Daniel Kaiowá: 'Não tem como a gente ir embora da nossa própria terra'

Lideranças e representantes indígenas de todo o país se manifestam contra a tese do marco temporal; a retomada do julgamento está prevista para o dia 7 de junho.

Por Assessoria de Comunicação

Daniel Kaiowá é professor, liderança indígena e um dos sobreviventes do massacre de Guapoy, ocorrido há cerca de um ano no tekoha de mesmo nome, localizado no município de Amambai, no Mato Grosso do Sul. O ataque violento cometido de forma ilegal pela Polícia Militar se deu no dia 24 de junho de 2022, um dia depois da retomada do território invadido por fazendeiros da região. A ação resultou na morte de Vitor Fernandes, de 42 anos, e no ferimento de outros nove indígenas.

A comunidade de Guapoy Tujuru Mirim, da qual Daniel faz parte, ainda vive o impacto da violência sofrida no dia do massacre. “O trauma ficou na mente de cada pessoa que está morando lá”, conta Daniel. O território está em fase de estudo de identificação e delimitação, cujo Grupo de Trabalho (GT) encontra-se há oito anos parado. A demora para demarcar o território tem inflamado, ainda mais, os conflitos na região.

assembleia1Daniel, em depoimento concedido à equipe de Comunicação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) durante o 19º Acampamento Terra Livre (ATL), lembrou que Guapoy é parte de um território tradicional que foi despojado dos Guarani Kaiowá. “Sempre foi dos nossos antepassados, mas fomos roubados”, explica. “O governo fazia propaganda de que a terra era devoluta no estado e os colonos foram lá sem ter título, e é assim até hoje”, afirma.

O roubo das terras indígenas dos povos do Mato Grosso do Sul remonta ao período colonial, e se agrava com a promulgação da Lei de Terras de 1850 quando, na tentativa de legalizar o acesso à terra, se institui a compra como forma de obtê-la. A lei impedia que o direito à propriedade da terra fosse garantido apenas por sua posse – direito à terra que se estabelece por meio de seu uso e ocupação – e passava a exigir o título de compra das terras, em sua maioria, devolutas naquela época.

No entanto, pouca gente, naquele período, adquiriu terras por meio de sua compra. A posse continuou sendo a prática de apropriação de terra vigente e ignorando a presença originária dos povos indígenas, o que precede a existência de qualquer título de terra.

“Até hoje se você for ver, toda terra, a partir de 1850, não foi regularizada no Brasil. Nunca foi. Então todas as terras, a partir de 1850, no meu ponto de vista são ilegais”, considera Daniel quanto à forma arbitrária e conflitiva como se deu a apropriação de terras no país.

A desterritorialização do povo Guarani Kaiowá toma proporções ainda mais drásticas nos anos de 1930, com o projeto de colonização da Marcha para Oeste no governo de Getúlio Vargas. “O governo fazia propaganda de que a terra era devoluta no estado e os colonos foram lá sem ter título, e é assim até hoje”, lembra.

O propósito de ocupação das fronteiras do país proposto por Vargas conflagrou uma série de conflitos na região, e promoveu a expulsão sistemática dos povos indígenas de seus territórios originários.

O histórico de violência e de esbulho sofrido pelo povo Guarani Kaiowá é o que mobiliza Daniel a se posicionar contra o marco temporal. Para ele, é a forma mais perversa da ganância se sobrepor à vida humana.

"Quando você fala em marco temporal isso significa que você teria que estar naquele momento que a Constituição foi promulgada, mas o governo tem que entender o específico nosso, que a Marcha para Oeste expulsava, matava os indígenas que achava naquele local. É importante a gente destacar que, enquanto o marco temporal não acabar, enquanto o marco temporal não é votado pelo Supremo [Tribunal Federal] para ser extinto, nós estamos passando por esse genocídio, principalmente psicológico em todo o Brasil. A razão de nós resistirmos até a última gota de nosso sangue é porque não tem como a gente ir embora da nossa própria terra".

Fonte: CIMI

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