As Igrejas e os desafios socioambientais no Brasil

Dados estatísticos indicam que em 2022, a Igreja Católica possuía 45 Arquidioceses, 217 Dioceses, 8 Prelazias, 12.013 Paróquias, 4.687 Instituições educacionais e mais de 100 mil comunidades; o que demonstra o poder sociotransformador da mesma em todas as áreas de atuação.

Por Juacy da Silva

“Um tema urgente que não pode ser adiado, sintoma de uma crise moral e espiritual. Desde os anos 1970, o Conselho Mundial de Igrejas (CMI) apoiou a construção de comunidades ecologicamente sustentáveis. Isso é ainda mais atual, pois se tornou indispensável construir um futuro constituído de baixas emissões de gases poluentes”, frisou o pastor Olav, CMI, 27/11/2023.

“Espero que todos os membros da comunidade internacional encontrem uma solução responsável, crível e solidária a este preocupante e complexo fenômeno, considerando as exigências das populações mais pobres e das futuras gerações”, disse o Papa Francisco em 27/11/2023, na Oração do Angelus.

amazoniaEstamos no limiar de um novo ano (2024), quando as pessoas fazem promessas e votos de mudanças de hábitos, costumes, formas de relacionamentos, louvam a esperança de dias melhores, sem violência, sem injustiças e sem tantas outras mazelas que maculam nossas vidas.

Os grandes desejos nos últimos dias de cada ano ano em relação novo ano que se inicia são: paz, saúde, harmonia, dignidade, que o país e nossos governantes voltem suas ações para a melhoria da qualidade de vida da coletividade, reduzindo as desigualdades e a degradação da natureza.

De forma semelhante, também as diversas religiões, igrejas voltam-se para invocarem suas divindades pedindo, implorando que verdadeiros milagres aconteçam, em todas as áreas em que, se não cuidadas devidamente, acabam acarretando sofrimento e morte das pessoas, incluindo as nossas relações com a natureza e como a humanidade tem tratado o planeta.

Neste sentido, ao longo de décadas a Igreja Católica e algumas Igrejas Evangélicas, tanto no Brasil quanto em diversos outros países vem realizando um trabalho visando despertar a consciência socioambiental, tanto entre os seus fiéis quanto em relação à população em geral, bem como alertando governantes e setor empresarial quanto à importância das relações de trabalho e de produção e o respeito à natureza, enfatizando a importância na defesa da biodiversidade e os limites do planeta.

Ao mesmo tempo em que a Doutrina Social da Igreja defende o direito à propriedade privada também exorta e defende que a mesma deve pautar-se pelo bem comum, pelos direitos dos trabalhadores e dos consumidores, pela parcimônia no uso dos recursos naturais e pela justiça intergeracional, ou seja, não podemos deixar como herança para as próximas gerações um planeta degradado e doente.

Em que pese o fato de que a Doutrina Social da Igreja surgiu em 15 de maio de 1891, com a Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, tendo sido aperfeiçoada e atualizada ao longo de 132 anos, por 17 outras Encíclicas, incluindo a Laudato Si que também incorpora-se à DSI, no entanto, por muitas décadas as questões ambientais propriamente ditas, passaram ao largo dos sistemas produtivos e suas relações com a natureza, ou seja, com os recursos naturais, que por séculos eram considerados inesgotáveis e que poderiam ser utilizados de uma forma predatória e até mesmo criminosa.

Só a partir da década de 1970, com a tomada de consciência socioambiental por parte da ONU, principalmente com a realização da Primeira Conferência Mundial sobre Meio ambiente e Desenvolvimento Humano é que as questões socioambientais passaram a ser objeto de uma maior atenção e preocupação por parte das diversas religiões, inclusive dos cristãos (católicos romanos, católicos ortodoxos e evangélicos); apesar de que as mesmas considerem que o universo inteiro, inclusive o Planeta Terra e todas as formas de vida, inclusive a vida humana, são obras do Criador (Deus).

Mesma assim, as religiões não encaram a destruição da natureza e todas as formas de vida nela contidas, inclusive a vida humana, como um ato que atenta contra o Criador e as suas obras.

Todavia essas preocupações e ações ocorriam e ainda ocorrem, de forma desarticuladas, descontinuadas e bastantes voluntaristas, sem uma vinculação mais direta seja, por exemplo, com as Doutrinas das Igrejas Evangélicas, com a Doutrina da Igreja Católica, seja com a própria DSI Doutrina Social da Igreja, que não faziam uma ligação entre as Obras da Criação e a responsabilidade das religiões cristãs em exercitarem um melhor cuidado com a Casa Comum.

