Barrados de todas as formas

A pandemia tornou o caminho dos refugiados e migrantes ainda mais duro.

Por Alfredo J. Gonçalves*

Em 9 de setembro de 2020, um incêndio de grandes proporções devastou o campo de refugiados na Ilha de Lesbos, Grécia. O campo abrigava cerca de 15 mil imigrantes, mas seu número podia oscilar até a casa dos 20 mil. Convém ter presente que esse campo de refugiados representa um filho bastardo do acordo entre Europa e Turquia, celebrado e assinado em 2016, concretamente por Merkel e Erdogan, com o intuito de interromper a chamada “rota balcânica”, mantendo longe do velho continente a “onda” de imigrantes que provinham de vários países do Oriente Médio, como também do leste e norte da África, rumo ao sonho europeu.

Semelhante entendimento acabou deixando os refugiados de Lesbos como que encurralados a meio caminho, às portas da Europa, tendo agora seus sonhos reduzidos a cinzas. O mesmo acordo, de resto, iria se repetir mais tarde entre a Comunidade Europeia e a Líbia, desta vez para barrar a outra via, “a rota mediterrânea”, utilizada de modo especial por imigrantes africanos de distintos países (mas também de outras localidades). O resultado foi que, até os dias de hoje, no litoral da Líbia se multiplicam igualmente os campos de refugiados. A situação extremamente precária em que vivem seus ocupantes tem produzindo uma série de imagens negativamente espetaculares, tanto na mídia quanto nas redes sociais.

Referindo-se à sinistra tragédia ocorrida no campo de Lesbos, vale sublinhar o que escreve um correspondente da televisão grega na Itália, o doutor em Ciências Políticas Dimitri Deliolanes: “A verdadeira notícia não é que o incêndio estourou, mas que não tenha acontecido mais cedo. Nestes cinco anos, o antigo quartel abandonado de Moria transformou-se num enorme aglomerado de pessoas com mais de 15.000 hóspedes, com picos de 20.000. Os acidentes estavam na ordem do dia: brigas por água, confrontos de gangues, ataques a mulheres sozinhas, violência contra crianças, suicídios. Mas também tendas queimadas por fogões derrubados, revoltas daqueles que esperam há anos, assaltos desesperados a barcos, ataques e incêndios de fascistas gregos e de fora. A catástrofe estava na agenda há algum tempo. No fim, chegou” (Cfr. Artigo publicado por Il Manifesto, em 10/09/20, reproduzido no portal do IHU em 11/09/20, tradução de Luisa Rabolini).

Fronteiras fechadas

Marine Henriot, por sua vez, em reportagem publicada pelo Vatican News, na data de 10/09/20, dá notícia do desmembramento do campo de refugiados de Calais, cidade localizada ao norte da França, lugar de passagem para a Inglaterra, que agora está fora da União Europeia. Mas sobre as ruínas e escombros do que sobrou, outros imigrantes se instalam em situação de absoluta precariedade, seguindo com a teimosia própria de quem arrisca tudo para sobreviver. O sonho de encontrar um solo pátrio se faz, se desfaz e se refaz continuamente. De acordo com Henriot, “as condições dos refugiados são piores que na selva”. Situações análogas, ou ainda de maior gravidade, se repetem e se reproduzem em determinadas cruzamentos no mapa mundial das migrações. Mapa cada vez mais intenso e dinâmico, mais diversificado e complexo, e que hoje cobre todos quadrantes do planeta.

As fronteiras entre dois ou mais países tornam-se pontos cada vez mais ambíguos e nevrálgicos. Lugares de permanente encontro e desencontro. Verdadeiros tropeços no vaivém interminável dessa imensa multidão de gente sem raiz, sem rumo e sem pátria, condenada a perambular de um lado para outro pela face da terra. Destinos ignotos, distorcidos e tortuosos, marcados por encruzilhadas incertas e imprevisíveis. Bastaria ter em consideração as zonas fronteiriças do subcontinente latino-americano, bem como de certas regiões específicas da África e da Ásia. Com as leis migratórias cada vez mais pesadas e restritivas, crescem as tensões e conflitos nas fronteiras geográfico-territoriais. Lugares onde os direitos e a dignidade da pessoa humana são facilmente ignorados, quando não pisoteados. Desnecessário acrescentar que a pandemia tornou o caminho dos migrantes e refugiados ainda mais duro e árido.

Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do SPM (Serviço de Proteção ao Migrante), Rio de Janeiro, RJ

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