Marielle e a intervenção federal no Rio de Janeiro

A banda podre da po­lícia es­ta­dual, te­mendo que a in­ter­venção co­lo­casse seus ex­po­entes na cadeia, teria atentado contra a vereadora para de­sa­cre­ditar dita in­ter­venção.

Por Celso Lungaretti

O de­sen­rolar das in­ves­ti­ga­ções po­li­ciais com­prova o acerto da pos­tura cau­te­losa ado­tada por nós quando tudo que havia sobre a exe­cução da ve­re­a­dora Ma­ri­elle Franco eram hi­pó­teses, ge­ral­mente for­mu­ladas com viés ten­den­cioso, pois o que seus au­tores vi­savam era, com exer­cí­cios de re­tó­rica, atri­buir a priori a culpa àqueles de quem não gostam.

Hoje todos os in­dí­cios apontam na mesma di­reção: a banda podre da po­lícia es­ta­dual, te­mendo que a in­ter­venção fe­deral co­lo­casse seus ex­po­entes do lado de dentro das celas, atentou contra Ma­ri­elle para de­sa­cre­ditar dita in­ter­venção.

E o fez em con­junto com os mi­li­ci­anos que, aliás, são gê­meos si­a­meses dos cor­ruptos que ainda per­ma­necem na folha de pa­ga­mento do Es­tado. Afora os mais do que fre­quentes casos de dupla mi­li­tância...

mariellefranco1Pa­recem-me ir­re­fu­tá­veis as con­clu­sões do jor­na­lista e blo­gueiro Jo­sias de Souza em post deste sá­bado (17), Di­gi­tais do Es­tado abundam na morte de Ma­ri­elle:

"...​as ima­gens cap­tadas por câ­meras ao longo do tra­jeto de Ma­ri­elle vão dis­si­pando as in­cer­tezas. Já não há a mais re­mota dú­vida de que Ma­ri­elle e seu mo­to­rista foram pas­sados nas armas com mé­todo. Coisa de pro­fis­si­o­nais. (...) A pró­pria Po­lícia Civil flu­mi­nense in­formou aos es­ca­lões su­pe­ri­ores que sua prin­cipal linha de in­ves­ti­gação é a se­guinte: a exe­cução foi pla­ne­jada e exe­cu­tada por po­li­ciais ou ex-po­li­ciais que atuam em mi­lí­cias.

Es­con­didos num carro es­ta­ci­o­nado atrás do veí­culo de Ma­ri­elle, os as­sas­sinos po­de­riam ter dis­pa­rado contra ela na Rua dos In­vá­lidos, na saída do so­brado em que a ve­re­a­dora se reuniu com um grupo de mu­lheres ne­gras. Mas fi­zeram questão de os­tentar a pró­pria des­treza. Se­guiram o alvo por cerca de 15 mi­nutos, em dois carros. Um deles em­pa­re­lhou com o veí­culo em que es­tava Ma­ri­elle. Os vi­dros es­curos não pre­ju­di­caram a pon­taria di­re­ci­o­nada para vulto aco­mo­dado no banco de trás.

In­ter­venção fe­deral era o alvo por trás de Ma­ri­elle?

Se as sus­peitas dos in­ves­ti­ga­dores es­ti­verem cor­retas, Ma­ri­elle e An­derson foram exe­cu­tados com as balas fe­de­rais (des­vi­adas) da PF, dis­pa­radas por ma­ta­dores ainda pen­du­rados na folha es­ta­dual ou as­sas­sinos que apro­veitam o trei­na­mento que re­ce­beram às custas do Es­tado para em­pre­ender no ramo da bar­bárie.

Em por­tu­guês claro: a menos que as apu­ra­ções so­fram uma re­vi­ra­volta, há uma enorme pro­ba­bi­li­dade de emergir das in­ves­ti­ga­ções um as­sas­si­nato, por assim dizer, es­tatal.

Em lin­guagem ainda mais clara: na guerra que Temer de­fla­grou ao as­sinar o de­creto de in­ter­venção, em 16 de fe­ve­reiro, o pri­meiro ini­migo a ser en­fren­tado é o ban­dido do­més­tico, in­fil­trado nas forças de se­gu­rança do Es­tado".

E se as apu­ra­ções não so­frerem tal re­vi­ra­volta, acres­cento eu, o quadro que se de­senha é de­vas­tador para nossa es­querda des­vir­tuada (a es­querda que de­sistiu de fazer a re­vo­lução e só pensa em vencer a eleição pre­si­den­cial para re­cu­perar suas bo­qui­nhas e bo­conas, dei­xando o povo à mercê dos ex­plo­ra­dores de sempre, pois na de­mo­cracia bur­guesa quem manda é o poder econô­mico en­quanto os três po­dres Po­deres fazem fi­gu­ração).

Assim é que, ten­tando tirar das forças go­ver­nistas um pos­si­vel­mente im­por­tante trunfo elei­toral, a es­querda des­vir­tuada apontou toda a sua ar­ti­lharia contra a in­ter­venção, fa­zendo exa­ta­mente o que dela es­pe­ravam os ban­didos da po­lícia es­ta­dual e das mi­lí­cias. Ser jo­guete dessa es­cória é uma hu­mi­lhação ex­trema!

In­fe­liz­mente, para os que per­ma­ne­cemos na es­querda por ide­a­lismo e não por in­te­resse não há opção con­for­tável no caso do Rio de Ja­neiro.

De um lado o con­trole mi­litar dos morros, do outro lado o con­trole cri­mi­noso da so­ci­e­dade. Apoiar o pri­meiro im­plica co­o­nestar o uso ex­ces­sivo da força e fa­vo­recer o au­to­ri­ta­rismo. Apoiar o se­gundo é deixar o povo sub­ju­gado a gângs­teres, atin­gido por balas per­didas ou fogos cru­zados, im­po­tente di­ante de es­qua­drões da morte.

O co­me­zinho bom senso nos in­dica que o pior ce­nário é o de o Brasil se tornar algo como a Colômbia do tempo em que o Cartel de Me­dellín e o Cartel de Cali eram os po­deres su­premos da­quela re­pú­blica.

O fra­casso da in­ter­venção fe­deral seria de­sas­troso, porque daria ao Es­tado do Crime a cer­teza de que ele tudo pode, ani­mando-o a alçar voos ainda mais altos. Aca­ba­remos sub­me­tidos a al­guma versão bra­zuca do Pablo Es­cobar, talvez o Ca­pitão Gui­ma­rães...

Por­tanto, apesar de todas as res­salvas que lhe fa­zemos, é me­lhor que a in­ter­venção fe­deral re­sulte e que os Gui­ma­rães sejam de­tidos antes de cres­cerem de­mais.

O papel da es­querda, ra­ci­o­ci­nando como es­querda e não mo­vida por con­ve­ni­ên­cias elei­to­reiras, de­veria ser o de exercer atenta vi­gi­lância sobre a atu­ação do Exér­cito, de­nun­ci­ando ex­cessos e pro­te­gendo o povo, mas não o de le­vi­a­na­mente con­correr para a sua der­rota, pois as con­sequên­cias tendem a ser as mais in­de­se­já­veis pos­sí­veis.

Celso Lun­ga­retti é jor­na­lista. Blog: Náu­frago da Utopia.

Fonte: Correio da Cidadania

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