Cacareco, o candidato

Resgate de uma experiência política.

Por Carlos Roberto Marques

Era outubro de 1959; lá se vão 59 anos. Realizavam-se naquele ano as eleições municipais e o povo já vinha decepcionado com o comportamento dos políticos. Não havia ainda urna eletrônica; o voto era em cédula de papel que, nas sessões eleitorais, era colocada em envelope e depositada nas urnas. Em geral, os próprios candidatos e partidos imprimiam tais cédulas, num papel de baixa qualidade, de tamanho aproximado de 8x12 cm, onde constavam apenas o cargo e o nome do candidato, e eram distribuídas nas ruas, pelos cabos eleitorais e às vezes pelos próprios candidatos.

cacareco1Voto de protesto
A ideia do protesto, atribuída a um jornalista, foi imprimir milhares de cédulas com o nome de um animal que acabara de chegar ao zoológico de São Paulo, por empréstimo do zoológico do Rio de Janeiro; seu nome, Cacareco. As cédulas indicavam o cargo: Vereador. E não seria de nenhum vilarejo rural, mas da maior cidade do Brasil e uma das maiores do mundo, São Paulo. Apesar desse nome, era uma fêmea de rinoceronte com cerca de cinco anos de idade, que virara atração pela ampla divulgação de sua chegada.

Obviamente que seus votos foram considerados nulos, porque a “candidata” não estava inscrita. Porém, numa contagem aproximada, sua votação atingiu a marca histórica, cerca de 100 mil votos. Para se ter uma ideia do que isto significa, consta que o partido mais votado, no conjunto de seus candidatos, não chegou a 95 mil votos. No total, foram perto de 450 concorrentes.

Consequências
A classe política já motivou outros votos de protesto; mas a experiência com Cacareco não teria consequências danosas, apenas serviu para que o povo externasse sua insatisfação e sua falta de confiança. Diferentemente, nas eleições atuais, em que o voto também não está sendo dado por opção a um, mas por rejeição a outro, o mais votado desta vez vai tomar posse. A mesma pesquisa que indicava o candidato à Presidência como favorito no primeiro turno, colocava-o como o mais rejeitado pelos eleitores. Será, provavelmente, mais um fenômeno eleitoral, a exemplo do que aconteceu com Cacareco.

Ainda que sujeito a erros, o povo é soberano. Sua vontade deve prevalecer e as leis devem ser observadas. O que se espera é que os regularmente eleitos sejam empossados, queiram e possam concretizar seus programas e cumprir suas promessas, tal como foram apresentados em suas campanhas, e o Brasil seja colocado num curso de desenvolvimento, estabilidade econômica, social e política, com progresso, segurança e bem-estar para toda sua gente. Que cada brasileiro assuma seu papel de cidadão, solidário e fraterno, como é de sua índole, e fiel cumpridor da lei, como é sua obrigação.

Carlos Roberto Marques é Leigo Missionário da Consolata (LMC), bacharel em Direito pela USP e membro da equipe de redação.

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