Trabalho escravo no Brasil

Ainda hoje, estima-se que mais de 160 mil trabalhadores, tanto negros, afrodescendentes e também brancos, pobres, são submetidos à condição análoga ao do trabalho escravo.

Por Juacy da Silva*

O Brasil durante quase quatro séculos, desde o período colonial, passando pelo Império e chegando até as vésperas da proclamação da República, em 1888, teve sua economia baseada na exploração do trabalho escravo, quando mais de 10 milhões de negros e negras foram comprados e trazidos para executarem todos os tipos de trabalho, deixando uma mancha indelével e vergonhosa em nossa história, chegando até a atualidade em sucessivas gerações de afrodescendentes, que ainda pagam um alto preço na forma de exclusão social, econômica e política, em manifestações racistas abertas ou disfarçadas e na vitimização pela onda de violência tão presente em nosso país na atualidade.

empresas-envolvidas-trabalho-escravoSó o trabalho, digno, com remuneração justa é que permite não apenas a sobrevivência, mas também a mobilidade social, o progresso, a melhoria do nível de vida e o sustento da família do trabalhador e oferece as condições da plena realização e libertação do ser humano.

Boa parte, para não dizer a maior parte das fortunas de usineiros, mineradores, cafeicultores e demais ciclos econômicos foram construídas sobre o suor, o sangue e o desrespeito à dignidade dos afrodescendentes e de outros trabalhadores submetidos a esta ignomínia que é o trabalho escravo ou em condições análogas à escravidão.

Ainda hoje, estima-se que mais de 160 mil trabalhadores, tanto negros, afrodescendentes e também brancos, pobres, são submetidos à condição análoga ao do trabalho escravo tanto em setores como de construção civil, emprego doméstico quanto em atividades extrativistas, agropecuárias e outras mais.

O trabalho escravo atualmente é considerado crime, definido pelo artigo 114 do Código Penal, mas ante à precariedade de quadros e mecanismos de fiscalização ou da omissão e conivência dos organismos públicos que devem fiscalizar esta prática nefasta que ainda está presente em nosso pais, ainda convivemos com esta realidade tão cruel, o que não deixa de ser uma vergonha para o Brasil.

Conforme a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e a CPT (Comissão Pastoral da Terra), em 28 de janeiro, o Brasil celebra o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. A data é uma homenagem ao assassinato dos auditores fiscais do trabalho Erastóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva, e o motorista Ailton Pereira de Oliveira, no ano de 2004, quando apuravam denúncia de trabalho escravo na zona rural de Unaí (MG).

Apesar de já terem se passado mais de 15 anos este crime, da mesma forma que tantos outros crimes definidos como de exploração do trabalho escravo em nosso país, ainda continua impune, em decorrência da lentidão tanto das medidas investigativas quanto da tramitação dos processos no sistema judiciário.

Em 2014 foi apresentada a PEC 438/01 que acabou sendo aprovada no Congresso Nacional e homologada como Emenda Constitucional 81/2014, cujo texto prevê a desapropriação de imóveis urbanos ou rurais onde seja constatada a prática de trabalho em condições análogas ao trabalho escravo. Houve até mesmo um avanço com a aprovação da chamada lista suja de empresários que desrespeitam a legislação e praticam trabalho escravo.

Ainda de acordo com a CNBB, “A Igreja do Brasil está atenta à realidade do tráfico humano. Prova disso, é que a Campanha da Fraternidade de 2014 teve como tema “Fraternidade e Tráfico Humano” e lema “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1). “A partir do trabalho e da reflexão dentro da CNBB, e do Conselho de Pastoral, foi aprovado para a Campanha da Fraternidade de 2014, tratar do trabalho escravo, por sua vez, ligado ao tráfico humano. Então nós vamos trabalhar na Campanha essas duas propostas: a denúncia do tráfico de pessoas e trabalho escravo, e todas as consequências que essas denúncias trazem para a Igreja”, explicou padre Ari. De acordo com a secretária do Grupo de Trabalho (GT) de Enfrentamento ao Tráfico Humano, da CNBB, irmã Claudina Scapini, o trabalho escravo é uma entre as modalidades do tráfico humano. “O trabalho escravo, a exploração sexual, o tráfico de órgãos, e a adoção irregular, são, para nós, as grandes modalidades do tráfico de seres humanos”, afirmou.”

Quanto à Emenda Constitucional praticamente continua como letra morta ou como se diz: “para inglês ver” e quanto a lista suja dos modernos escravocratas, por pressão da bancada ruralista e uma arguição de inconstitucionalidade, por decisão do STF a mesma foi suspensa, abrindo caminho para esta prática nefasta e para a impunidade em relação a este absurdo que é o trabalho escravo possam continuar presentes em nossas relações de trabalho.

No momento em que o Brasil está empenhado em aderir e participar da OCDE, com certeza a presença de trabalho escravo, da mesma forma que o desrespeito às normas e cuidados ambientais por certo irão dificultar sobremaneira este objetivo do governo brasileiro.

Neste dia 28 de janeiro, dedicado à reflexão em relação aos malefícios do trabalho escravo, pouco ou quase nada temos a comemorar, pois esta prática infame continua presente no meio rural brasileiro. O trabalho escravo é também um ato de violência e uma grave violação dos direitos humanos dos trabalhadores.

Estamos em pleno 2020, cabe então o questionamento: até quando vamos conviver com esta situação?

Juacy da Silva é professsor universitário, titular, fundador e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email profjuacy@yahoo.com.br Twitter@profjuacy Blog www.professorjuacy.blogspot.com

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