas, com justiça social e democracia participativa e comunitária.

Os Povos Indígenas estão em mobilização na Avenida Paulista, nos fechamentos de estradas, nas retomadas de seus territórios originários, nos espaços dos três poderes em Brasília.

*Egon Heck , Povos Indígenas do Brasil em mobilização.
Brasila, 2 de outubro de 2013

Fonte: Egon Heck / Revista Missões

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