Construir a sociedade

Murilo Krieger *

Os acontecimentos dos últimos dias aqui na Bahia deram origem a muitos debates, discussões e acusações. Não pretendo fazer um julgamento dos fatos; apresento, simplesmente, elementos que nos possibilitem tirar lições do que vivenciamos.

Uma das primeiras lições que tirei destes dias conturbados diz respeito à necessidade de desarmarmos o coração. Como escrevi na Nota sobre a paralisação dos Policiais Militares: "O que exige um desarmamento total, e não só dos corações, é o bem comum, é o bem da sociedade baiana. Nestes meus dez meses de Bahia, descobri que o povo baiano é acolhedor, é trabalhador e festivo; é um povo pacífico por natureza" (07.02.12). O povo desta terra merece o melhor de nossos esforços e de nossa dedicação, pois deseja paz, precisa de paz e tem o direito de ter paz. Uma vez que ela é um dom de Deus, devemos pedi-la; como é também fruto de nosso trabalho, devemos construí-la, incentivados pela observação de Jesus: "Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus (Mt 5,9)". Justamente por isso, na luta pela paz não há vencidos nem vencedores: há irmãos e irmãs que merecem o respeito de todos.

Cada vez mais creio na importância do diálogo. Ao deixar a caverna e guardar o tacape, o homem primitivo descobriu que a vida se tornava mais segura à medida que ele multiplicava seus relacionamentos com os outros, pois na vida comunitária todos se completam, controlam melhor sua agressividade e alcançam mais cedo seus objetivos. Sentimos necessidade de viver em sociedade, mas aprendemos que para viver com outros é necessária muita renúncia e despojamento. Quem nos deixou preciosas lições a esse respeito foram os antigos gregos, que lançaram os fundamentos da política. Política, para eles, era a arte de viver e conviver nas cidades, com a distribuição de tarefas e responsabilidades entre todos, visando ao bem comum. Cedo eles perceberam que as iniciativas políticas nem sempre promovem, automaticamente, um relacionamento harmonioso entre todas as pessoas nelas envolvidas. Afinal, há os que querem dominar os outros, há os que estão interessados apenas na satisfação de seus próprios interesses, como há os que têm dificuldade de viver em comunhão.

O Evangelho ilumina nossa vida, apontando valores: propõe uma vida digna para todos, mas lembra ao mesmo tempo nossa vocação à eternidade; valoriza a busca da justiça e da paz, da reconciliação e do amor, e incentiva a criação de estruturas que possibilitem a participação de todos nos bens materiais, culturais e espirituais; reprova a acumulação de bens nas mãos de poucos e promove a participação e a comunhão nas relações interpessoais. Como há o perigo de, mesmo cheios de boa vontade, nos desviarmos do caminho da verdade e da justiça, somos convidados a fazer um renovado exame de consciência, na linha do que ensinava o Papa Paulo VI: "Seria bom que cada um procurasse examinar-se, para ver o que é que já fez até agora, e aquilo que deveria ter feito. Não basta recordar princípios, afirmar intenções, fazer notar as injustiças gritantes e proferir denúncias proféticas: essas palavras ficarão sem efeito, se não forem acompanhadas da tomada de consciência mais viva de sua própria responsabilidade e de uma ação efetiva. É muito fácil jogar sobre os outros a responsabilidades das injustiças e, ao mesmo tempo, não levar em conta a própria responsabilidade" (OA, 48).

Volto à nossa Cidade e ao nosso Estado, e ao desejo de todos, de viverem em paz. Cada um de nós deve esforçar-se para colocar o bem comum acima dos projetos (e das vaidades!) pessoais. Na construção da sociedade, cada qual é chamado a dar sua contribuição. Alguns são chamados a dirigi-la; outros, a garantir sua segurança; há os que ensinam e os que cuidam dos doentes; há aqueles cujo trabalho não aparece e os que têm o nome conhecido e citado por todos etc. Dentre todos, quem é o mais importante? Na lógica de Jesus, mais importante é aquele que ama mais, aquele que serve melhor, aquele que lança um maior número de pontes para a construção da sociedade.

* Dom Murilo Krieger é arcebispo de São Salvador da Bahia (BA).

Fonte: www.cnbb.org.br

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