Comunidades Eclesiais de Base: A Ressurreição

Carlo Tursi *

No dia 18 de abril aconteceu a assembléia arquidiocesana anual das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), no Centro de Pastoral "Maria, Mãe da Igreja", na Av. Dom Manuel, com aproximadamente 80 delegados. Após um tempo de relativo silêncio em torno das CEBs, fruto de uma lamentável desarticulação, o clima desse encontro foi claramente pascal, primaveril: As comunidades de base prometem ressurgir fortes no cenário da Igreja Católica local, dominada atualmente pelos movimentos carismático-pentecostais.

As realizações da assembléia foram, basicamente, duas: (1) Um estudo, iniciado em dezembro passado, sobre o que constitui a eclesialidade peculiar das CEBs foi concluído, tendo ouvido reflexões e experiências de 5 das 6 regiões episcopais. (2) Uma nova coordenação arquidiocesana de CEBs foi eleita e empossada, constituindo-se de 7 membros, entre veteranos e novatos.

Durante o encontro foram revisitadas as 4 dimensões da eclesialidade, ou seja, daquilo que caracteriza as comunidades como "cristãs": a escuta da Palavra de Deus (Bíblia), a celebração da fé (Liturgia), a comunhão fraterna (Koinonia), o serviço gratuito ao mundo (Diakonia). A questão central, no entanto, era: Se estas 4 dimensões (ou "pernas da mesa", no linguajar popular) do "ser Igreja" devem estar presentes em todos os movimentos e organismos eclesiais, o que distinguiria, particularmente, as Comunidades Eclesiais de Base no tocante a como vivenciam tais dimensões ? - A resposta da assembléia foi uníssona: seria o senso crítico, a leitura madura, adulta, esclarecida, não alienada e não alienante da realidade e da tradição da fé que é a marca indelével da caminhada das CEBs.

Como entender isso? Por exemplo, na escuta da Palavra: A assessoria bíblica especializada de que gozam as comunidades de base garante o sentido salvífico-libertador de toda mensagem das Escrituras, evitando que penetrem interpretações fundamentalistas, intimistas ou moralmente opressoras (estas, quase sempre fruto de um clamoroso desconhecimento dos respectivos contextos históricos das escrituras sagradas). Ao mesmo tempo, a Bíblia está hoje nas mãos de cada cristão que participa da comunidade, e a sua interpretação se torna esforço coletivo na troca de experiências e compreensões entre as pessoas mais simples: Aqui, não só os "doutores e entendidos" falam e comentam, mas também - e com grande lucidez! - os "pequeninos".

Já com relação ao aspecto liturgia, celebram-se nas CEBs as "verdades da fé" não de forma desconectada dos grandes problemas da população: clama-se, denuncia-se, pede-se solução tanto para as grandes mazelas sociais quanto para as terríveis compulsões pessoais de hoje, mas também compromete-se, consagra-se, devota-se à luta para transformar tal realidade calamitosa; louva-se, canta-se toda vitória concreta alcançada - de certo com a graça de Deus! - sobre as forças da morte. Não se ojeriza, na forma de celebrar, elementos oriundos das culturas ameríndias ou afro-brasileiras: são bem-vindos na medida em que ajudam a inculturar o Evangelho na realidade do povo.

Também na maneira de viver a comunhão fraterna, há diferenças consideráveis entre CEBs e outros movimentos católicos: estar em comunhão não significa, absolutamente, uma obediência cega às autoridades eclesiásticas, uma "harmonia" sem discussão, uma "paz" de fachada que varre todos os problemas da Igreja debaixo do famigerado "tapete", um "amor" genérico e inoperante que não sabe distinguir, na multidão dos fiéis, aqueles que mais precisam da nossa atenção. Como elemento constitutivo da comunhão eclesial exige-se, não apenas a adesão do "Povo de Deus" aos seus legítimos pastores, mas igualmente a fidelidade dos pastores às necessidades mais prementes de suas "ovelhas", a escuta de seus clamores.

E o que dizer do serviço ao mundo, da missão, da caridade? Aqui, as Comunidades Eclesiais de Base aprenderam a discernir entre uma ajuda que vicia (do tipo "esmola") e uma ajuda que liberta (do tipo auto-organização das comunidades pobres para tornarem-se promotores de seu próprio destino). Um dos refrãos mais célebres da "caminhada" afirma: Eu acredito que o mundo será melhor quando o menor que padece acreditar no menor! Trata-se, não de uma ideologia, mas de um verdadeiro Credo: A missão das CEBs não seria tratar os necessitados como objetos da solicitude pastoral (como fazem tantos, hoje, nas igrejas...), mas - estando no meio deles - devolver-lhes a dignidade, aumentar-lhes a auto-estima, desenvolver neles a noção de serem pessoas portadoras de direitos que podem e devem ser reclamados! Além do mais, qualquer serviço nas Comunidades é gratuito, desinteressado: repudia-se a prática do proselitismo, tão comum entre outros movimentos...

Os 7 coordenadores novos - entre eles um sacerdote redentorista - têm diante de si a tarefa de realçar estas características para um público maior, tentando atrair sobretudo aquela parte da atual juventude que se sente inquieta com a religiosidade "água-com-açúcar", oferecida em muitos templos vistosos de nossa cidade, e que deseja "avançar para águas mais profundas", expor-se mais, arriscar-se mais, doar-se mais. Para que o senso crítico, o equilíbrio emocional e o carisma profético não se apaguem no Catolicismo, "mantenhamos as lâmpadas acesas"! Pois, Cristo vive! Amém! Axé! Aleluia!

* Teólogo católico e membro da recém-eleita coordenação arquidiocesana de CEBs, em Fortaleza, Ceará

Fonte: www.adital.com.br

 

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