Francisco: sete anos de pontificado

Viagens, Sínodos, documentos, reforma da Cúria Romana e cimeira inédita sobre abusos sexuais são algumas das marcas do pontificado.

Por Agência Ecclesia

O cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, então com 76 anos, entrou para o Conclave de 2013, a 12 de março, fora das listas de “papáveis” da maioria da imprensa e já a preparar-se para resignar ao cargo de arcebispo de Buenos Aires.

Já com as portas fechadas, na Capela Sistina, pelas 17h34 locais, começava a escolha do sucessor de Bento XVI, com uma primeira ‘fumata’ negra, como esperado, pelas 19h41, durante mais de cinco minutos, acompanhada por milhares de pessoas na Praça de São Pedro.

No dia seguinte, contudo, após o quinto escrutínio, começou a sair fumo branco da chaminé colocada sobre a Capela Sistina, pelas 19h06 locais; só mais de uma hora depois, pelas 20h22, seria possível ver de branco o Papa que escolhera o inédito nome de Francisco, primeiro pontífice jesuíta e também do continente americano.

papaamazonia1Jorge Mario Bergoglio nasceu na capital da Argentina a 17 de dezembro de 1936, filho de emigrantes italianos, e trabalhou como técnico químico antes de se decidir pelo sacerdócio, no seio da Companhia de Jesus (jesuítas), licenciando-se em filosofia antes do curso teológico.

Ordenado padre a 13 de dezembro de 1969, foi responsável pela formação dos novos jesuítas e depois provincial dos religiosos na Argentina (1973-1979).

João Paulo II nomeou-o bispo auxiliar de Buenos Aires em 1992 e foi ordenado bispo a 27 de junho desse ano, assumindo a liderança da diocese a 28 de fevereiro de 1998, após a morte do cardeal Quarracino.

O primaz da Argentina seria criado cardeal pelo Papa polaco a 21 de fevereiro de 2001, ano no qual foi relator da 10ª assembleia do Sínodo dos Bispos.

Destacou-se pelo papel desempenhado na V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e das Caraíbas, em 2007, evento inaugurado por Bento XVI, o então presidente da Conferência Episcopal Argentina realçou a presença do Espírito Santo nesse momento eclesial, que deveria inspirar em todos os batizados o apelo a constituir “uma Igreja missionária, adoradora e transformadora”.

A Rádio Vaticano apresentava o novo Papa como “pastor das pessoas pobres, voz do que não têm voz, rosto dos que não têm rosto”, que confessa na Catedral como um “padre normal” e não tem medo, enquanto bispo e cardeal, de se “confrontar com as instituições quando tem de de defender a dignidade humana”.

A imprensa internacional começou por destacar o perfil simples de um cardeal que andava de transportes públicos e cozinhava as suas refeições; o Papa era conhecido ainda por ter ajudado a modernizar a Igreja Católica na Argentina e pela sua influência teológica na América Latina, onde reside a maior percentagem de católicos no mundo.

A agência AICA, da Conferência Episcopal Argentina, lembra um bispo que colocou a arquidiocese de Buenos Aires em “estado de missão” e a levou a sair ao encontro “dos mais necessitados”.

Outros pormenores não demoravam a aparecer: “ex-basquetebolista, aficionado do tango”, “entusiasta pelos filmes de Tita Merello” (nome artístico da argentina Laura Ana Merello, 1904-2002), do “neorrealismo italiano” e simpatizante do San Lorenzo, equipe de futebol fundada por um padre.

Tem como lema episcopal ‘Miserando atque eligendo’, frase que evoca uma passagem do Evangelho segundo São Mateus: “olhou-o com misericórdia e escolheu-o”.

Último Papa não-europeu tinha sido eleito em 731

São Gregório III, da Síria, que liderou a Igreja Católica entre 731 e 741, era até 2013 o último Papa não-europeu. A lista de 264 Papas integra 11 pontífices nascidos no Médio Oriente (8) e África (3), até ao século VIII.

