Papa Francisco e economia: "é preciso mudar de sistema"

É preciso “mudar as regras do jogo do sistema econômico-social”, não se limitar a imitar o bom samaritano.

Por Luca Kocci

O Papa Francisco encontrou-se no dia 4 de fevereiro, no Vaticano, com cerca de mil participantes do encontro “Economia de Comunhão” (movimento nascido dentro da experiência dos Focolares de Chiara Lubich, fundado no Brasil em 1991), que ocorreu até o domingo em Castel Gandolfo e aproveitou a oportunidade para falar de novo dos males do capitalismo.

Sem sugerir a sua superação – aliás, toda a doutrina social da Igreja se move em uma ótica interna ao sistema capitalista –, mas denunciando as suas disfunções e propondo um reformismo radical, porque, “quando o capitalismo faz da busca do lucro o seu único propósito, corre o risco de se tornar uma estrutura idólatra, uma forma de culto”. “Não por acaso – lembrou o papa – a primeira ação pública de Jesus, no Evangelho de João, é a expulsão dos mercadores do templo.”

papamanausrebeliaoOs “mercadores” de hoje são mais espertos e cínicos. “O capitalismo continua produzindo os descartes que, depois, gostaria de tratar. O principal problema ético desse capitalismo é a produção de descartes para, depois, tentar escondê-los ou tratá-los para que não sejam mais vistos”, disse Francisco.

“Os aviões poluem a atmosfera, mas com uma pequena parte do dinheiro do bilhete vão plantar árvores, para compensar parte do dano criado. As sociedades do jogo financiam campanhas para tratar os jogadores patológicos que elas criam. E, no dia em que as empresas de armas financiarem hospitais para tratar as crianças mutiladas pelas suas bombas, o sistema terá alcançado o seu clímax. Essa é a hipocrisia.”

O cenário delineado pelo papa não é futurista, mas já em curso há algum tempo. Até alguns anos atrás, por exemplo, a Finmeccanica, a principal indústria armamentista italiana, financiava o projeto Dream da Comunidade de Santo Egídio, um programa contra a fome e pela prevenção e tratamento da Aids na África, onde acaba uma discreta parcela das armas italianas. E também não é necessário se afastar da colunata de São Pedro, já que o Deutsche Bank, em primeiro lugar no ranking dos “bancos armados” que fazem negócios com as indústrias armamentistas italianas, é um dos bancos de apoio do Vaticano.

Não se trata, de acordo com Francisco, de “tratar as vítimas”, mas de “construir um sistema em que as vítimas sejam cada vez menos, em que possivelmente elas não existam mais”. Como? Visando a “mudar as regras do jogo do sistema econômico-social”, porque “imitar o bom samaritano do Evangelho não é suficiente”.

É claro, acrescentou o papa, “quando o empresário ou qualquer pessoa se depara com uma vítima, é chamado a cuidar dela e talvez, como o bom samaritano, também associar o mercado (o hoteleiro) à sua ação”, mas “é preciso agir acima de tudo antes que o homem se depare com os ladrões, combatendo as estruturas de pecado que produzem ladrões e vítimas”.

O sistema é reformável? O próprio Francisco parece ter algumas dúvidas: “O capitalismo conhece a filantropia, não a comunhão. É simples doar uma parte dos lucros, sem abraçar e tocar as pessoas que recebem essas ‘migalhas’”, disse ele no fim do seu discurso, dirigido mais aos fiéis individuais do que às instituições econômicas e políticas: “O melhor e o mais concreto modo para não fazer do dinheiro um ídolo é compartilhá-lo, compartilhá-lo com os outros, especialmente com os pobres, ou para fazer com que os jovens estudem e trabalhem, vencendo a tentação idolátrica”, disse ele, dirigindo-se aos aderentes da Economia de Comunhão.

Uma coisa, porém, pode ser feita de imediato, esta também em nível político: combater a evasão fiscal. A solidariedade, afirmou o papa, “é negada pela evasão e pela fraude fiscais, que, antes de serem atos ilegais, são atos que negam a lei basilar da vida: o socorro recíproco”.

Poucas horas antes da audiência, no centro de Roma, apareceram dezenas de cartazes de protesto contra o Papa Francisco. Uma foto do rosto de Bergoglio particularmente franzido, com uma frase escrita no dialeto romano: “A France’ [algo como “Ô Chico”, em português], tu comissariaste Congregações, removeste sacerdotes, decapitaste a Ordem de Malta e os Franciscanos da Imaculada, ignoraste cardeais... mas onde está a tua misericórdia?”. Anônimos como os pasquins de antiga memória, mas a assinatura parece evidente: setores eclesiais conservadores e grupos integralistas críticos da linha pastoral do papa.

Fonte: Il Manifesto

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