Somente com a Encíclica Laudato Si, publicada em 24 de maio de 2015, pelo Papa Francisco é que houve a consolidação do pensamento social da Igreja, incluindo a Laudato Si no bojo da DSI, onde além das relações de trabalho e produção, também, de forma clara, fica patente que , como enfatiza o Papa Francisco, não existem duas crises distintas e separadas, de um lado uma crise socioeconômica e de outro uma crise ambiental, em cujas raízes estão as ações humanas, nada racionais, mas uma única crise socioambiental, que demanda um engajamento de todas as religiões; da população em geral e não apenas dos cristãos no seu enfrentamento.

No entanto, este esforço não pode ser realizado de forma desorganizada, voluntarista e episódica, mas sim, de forma articulada tanto internamente no contexto da Igreja Católica, mas também como um trabalho ecumênico e inter-religioso, quanto de um trabalho conjunto com outras entidades não governamentais (ONGs) e, claro, também em articulação com os entes públicos, responsáveis pela definição e implementação das políticas públicas socioambientais.

Para tanto, a Laudato Si e o Papa Francisco através de suas várias Encíclicas, principalmente a Laudato Si, a Fratelli Tutti, Exortações Apostólicas como Minha Querida Amazônia e a mais recente de 2023, Laudate Deum e diversos outros pronunciamentos, indicam e estimulam que cabe a Igreja organizar-se para atuar de forma mais efetiva nesta dimensão sociotransformadora, como forma de ação pastoral e evangelizadora.

Mesmo antes do surgimento da Laudato Si, no Brasil, por iniciativa de algumas Dioceses e Paróquias, desde meados dos anos de 1980, surgiram algumas pastorais do meio ambiente, como a Pastoral do Meio Ambiente na Diocese de Tubarão em 1986 e, mais recentemente, outras sob a denominação de Pastoral da Ecologia Integral, essas já sob a inspiração da Encíclica Laudato Si.

Cabe também um destaque em relação às Campanhas da Fraternidade da CNBB, que desde 1986 até 2017 tem abordado alguns aspectos ou questões socioambientais, tais como: 1986 Fraternidade e terra; 2002 Fraternidade e povos indígenas; 2004 Fraternidade e Água; 2007 Fraternidade e Amazônia; 2008 Fraternidade e a Defesa da vida; 2011 Fraternidade Vida no Planeta; 2016 Fraternidade e a Casa Comum, nossa responsabilidade e em 2017 Fraternidade e Biomas brasileiros e a Defesa da vida.

Cabe ressaltar também que, mesmo antes dessas Campanhas da Fraternidade a Igreja/CNBB fez um grande trabalho, principalmente através das Comunidades de Base e disso resultou o surgimento do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) em 1972 e da CPT Comissão Pastoral da Terra em 1975, organismos que tem realizado um trabalho bem intenso em relação `as questões indígena e da posse e uso da terra, ambas umbilicalmente relacionadas com às questões socioambientais.

De forma semelhante, não podemos olvidar a convocação feita pelo Papa Francisco em 2017 do Sínodo para a Pan Amazônia, realizado em 2019 e que marcou profundamente a vida a Igreja em relação `as questões socioambientais na América do Sul.

É importante também mencionar a reunião dos Bispos da Amazônia em 1972, da qual surgiu o Documento de Santarém, que em 2022 foi celebrado os 50 anos de sua realização apontando que, mesmo após meio século as questões socioambientais que foram objeto de reflexão, discutidas e denunciadas naquela época, continuam presentes e com certeza agravados ainda mais na atualidade.

Apesar de todos esses esforços, a presença da Pastoral da Ecologia Integral ou Pastoral do Meio Ambiente é bastante reduzida em relação ao número de Arquidioceses, Dioceses e Paróquias existentes no Brasil.

A Igreja Católica, da mesma forma que as Igrejas Evangélicas estão presentes em todo o Brasil e podem realizar um grande trabalho no enfrentamento das questões socioambientais.

Dados estatísticos indicam que em 2022, a Igreja Católica possuía 45 Arquidioceses, 217 Dioceses, 8 Prelazias, 12.013 Paróquias, 4.687 Instituições educacionais e mais de 100 mil comunidades; o que demonstram o poder sociotransformador da mesma em todas as áreas de atuação de mais de 25 Pastorais, incluindo algumas Pastorais da Ecologia Integral.