O Anuário Pontifício, do Vaticano, identifica 210 Papas do atual território italiano (109 de Roma), 16 da atual França, 11 gregos (todos até ao século VIII), seis sírios e cinco da Alemanha, o último dos quais Bento XVI.

O elenco inclui três pontífices oriundos do norte de África, quanto o território integrava o Império Romano, para além de dois naturais de Israel e Jerusalém, incluindo São Pedro.

Dois Papas da Dalmácia (atualmente Croácia), outros dois de Espanha e mais dois de origem “desconhecida” integram o elenco no qual se contam ainda representantes da Holanda, Inglaterra, Polônia e Portugal – O Papa João XXI.

Antes da eleição do polaco João Paulo II, em 1978, o último não-italiano escolhido tinha sido o holandês Adriano VI, em 1522.

Intervenção do Papa Francisco deixou, desde logo, várias mensagens fortes: “Sabeis que o dever do Conclave era dar um bispo a Roma: parece que os meus irmãos cardeais foram buscá-lo quase ao fim do mundo”.

O novo Papa surpreendeu os presentes ao pedir “um favor”, antes de dar a sua tradicional bênção neste encontro inicial, inclinando-se.

“Peço-vos que rezem ao Senhor para que me abençoe, a oração do povo pedindo a bênção pelo seu bispo. Façamos em silêncio esta oração”, declarou, conseguindo calar a multidão que se encontrava em festa há cerca de uma hora.

A primeira bênção seria, posteriormente, estendida a “todo o mundo, a todos os homens e mulheres de boa vontade”.

Igreja escolheu Papa com predecessor vivo pela 10ª vez na história

O Conclave de 2013 representou a décima ocasião na história da Igreja Católica em que os cardeais escolhem um novo Papa com o seu predecessor ainda vivo.

O início da Sé vacante – período entre a morte/renúncia do Papa e a escolha de um sucessor – nos mais de 260 pontificados tem sido geralmente motivado pelo falecimento do bispo de Roma: a resignação de Bento XVI é um acontecimento sem paralelo nos últimos séculos. O último caso de renúncia tinha sido o do Papa Gregório XII, em 1415

Cronologia

235 – Ponciano – Condenado a trabalhar em minas, na Sardenha, abdica do pontificado.

537 – Silvério – Obrigado a renunciar por Belisário, general bizantino, é exilado para a Ásia Menor.

649 – São Martinho I, eleito em 5 de julho, foi exilado após julgamento em Constantinopla, e obrigado a abdicar.

963 – João XII é deposto.

964 – Bento V é deposto.

1009 – João XVIII resigna, mas desconhecem-se os contornos históricos da decisão.

1044 – Bento IX renunciou voluntariamente ao pontificado, mas voltou a ser Papa noutras duas ocasiões.

1294 – Celestino V – Levou a cabo uma “investigação jurídica” sobre a possibilidade de renúncia do Papa, antes de apresentar a resignação, cinco meses após a sua eleição.

1415 – Gregório XII, no Concílio de Constança (Alemanha), apresenta a renúncia e abre caminho à eleição de Martinho V para eliminar divisão entre católicos que obedeciam ao Papa de Roma e ao ‘antipapa’ de Avinhão, fomentada por questões políticas.

2013 – Bento XVI renuncia devido à sua idade avançada, pelo “bem da Igreja”. O pontificado concluiu-se a 28 de fevereiro desse ano.

266 pontificados, 264 Papas

Francisco é o 50.º Papa da Igreja Católica nos últimos 500 anos, desde a escolha de Leão X a 19 de março de 1513.

O elenco dos 266 pontificados, a começar em São Pedro, considerado como o primeiro Papa, é publicado pelo Anuário Pontifício, do Vaticano, e engloba 264 nomes, dado que Bento IX (século XI) desempenhou esta missão em três ocasiões diferentes.

