A única medida será o amor

Em nossa cultura pós-moderna que valoriza somente o mais forte, o visível, o vencedor, quem é frágil é marginalizado, não conta mais. Jesus ao invés, fazendo-se pobre e frágil vem ensinar-nos o caminho da fraqueza como manifestação do seu poder salvador.

Por Mariano Tallone *

Abri um dicionário de língua italiana onde está a palavra “fragilidade”. A primeira definição: “facilidade para se romper”. É óbvio, disse para mim mesmo. Depois, refletindo, descobri que aquela expressão dizia muito mais do que pudesse aparecer num primeiro momento. Se se fala de um cristal, a definição me satisfaz plenamente. E, se falo de pessoas frágeis... Facilidade para quebrar-se! Eis os frágeis: aqueles que se não os trata com cuidado, é fácil que se rompam. Que se façam em pedaços. E aqui não se trata de um objeto, ainda que precioso. São homens e mulheres, pessoas como eu. “Fazer-se em pedaços.” E quem, jamais, conseguirá recuperar-lhes a unidade vital.

Socorrer os frágeis, assumir com o coração a fragilidade: mas o que isto quer dizer? Digo que eu sou cristão, discípulo de Cristo, e quero ser. Ele sim que venceu a indiferença em cada olhar, em cada gesto, em cada palavra. Ele que cuidou dos frágeis, da fragilidade de homens e mulheres.

Esta vivência de Jesus sempre me toca. No meu coração existe o sincero desejo de imitá-lo, mas depois, as circunstâncias concretas da estrada sugerem uma força contrária, à qual é dificil não ceder. Diante de Jesus, da sua vida límpida de escuta e acolhimento dos frágeis, cresce o sentimento de culpa, levando-me talvez a dizer: “Nunca conseguirei.” Vejo que existem outros que se lançam no serviço com generosidade, e então digo: “Mas, eu sou feito assim, para mim é muito difícil.”

Os pobres existem

Para me sentir um pouco menos culpado, procuro ao menos doar alguma coisa, objetos ou dinheiro, para que se alguém serve em missão, o possa fazer também por mim. Mas, descubro ao menos dois erros de perspectiva neste modo original e superficial de olhar, de pensar, de confrontar-me, de resolver. O primeiro eu o vejo ao considerar os “frágeis” (pequenos, pobres, marginalizados) segundo a categoria bem definida por aqueles que os meus olhos “veem”. Diretamente nas estradas cotidianas, nas reportagens jornalisticas, nas transmissões em vídeo na TV e redes sociais. Também os relatos de testemunhas diretas fazem reavivar a consciência de que os pobres existem. Mas muitas vezes procura-se catalogar estas grandes realidades de crônica, também a nível mundial, a categoria dos “últimos” para medir o meu estilo de vida e a minha consciência.

O segundo erro, mais sutil, mas frequente, é aquele de refletir sobre a situação a partir da “caridade” antes ainda da “justiça”. Se fosse para prevalecer o senso da justiça, então eu começaria a traçar uma outra escala de valores da minha história, a minha situação cotidiana, as minhas escolhas do que é essencial ao supérfluo, o olhar menos encantado para as sugestões do mercado que martela respostas, até que não me surja a pergunta e eu assuma o produto. É perigoso por-se a olhar no rosto a justiça. Aquela simples de humanidade. Aquela que cresce sobre as raízes da igual dignidade de cada ser humano. Aquela que não olha por primeiro os “degraus sociais” que devo subir para me igualar ao vizinho, mas que olha para baixo, onde outros seres humanos, na mesma escada se matam nos últimos degraus. E não no terceiro mundo, mas aqui. Na minha cidade, na minha vila, no meu condomínio. Mas, tem mais. Tem Jesus, tem o Evangelho, tem a Igreja (aquela que Cristo conduz pela Sua Mão, não aquela que ainda alguns homens, errando terrivelmenete, pensam de poder ou dever “governar”). E então, ressoam, ambos com leveza e poder, as palavras do capítulo 25 do Evangelho de Mateus: “Em verdade Eu vos digo: tudo aquilo que fizestes a um só destes meus irmãos mais pequeninos, o fizestes a Mim.” Os “mais pequenos”; estes “são” Jesus.

Portanto, não se trata de obras boas para exprimir um pouco de misericórdia. Trata-se de encontrar e dialogar com o próprio Jesus, em carne e osso. Não bastam mais um olhar que vai além da porta de casa e nem mesmo um senso de humana e louvável justiça. Aqui a questão entra por um caminho novo: o outro “é Cristo e o é ainda mais, em um modo especial, se é pequeno e frágil”.

Os gestos que eu sou chamado a cumprir para socorrer Jesus nos outros, nos pequenos e frágeis, não são os milagres. São um copo de água, um pouco de tempo, uma mão estendida, uma visita, um pedaço de pão, uma veste para um irmão, uma irmã, os que visitei nas suas necessidades. É bonito saber que Jesus se identifica comigo, e que ao redor de mim Ele esteja em qualquer um que encontro, em cada um que vive sobre a terra.

É bonito saber que a “tarefa” que Jesus me deixou é aquela de cuidar dos outros, dos pobres e frágeis, sobretudo. Porque ao fim o Pai olhará à porção de lágrimas e de sofredores que me foi confiada, para ver se alguém foi consolado por mim, se recebeu pão e água para a viagem, semente de coragem e esperança. Deus não irá à procura dos meus pecados, mas sim do bem feito. A única medida será o bem. Diante de Deus não devo ter medo dos meus pecados contra a lei, mas somente de minhas mãos vazias, que é pecado contra o amor.

* Mariano Tallone é sacerdote. Publicado em REVISTA ANDARE Edição Janeiro-Fevereiro 2021. Tradução Ir. Benildes Clara Capellotto, MC

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