O que dizer neste Novembro Negro de 2020?

Moradora recebe uma cesta de alimentos e produtos de higiene doados na favela do Vale das Virtudes, São Paulo, 12 de junho de 2020. (Victor Moriyama/Bloomberg)

Moradora recebe uma cesta de alimentos e produtos de higiene doados na favela do Vale das Virtudes, São Paulo, 12 de junho de 2020. (Victor Moriyama/Bloomberg)

A pandemia enegreceu a realidade do país com o cotidiano da população negra que mostrou todas as suas vulnerabilidades.

Por Vera Lúcia Lopes

O grito da População Negra neste novembro precisa ecoar de tal forma que reafirme que Vidas Negras importam na sociedade. O Coronavírus não “escolhe” as suas vítimas, mas, ficou registrado em números uma porcentagem altíssima de negros e negras contaminados e condenados a morrer, demonstrando que “Vidas Negras para poucos importam”.

Na Pastoral Afro brasileira com a pandemia ficamos muito assustados nos dois primeiros meses, porém, diante dos dados alarmantes começamos a conversa sobre racismo com ousadia. Avançamos, na participação enquanto Coordenação Estadual de Pastoral, tendo um presbítero muito sensível, não negro, coordenador estadual das Pastorais Sociais. Rapidamente ele entendeu que precisávamos ser reconhecidos como uma pastoral integrante das Pastorais Sociais com espaços de fala no Regional Sul 1 da CNBB. Esta nossa luta vem de longe, lembrando das nossas ancestralidades que nos precederam por lugares de fala. Para acolher os rostos sofridos e preferidos de Deus hoje é preciso ter também o recorte racial.

Acredito que um dia possamos ver uma igreja antirracista e assim nos meses que antecedem a novembro vamos discutir as questões que impediram tantas crianças pobres, pretas e periféricas de acessar as tais aulas de Ensino à Distância (EAD). Vamos discutir porque a “mãe do Miguel de apenas 5 anos” não estava em isolamento social, se era isso que a OMS recomendava, estando a maioria das pessoas em trabalho remoto. Primeiro foram os ricos viajantes a se contaminar, mas, aos montes foram os pobres a morrer a principio sendo enterrados em covas rasas todos juntos e misturados.

Será que a nova normalidade um dia vai dar conta desta defasagem escolar que vai incidir no futuro das crianças e pré-adolescentes pretas e pobres sem recursos de internet e aparelhos tecnológicos? Não sei, mas quero achar parcerias para amenizar estes estragos. Vem você também comigo.

O que tratar neste novembro negro? A Pastoral Carcerária traz que 80% dos privados de liberdade são afrodescendentes, e dai? Será que realmente “Vidas Negras Importam”? Importam para a Pastoral Afro sim, e por isto insistimos, resistimos e não renunciamos ao nosso sonho de ser feliz e por isso continuamos. E como escreve Conceição Evaristo “eles combinaram de nos matar, mas, nós combinamos de não morrer” (Ed. Pallas - Olhos d’água, 2014).

Racismo estrutural

Essas conversas precisam acontecer nas reuniões de todas as pastorais, de toda a Igreja e principalmente na formação dos futuros presbíteros nos seminários. Nos Conselhos de Escolas, nos Conselhos de Direitos, nos Conselhos Tutelares, nos sindicatos e outros espaços como nos legislativos das três esferas de governo, com destaque para o município, pois é na cidade que vivemos. O racismo estrutural pode ser tratado todos os meses, mas neste novembro, penso que vamos tentar respirar em espaços diferentes, já que a cor da pobreza ficou escancarada e a Igreja não pode negar em falar, lembrando que Deus ama realmente a todos, mas a política vigente no país, os homens de Deus não. E esta falta de amor nos mata.

A Pastoral Afro-brasileira se constitui enquanto Pastoral reconhecida pela CNBB em 1988, pelos 100 anos da abolição ainda em andamento. A Campanha da Fraternidade naquele ano tratava da Fraternidade e o Negro, Deus ouviu o clamor de seu povo Ex. 3,7. Eu creio firmemente que Deus nos ouve, caso contrário eu não estaria aqui escrevendo sobre mais um mês da Consciência Negra. Nós, negras e negros (afrodescendentes) não podemos mais nos sentir culpados por ser inocentes.

Vamos descolonizar os olhares, as ações, e fazer diferente. Queremos o nosso lugar de fala para tratar da Boa Nova do Evangelho em uma Missão Afro Evangelizadora que descontrói os muros e constrói pontes, na certeza que a fé do Cristo ressuscitado nos ilumina para seguirmos em frente, queremos aquilombar e esperançar nas cidades e nos campos, dentro e fora da Igreja.

Consciência Negra

Antigamente as histórias, as leituras sempre nos chamavam para possíveis reflexões nos proporcionando momentos de mudanças de como ser, mudanças no fazer, hoje podemos retomar esta prática, ler para resgatar o sonho de Deus, ser a sua imagem e semelhança, amar como ele ama, e sonhar o sonho de Deus de ver o ser humano mais humano, ou seja, buscando a conversão integral pessoal e comunitária.

Vamos sim neste mês de novembro lembrar de Zumbi dos Palmares com celebrações, Kizombas, com músicas e danças, tudo colorido para mostrar que na diversidade esta é a nossa riqueza, sem esquecer o tema e lema da Campanha da Fraternidade 2020 “Fraternidade e Vida: Dom e Compromisso” e o lema bíblico extraído de Lucas 10, 33-34: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele. Vamos também cuidar.

Pense agora, em novembro e nos outros meses do ano, como ser feliz se a maioria da população brasileira “sofre em dores de parto”, e esta população tem a cor do rei mago da Etiópia que visitou Jesus em seu presépio? Vidas Negras Importam para você?

* Vera Lúcia Lopes é coordenadora estadual da Pastoral Afro Brasileira no Regional Sul 1, articuladora da pastoral em nível nacional. Membro do COMPIR Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial da cidade de Osasco, São Paulo. E-mail. lopesveralucia2016@gmail.com

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