Em nome de Deus

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O livro do profeta Isaías é citado mais de 300 vezes no Novo Testamento.

Por Paulo Mzé

A pregação de Isaías preocupa-se diretamente com os acontecimentos da época. Ele denuncia o luxo dos que juntam casa com casa e campo com campo e das mulheres que andam cobertas de joias. Seu ideal parece ser o modo de vida simples em que o povo vive de coalhada e de mel, produtos naturais da terra. Isaías não considera grande catástrofe a perda das vinhas, fonte de luxo e riqueza. Não incentiva seu povo a lutar para protegê-las; ao contrário, defende uma atitude pacífica e silenciosa em face da ameaça assíria.

Antes de mais nada, o livro do profeta Isaías oferece algumas considerações. Primeiro, por muito tempo, a tradição cristã considerou-o como sendo de um único profeta, de Isaías de Jerusalém. Estudos atuais, porém, ensina-nos a distinguir o Primeiro Isaías (caps. 1-39), o Segundo Isaías (caps. 40-55) e o Terceiro Isaías (caps. 56-66). Importa sublinhar que, o Segundo e o Terceiro Isaías estão estabelecidos no final do século VI a.C. Ou seja, 200 anos depois de Jerusalém. A lenda judaica afirmava que Isaías morreu serrado em pedaços durante o governo do rei Manassés. Alguns cristãos consideram que seu livro sofreu um destino semelhante nas mãos dos críticos. Segundo, a interpretação cristológica do Antigo Testamento. Os cristãos têm o livro de Isaías em alta estima porque ele parece profetizar elementos decisivos da vida de Jesus; os exemplos mais notáveis são o nascimento virginal em Is 7 e a paixão e morte em Is 53. O livro é citado mais de 300 vezes no Novo Testamento. Em seu sermão de Nazaré (Lc 4, 18), o próprio Jesus afirmou que com Ele se cumpria um texto de Isaías (Is 61, 1-2). O uso de Isaías pelos evangelistas revela-nos a fé dos primeiros cristãos, mais que a mensagem do profeta.

O cabeçalho de Is 1, 1, nos diz que ele profetizou “nos dias de Ozias, de Iotâm, de Acaz e de Ezequias, reis de Judá”. A grande visão no capítulo 6, que se supõe marcar o início de sua atividade profética, data do ano da morte de Ozias, provavelmente 742 a.C. Sabe-se que Isaías estava em atividade no fim do reinado de Ezequias, na época de uma invasão assíria em 701 a.C. Isaías, então abrangeu, aproximadamente a segunda metade do século VIII a.C. Amós, Oséias e Miquéias figuram como contemporâneos de Isaías. A missão de Isaías foi marcada por uma série de crises provocadas pela invasão militar da grande superpotência do Oriente, a Assíria.

A sucessão de crises joga um papel importante na disposição do material no Primeiro Isaías. Assim, sendo os capítulos 6-8, em geral, são considerados biografia do profeta (cf. 8, 16), pertencem ao período primitivo. No entanto, atribui-se o material dos capítulos 10-23 ao período intermediário entre 722 e 701 a.C. Enquanto isso, os capítulos 28-32 referem-se à época de Senaquerib.

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Leitura do texto bíblico (Is 6, 4-8)

No centro da profecia de Isaías está sua visão de Deus como o “Santo de Israel”, apresentada mais vivamente no capítulo 6. A santidade de Deus desmascara a inerente pecaminosidade dos homens. O poder do espírito contrasta com a carne impotente (Is 31).

O presente texto conta a vocação de Isaías. O profeta é preparado para a sua missão específica a partir de uma visão do Senhor no Templo. Ele faz a extraordinária afirmação de que viu o Senhor, imaginando, a figura mais poderosa da experiência da sua época. Ao afirmar ter visto o Senhor, manifesta considerável autoridade à mensagem profética. Diante da santidade de Deus, o profeta faz sua confissão de impureza, mesmo sem mencionar nenhum pecado. A impureza é inerente à condição humana e isso o compromete na presença de Deus. O remédio é drástico: seus lábios são purificados com uma brasa. A boca do profeta é tocada, ele não pode falar as próprias palavras, mas as de Deus. Essas palavras o tornam representante de Deus que realiza ações de salvação. Sua autoridade é clara: ele, o profeta, deixou de agir e falar por si, mas o faz agora em nome de seu Deus.

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Não apenas sua palavra, mas toda a sua vida torna-se um oráculo do Senhor. A visão, a experiência de Deus que o profeta tem, não é um fim em si mesmo. Ao contrário, é a condição para a missão a ser assumida. Por isso, preparado pelo Senhor, ele se coloca em disponibilidade total para abraçá-la: “Eis-me aqui, envia-me!”

Para Isaías, a exaltação de Deus é o corolário da finitude humana. As pretensões humanas ao poder são patéticas e fadadas ao fracasso. Em consequência disso, o profeta critica bastante as tentativas dos reis de Judá de manobrar a política do poder ou mesmo de controlar o próprio destino. Ele entra em conflito com os sábios, conselheiros profissionais do rei, cujos planos são anulados pelo “plano do Santo de Israel” (5, 19).

A teologia política de Isaías usa tradições populares de maneira irônica. A ironia é melhor entidade no nome simbólico Emanuel. Por ironia, Judá e Israel eram vulneráveis à cobiça assíria porque tinham certo grau de riqueza e luxo. Se levassem uma vida mais simples, sem riqueza nem poder, seriam deixados em paz. O reino ideal esboçado em Isaías 11 não é um império poderoso, mas um império de paz e simplicidade.

Entendemos porque os cristãos primitivos viviam entre as profecias de Isaías e o reino proclamado por Jesus. O ideal de Isaías, simplicidade social, não foi concebido em isolamento rural. Ele era um profeta urbano, familiarizado com o Templo. Tinha acesso ao rei como uma espécie de conselheiro político, tanto nos primeiros dias de guerra siro-efraimita como na época de Senaquerib, no fim de sua missão. Era homem culto, como deduzimos de seu domínio do verso hebraico e de sua familiaridade com a política internacional. Sua visão social e política não se originam da ingenuidade, mas de suas convicções teológicas fundamentais.

Mais de dois mil anos depois, os ideais políticos de Isaías não perderam nada de sua relevância para as questões de política nacional e internacional e o bem-estar da sociedade.

* Paulo Mzé, imc, é diretor da revista Missões. Publicado na Revista Missões, Outubro 2020.

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