Muros, arame farpado e soldados

Por que esse temor cada vez mais acentuado dos migrantes e refugiados?

Por Alfredo J. Gonçalves

Multiplicam-se as notícias sobre a militarização das fronteiras. Elas – as notícias – chegam do Peru, Chile e Bolívia; da Espanha e Portugal; dos Estados Unidos e México, da Guatemala e Panamá, da Grécia e Líbia, do Paquistão e Bangladesh; do Sudão do Sul, Uganda e República Democrática do Congo; da Venezuela, Brasil e Colômbia; do Haiti e República Dominicana; da França, Itália e Inglaterra, da Ucrânia, Polônia, e Romênia, para não falar de tantos outros países. Verdade que as fronteiras, em maior ou menor grau, sempre foram militarizadas. Também é verdade que a formação dos exércitos tem, via de regra, como justificativa primeira a integridade territorial e política de suas respectivas nações. Parte-se do pressuposto que as nações vizinhas podem converter-se em inimigas. O expansionismo e o colonialismo, ao longo da história, parecem espreitar do outro lado do rio, do mar ou dos limites geográficos.

A militarização das fronteiras, porém, tem como pano-de-fundo uma razão bem menos confessável: o temor dos migrantes. Nos últimos anos vimos assistindo, progressivamente, ao fortalecimento das forças armadas nos complexos fronteiriços de duas ou mais nações. Evidente que esse reforço de soldados e armamentos nos confins territoriais sofreu um incremento considerável devido à pandemia da Covid-19, por uma parte, e, por outra, à ascensão de governos de extrema-direita em várias partes da terra. A impossibilidade quase absoluta de migrar de um país a outro de forma regular, com os documentos em dia, concentrou grande quantidade de migrantes nas fronteiras limítrofes. Estas últimas, de um momento a outro, sofreram uma dinâmica inusitada, marcada por acampamentos de migrantes e refugiados, tensões constantes e uma pressão crescente sobre os muros visíveis ou invisíveis que demarcam os territórios.

Por que esse temor cada vez mais acentuado dos migrantes e refugiados? Por um lado, o medo do outro, do diferente e do estrangeiro constitui um sentimento que está sempre à flor da pele das pessoas, dos povos e das culturas. De forma implícita ou explicita, normalmente o estranho representa uma ameaça à nossa visão de mundo, com seus valores e costumes, com seu modo de vestir, sua língua e sua culinária.

As diferenças, enfim, ainda que sejam capazes de enriquecer-nos reciprocamente, num primeiro momento tendem a levantar suspeitas e a procurar defesas mesmo que inconscientemente. Daí que as pontes sejam mais raras do que os muros, e os nós mais frequentes do que os laços e relações. Mas no caso da militarização da zona fronteiriça, entram em jogo fatores de natureza bem diversa. Em primeiro lugar e em boa medida, continua prevalecendo a ideologia da segurança nacional, herança maldita dos tempos da guerra fria. Mesmo depois de duas guerras mundiais, o conceito de direitos humanos ainda se revela mais ideal do que real e concreto. Uma espécie de cereja do bolo para os países de se dizem democráticos.

Depois, as leis migratórias vão ganhado um endurecimento progressivo. Dificulta-se cada vez mais o acesso dos “condenados da terra” – pobres, esquecidos e descartáveis do planeta – aos benefícios da tecnologia e do capital. O capitalismo é mestre em escolher, peneirar, selecionar! Décadas atrás fechava-se a porta da frente, mas a porta dos fundos permanecia semiaberta. Mantinha-se o rigor na legislação e nos aeroportos, mas nas fronteiras havia um certo relaxamento, uma vez que os migrantes constituíam uma mão de obra fácil, barata e indispensável no caso de determinados serviços: os mais sujos, pesados, perigosos e mal remunerados. De uns tempos para cá, além da via aeroportuária praticamente interrompida, também a porta dos fundos tende a manter-se cerrada. Disso decorre a elevação dos muros, o aumento dos soldados e o uso do arame farpado, sem fechar os olhos para os territórios minados nas imediações da fronteira. Quando os moradores de uma casa reforçam as trancas de suas entradas, é porque o medo ronda sorrateiro pela vizinhança.

Por trás de tudo isso, entretanto, emerge o cenário de uma crise globalizada da economia, associada aos vírus e vermes que, pouco a pouco, vão corroendo a credibilidade deste tipo de “democracia burguesa”. Onde está o poder do povo, pelo povo e para o povo? No fundo, quando os cidadãos são chamados às urnas, as cartas do jogo já se encontram marcadas. Marcadas pelo poder do dinheiro, da influência e das armas. Não custa ter presente que as nações mais democráticas na aparência, costumam ser igualmente aquelas que produzem a maior quantidade e diversidade de armas. O poder de fogo, de veto na ONU e de embargo econômico dita as regras do xadrez mundial. Através dele, reproduz-se as “dinastias do poder político”, outra herança maldita que, pelo túnel escuro da tirania, nos chega da noite dos tempos.

Alfredo J. Gonçalves, cs, é vice-presidente do Serviço de Proteção ao Migrante - SPM.

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