Apesar de uma representatividade bem diminuta, mesmo assim, a Pastoral da Ecologia Integral e ou do Meio Ambiente, onde está organizada tem realizado um grande esforço e ações socioambientais nas áreas da reciclagem, da arborização urbana, de limpeza de córregos, rios, lagos e lagoas, de recuperação de nascentes, de educação ecológica/ambiental, de ecoturismo, de agroecologia, de combate ao desperdício e, também, no uso da energia renovável, principalmente energia solar em templos e escolas católicas e também na defesa dos direitos dos povos indígenas, de quilombolas, de ribeirinhos, dos agricultores familiares, no cuidado com as águas e contra a privatização dos rios e tantas outras ações.

Com certeza a existência de um maior número de Arquidioceses, Dioceses, Prelazias, Paróquias, instituições educacionais e comunidades em que sejam organizadas Pastorais da Ecologia Integral poderiam oferecer condições para um maior engajamento da Igreja no enfrentamento de tantos desafios ambientais que existem no Brasil, principalmente nas regiões Norte e Centro-Oeste.

Nas regiões Norte (parte da Pan Amazônia Sul Americana) e Centro Oeste, o número de Pastorais da Ecologia Integral é extremamente diminuto, praticamente inexistentes, o que, para algumas pessoas demonstra que as Igrejas Católica e Evangélicas, nessas regiões não tem se dedicado de forma “orgânica” às recomendações e exortações do Papa Francisco em relação ao agravamento das questões socioambientais, principalmente da crise climática.

Em 24 de maio deste novo ano de 2024 a Encíclica Laudato Si estará completando NOVE ANOS de publicação, mas continua sendo uma ilustre desconhecida e bastante ignorada tanto pelos cristãos em geral, evangélicos de diferentes ramificações doutrinárias quanto também pelos fiéis católicos inclusive, sem sombra de dúvida, por parte da grande maioria de Arcebispos, Bispos e Padres, bem como demais religiosos e religiosas.

Diante disso, justifica-se tanto a necessidade quanto a importância da realização de cursos de formação, presenciais ou virtuais, para contribuírem no despertar da consciência ambiental entre os fiéis (conversão ecológica) e, também, no preparo/formação de agentes da PEI Pastoral da Ecologia Integral que possam participar dos esforços para a estruturação, organização da PEI nas Arquidioceses, Dioceses, Prelazias, Paróquias e Instituições educacionais, onde as mesmas não existem e também para o fortalecimento e aprofundamento do conhecimento dos atuais agentes da PEI, onde as mesmas estão presentes organicamente na vida da Igreja.

Em 2025, quando a Encíclica Laudato Si estará completando 10 anos, talvez a CNBB possa considerar a referida Encíclica e que o tema da Campanha da Fraternidade seja a Ecologia Integral.

Outro evento já tão esperado que deverá acontecer em Belém em novembro de 2025 é a COP30 (Conferência do Clima), sob os auspícios da ONU, que terá um grande foco sobre o Brasil e seus desafios socioambientais, principalmente a realidade amazônica e outros temas que normalmente mobilizam a opinião pública mundial.

Assim, em 2024 e 2025, imagino eu, a Igreja Católica, diante desses dois eventos ( os dez anos da Laudato Si e a COP30, em Belém, no Pará), pode e deve ser uma presença marcante não apenas nas discussões, mas também nas ações socioambientais, na dimensão de uma educação ambiental/ecológica crítica, com repercussão sociotransformadora, cabendo `a CNBB estimular e incentivar essas ações através da PEI Pastoral da Ecologia Integral.

A coordenação mundial do Movimento Laudato Si, enfatiza que um melhor cuidado com a Casa Comum e com as obras da criação, neste trabalho de enfrentamento da crise socioambiental deve ter como fundamentos um tripé: Oração, Ações de Sustentabilidade e MOBILIZAÇÃO PROFÉTICA. Este deve ser o rumo a guiar a Pastoral da Ecologia Integral e as ações das Igrejas nesta área.

Juacy da Silva, professor universitário, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista e articulador da Pastoral da Ecologia Integral. Email profjuacy@yahoo.com.br Instagram @profjuacy whats app 55 65 9 9272 0052

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