Eleições 2010

Alfredo J. Gonçalves , CS*

Uma das características das Eleições 2010 é o papel predominante do Poder Judiciário no desenrolar do processo. Devido à Lei da Ficha Limpa, de iniciativa popular, aprovada pelo Congresso nacional e sancionada pelo Presidente da República, desencadeou-se um movimento duplo: de um lado, o Ministério Público entra com uma avalanche de pedidos para impugnar a candidatura de centenas de políticos; de outro, os candidatos condenados, através de liminares, correm para "lavar" sua trajetória política. Alguns analistas já falam em judiciarização do processo eleitoral.

O mais grave é que os políticos em questão, em sua grande maioria, são gente do ramo. Conhecem como ninguém os corredores e bastidores da atividade pública. Não poucos, se apresentam como eternos candidatos, independentemente dos processos que pesam sobre suas atividades suspeitas e ilícitas. Ao mesmo tempo pais e filhos de um círculo vicioso que domina de ponta a ponta e de alto a baixo a prática das oligarquias brasileiras: o poder traz privilégios, influência e riqueza e esta, a seu turno, permite acesso permanente ao poder. Senadores, deputados e vereadores de cadeira cativa, os quais, não raro, se aventuram pelos caminhos do Poder Executivo.

Entre os vírus que infestam a trajetória política do país, a corrupção e a imunidade parlamentar constituem, sem dúvida, os mais nefastos. Pior ainda quando aliados a uma perpétua vocação para proteger-se sob o guarda chuva da lei que tende a favorecer quem a elabora e sanciona. Legisladores de seus próprios interesses, acabam legitimando todo tipo de benesses, muitas vezes em conluio com os demais poderes da União. Nesta perspectiva, o "bem comum", critério original da política, converte-se em fator secundário. Prevalece o bem-estar dos familiares, padrinhos, afilhados, compadres, num corporativismo que cresce na proporção inversa ao empenho para buscar soluções aos problemas e necessidades básicas da população.

Nos palácios do Poder Executivo e nos labirintos do Poder Judiciário, bem como no Senado e nas Câmaras nacional, estadual e municipal, o planeta parece girar em outra órbita. Longe dos embates do cotidiano, da luta pelo arroz e feijão, o que preocupa esses seres extraterrestres é a manutenção, a qualquer custo, do posto conquistado. Em época de eleições, são capazes de trocar de órbita, de caminhar ao lado dos mortais, de mostrar-se interessados e simpáticos. Mas, logo que reeleitos, retomam sua trajetória secreta e singular. Levam vida própria, protegem-se uns aos outros encobrindo recíprocos erros ou crimes, e até estendem os privilégios ao primeiro e segundo escalões de seus servidores.

São os vícios e entraves da democracia nos países do Ocidente. Mais do que nunca vale aqui uma observação de Bertrand Russell (História do Pensamento Ocidental). Segundo esse pensador filósofo, a democracia parou a meio caminho. Navega nas ondas superficiais e aparentes da política, mas não mergulha nas correntes subterrâneas da economia. Ao longo dos séculos, logrou eliminar a dinastia política, que tinha sua base na idéia de que o poder é herança divina e deve passar de pai para filho. Mas a mesma democracia não logrou liquidar a dinastia econômica.

Os bens acumulados pelos antepassados são naturalmente passados aos seus familiares, de geração em geração, não importando como tenham sido adquiridos. Se, por uma parte, o mundo moderno questiona a herança dos reinados e adota o princípio democrático de que o poder emana do povo e se fundamenta no contrato social (Rousseau), por outra parte, sacraliza e legitima com leis férreas a herança dos bens e da riqueza, patrimônio que passa de pai para filho de forma inquestionável.

Ora, é evidente que a herança econômica acaba por determinar o poder político. Muito mais nos dias de hoje, em que é necessário muito dinheiro para colocar um nome e um rosto nas páginas, nos espaços e nas telas da mídia. À medida que o poder do marketing eleva os custos da campanha e influencia a opinião pública, a riqueza converte-se em fator predominante para evidenciar e eleger determinado candidato.

Enquanto o princípio da democracia não mergulhar nas águas profundas das relações econômicas, nacionais e internacionais, dificilmente um processo eleitoral pode trazer mudanças substanciais. Quanto muito distribui algumas migalhas aos pobres, mas com a condição de deixar intactos os mecanismos do lucro e da acumulação da renda e da riqueza, próprios do capitalismo e do liberalismo. Daí que nas eleições de 2010 não estão em jogo dois projetos distintos, e sim dois setores de um mesmo projeto, onde a única diferença é o maior ou menor volume das políticas compensatórias.

* Alfredo J. Gonçalves, CS, superior provincial dos missionários carlistas e assessor das pastorais sociais.

Fonte: Alfredo J. Gonçalves

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