Há situações (sobretudo nos séculos X e XI) em que não é possível decidir, em absoluto, sobre a legitimidade dos Papas, por causa da dificuldade em fazer concordar os critérios históricos com os teológicos-canônicos, explica a publicação do Vaticano.

Entre os bispos de Roma encontra-se o português João XXI, falecido em 1277; algumas fontes identificam o Papa Dâmaso I (século IV) como sendo natural do atual território português.

Viagens e documentos

O Papa fez até hoje 32 viagens internacionais, nas quais visitou 49 países, passando pelo Brasil, Jordânia, Israel, Palestina, Coreia do Sul, Turquia, Sri Lanka, Filipinas, Equador, Bolívia, Paraguai, Cuba, Estados Unidos da América, Quênia, Uganda, República Centro-Africana, México, Armênia, Polônia, Geórgia, Azerbaijão, Suécia, Egito, Portugal, Colômbia, Mianmar, Bangladesh, Chile, Perú, Bélgica, Irlanda, Lituânia, Estônia, Letônia, Panamá, Emirados Árabes Unidos, Marrocos, Bulgária, Macedônia do Norte, Romênia, Moçambique, Madagascar, Maurícia, Tailândia e Japão; as cidades de Estrasburgo (França), onde esteve no Parlamento Europeu e o Conselho da Europa, Tirana (Albânia), Sarajevo (Bósnia-Herzegovina) e Lesbos (Grécia).

Entre os principais documentos do atual pontificado estão as encíclicas ‘Laudato si’, dedicada a questões ecológicas; a ‘Lumen Fidei’ (A luz da Fé), que recolhe reflexões de Bento XVI; as exortações apostólicas ‘Evangelii Gaudium’ (A alegria do Evangelho); ‘Amoris Laetitia’ (A alegria do amor), após as duas assembleias sinodais sobre a família; “Gaudate et Exsultate”, sobre o chamamento à santidade no mundo atual) e “Christus Vivit”, dedicado aos jovens, após o Sínodo de 2018; e “Querida Amazónia”, na sequência do Sínodo especial dedicado a esta região, em 2019.

Durante o seu pontificado, Francisco promoveu o Sínodo sobre a Família, em duas sessões (2014 e 2015), com consultas alargadas às comunidades católicas; o Sínodo sobre “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”, que contou com um a reunião pré-sinodal composta por quatro centenas de jovens de todo o mundo (2018); e o Sínodo especial para a Amazônia, no último mês de outubro.

O Papa promoveu ainda um Jubileu da Misericórdia (dezembro 2015-novembro 2016), terceiro ano santo extraordinário na história da Igreja Católica, durante o qual canonizou Madre Teresa de Calcutá, e um Ano da Vida Consagrada.

A reforma da Cúria Romana, com a ajuda de um Conselho de Cardeais dos cinco continentes, já levou à criação de dois dicastérios (Leigos, a Família e a Vida; para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral) e de várias medidas na administração econômico-financeira da Santa Sé e do Estado do Vaticano.

"Um mundo rico e uma economia vibrante podem e devem acabar com a pobreza. Podem ser geradas e estimuladas dinâmicas capazes de incluir, alimentar, curar e vestir os últimos da sociedade, em vez de os excluir. Devemos escolher ao quê e a quem dar prioridade: se promovemos mecanismos socioeconómicos humanizadores para toda a sociedade ou, pelo contrário, incentivamos um sistema que acaba por justificar certas práticas que só conseguem aumentar o nível de injustiça e violência social. O nível de riqueza e técnica acumulado pela humanidade, assim como a importância e o valor que os direitos humanos adquiriram, já não permitem desculpas". do Papa Francisco aos participantes no Simpósio “Novas formas de fraternidades solidária”, 5 de fevereiro de 2020

Fonte: Agência Ecclesia

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