Estender a mão ao pobre é treino diário da consciência

Na Mensagem para o Dia Mundial dos Pobres o Papa sublinha que este é “um tempo favorável para voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo”.

 

Por Rui Saraiva

O Dia Mundial dos Pobres celebra-se no XXXIII Domingo do Tempo Comum. O Papa Francisco na Mensagem que recentemente publicou a este propósito, pede-nos para viajarmos ao Antigo Testamento recordando o Livro de Ben-Sirá e à expressão «Estende a tua mão ao pobre» (Sir 7, 32). Aí “encontramos as palavras dum mestre da sabedoria que viveu cerca de duzentos anos antes de Cristo” – diz o Santo Padre.

Era alguém que “andava à procura da sabedoria” num tempo difícil “para o povo de Israel”. “Tempo de dor, luto e miséria” e nessa realidade “o Senhor não lhe deixou faltar a sua ajuda” – escreve o Papa.

Para o Santo Padre, “são inseparáveis a oração a Deus e a solidariedade com os pobres e os enfermos”. Porque “a bênção do Senhor desce sobre nós e a oração alcança o seu objetivo, quando são acompanhadas pelo serviço dos pobres” – afirma Francisco.

O olhar voltado para o pobre

Na sua Mensagem para o Dia Mundial dos Pobres, o Papa deixa claro que a “atenção aos pobres” não pode estar condicionada “por interesses privados, nem por projetos pastorais ou sociais desencarnados”.

É essencial para Francisco “manter o olhar voltado para o pobre” não propriamente ocupando o tempo a “gastar muitas palavras”, mas procurando “comprometer concretamente a vida” na caridade para com o pobre.

“Para servir de apoio aos pobres, é fundamental viver pessoalmente a pobreza evangélica” – revela o Papa. E para tal é necessário “testemunho e gestos de partilha”, lembrando “a todos o grande valor do bem comum” não esquecendo aqueles, “cuja humanidade é violada nas suas necessidades fundamentais”.

Na mão estendida o amor e a solidariedade

Para o Papa “estender a mão leva a descobrir, antes de tudo a quem o faz, que dentro de nós existe a capacidade de realizar gestos que dão sentido à vida”. A pressa da vida contemporânea cria alguma dificuldade em reconhecer o bem e “só quando acontecem factos que transtornam o curso da nossa vida é que os olhos se tornam capazes de vislumbrar a bondade dos santos «ao pé da porta» – diz Francisco recordando a sua Exortação Apostólica sobre a santidade.

O Santo Padre assinala que, por vezes, as “más notícias” parecem ofuscar o bem. E, no entanto, não obstante “a violência, a prepotência e a corrupção” há “respeito e generosidade, que não só compensam o mal, mas impelem a ultrapassá-lo permanecendo cheios de esperança” – lembra Francisco.

Desta forma, o sinal é “estender a mão”, “um sinal que apela imediatamente à proximidade, à solidariedade, ao amor” – diz o Papa. “Nestes meses, em que o mundo inteiro foi dominado por um vírus que trouxe dor e morte, desconforto e perplexidade, pudemos ver tantas mãos estendidas! A mão estendida do médico que se preocupa de cada paciente, procurando encontrar o remédio certo. A mão estendida da enfermeira e do enfermeiro que permanece, muito para além dos seus horários de trabalho, a cuidar dos doentes. A mão estendida de quem trabalha na administração e providencia os meios para salvar o maior número possível de vidas. A mão estendida do farmacêutico exposto a inúmeros pedidos num arriscado contacto com as pessoas. A mão estendida do sacerdote que, com o coração partido, continua a abençoar. A mão estendida do voluntário que socorre quem mora na rua e a quantos, embora possuindo um teto, não têm nada para comer. A mão estendida de homens e mulheres que trabalham para prestar serviços essenciais e segurança. E poderíamos enumerar ainda outras mãos estendidas, até compor uma ladainha de obras de bem. Todas estas mãos desafiaram o contágio e o medo, a fim de dar apoio e consolação” – escreve o Papa.

Proximidade e fraternidade em treino diário da consciência

Destaque especial na Mensagem do Papa para o Dia Mundial dos Pobres para a proposta de “treino diário” para sermos “instrumentos de misericórdia”. “Um treino diário, que parte da consciência de quanto nós próprios, em primeiro lugar, precisamos duma mão estendida em nosso favor”.

A pandemia chegou sem avisar e “apanhou-nos impreparados” – recorda Francisco sublinhando que “este período que estamos a viver colocou em crise muitas certezas. Sentimo-nos mais pobres e mais vulneráveis, porque experimentamos a sensação da limitação e a restrição da liberdade”.

Para Francisco “a perda do emprego, dos afetos mais queridos, como a falta das relações interpessoais habituais, abriu subitamente horizontes que já não estávamos acostumados a observar. As nossas riquezas espirituais e materiais foram postas em questão e descobrimo-nos amedrontados. Fechados no silêncio das nossas casas, descobrimos como é importante a simplicidade e o manter os olhos fixos no essencial. Amadureceu em nós a exigência duma nova fraternidade, capaz de ajuda recíproca e estima mútua”.

Assim, para o Santo Padre este é “um tempo favorável para voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo”. Assinalando aquilo que já tinha escrito na Encíclica Laudato Si, sobre o cuidado da casa comum, o Papa reafirma nesta Mensagem que a expressão “estende a tua mão ao pobre” é “um convite à responsabilidade”.

Mãos são instrumentos de justiça e paz

Francisco recorda S. Paulo quando diz: “Pelo amor, fazei-vos servos uns dos outros” e “ama o teu próximo como a ti mesmo”. E reforça a leitura do Livro de Ben-Sirá para salientar que não devemos fugir dos que choram e nem ser preguiçosos em visitar um doente.

A este propósito, o Papa lembra que são muitos os que “não se deixam comover pela pobreza” sendo indiferentes e sem generosidade. O Santo Padre aproveita esta Mensagem para denunciar os que estão sempre prontos a “deslocar somas de dinheiro” para “a riqueza de restritas oligarquias”. Refere também o tráfico de armas e a corrupção sublinhando a existência de uma “globalização da indiferença”.

“Não poderemos ser felizes enquanto estas mãos que semeiam morte não forem transformadas em instrumentos de justiça e paz para o mundo inteiro” – escreve o Papa.

“O objetivo de cada ação nossa só pode ser o amor” – diz o Papa no final da sua Mensagem para o Dia Mundial dos Pobres afirmando que o “amor é partilha, dedicação e serviço”. Francisco exorta os cristãos a viverem com “o estilo dos discípulos de Cristo” pois “um sorriso que partilhamos com o pobre é fonte de amor e permite viver na alegria”.

Laudetur Iesus Christus

Fonte: CIMI

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