Transposição do São Francisco: o elefante branco nordestino?

João Suassuna, engenheiro agrônomo analisa que a transposição do São Francisco nunca deveria ter sido uma prioridade.

Por João Vitor Santos

“Estou apostando e quero que esse projeto saia e que seja oferecido para a sociedade para fins de abastecimento, pois não vai ter volume para tudo. Com todos esses usos que se quer, esse projeto se transformaria no futuro num grande elefante branco”, alerta o pesquisador

João Suassuna é nordestino. O engenheiro agrônomo, e sobrinho do escritor Ariano Suassuna, destaca que essa relação com o nordeste o faz acompanhar há mais de 20 anos as discussões em torno das alternativas para amenizar a secura dessas terras. Para ele, a transposição do Rio São Francisco nunca deveria ser tida como prioridade. “Eles (técnicos da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC) chegaram à conclusão, já em 2004, que o São Francisco tem uma séria limitação para fornecimento de volumes para um projeto de transposição”, destaca em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line. Segundo ele, foi por isso que o grupo pensou em alternativas. “O nordeste teria que construir uma infraestrutura hídrica no setentrional para buscar as águas que já existem na região. A região tem 70 mil represas”, aponta.

joaosuassunaSuassuna ainda destaca que mesmo com todo investimento, há nordestinos que não verão uma gota do São Francisco. “É a chamada população difusa, que vive nos pés de serras, são pessoas que são assistidas por frotas de caminhões pipa e que continuarão nessas condições porque não há uma adutora da transposição prevista”, explica.

Com muito menos recurso do que a transposição, outros projetos tentam dar conta das demandas dessa população através da construção de cisternas. Para o pesquisador, aliando as duas frentes, o primeiro projeto “resolveria o problema de abastecimento em municípios de até cinco mil habitantes e esse programa de construção de cisternas resolveria o problema do abastecimento da população difusa”.

Entretanto, fato é que – por questões políticas - venceu e está sendo implementado o projeto de transposição do Rio São Francisco. “Eu lamento muito porque estão fazendo um projeto dessa envergadura num rio que não tem a mínima condição de fornecimento desses volumes, custando mais do que o dobro do que a alternativa”, completa Suassuna. Mas o que fazer? O pesquisador entende que a saída é fiscalizar de cima as obras e apontar qualquer mau uso do dinheiro público ou peripécias das empresas que realizam a obra. Hoje, segundo ele, é preciso torcer que, já que está se investindo tanto nesse projeto, se faça do São Francisco uma fonte para abastecimento humano. “Agora, estou apostando e quero que esse projeto saia e que seja oferecido para a sociedade para fins de abastecimento, pois não vai ter volume para tudo (irrigação e geração de energia)” sinaliza.

João Suassuna é engenheiro agrônomo, pesquisador da fundação Joaquim Nabuco, no Recife, e especialista em convivência com o semiárido.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - O senhor acompanha os debates sobre a transposição do Rio São Francisco há mais de 20 anos. Como avalia o projeto? Por que e como a transposição se tornou uma alternativa para combater a seca no nordeste?

João Suassuna - Estou envolvido nos debates da transposição desde o governo de Fernando Henrique Cardoso. Ele veio ao nordeste com sua comitiva, foi até a bacia do São Francisco, pegou um pouco da água e disse que o Rio era generoso e que não haverá de secar, porque o povo pegaria sua água só um pouquinho ali, outro aqui.

Acabei pegando essa visão do ex-presidente e fiz meu primeiro artigo, em 1995, criticando tal perspectiva. É preciso entender que o São Francisco é um rio de muitos usos e ele tem uma grave limitação de fornecimento de volumes. Tem 60% de sua bacia em geologia cristalina, onde nesse tipo de geologia seus tributários (tributário, em Geografia, é um termo que designa um curso de água que deposita suas águas em outro rio ou lago) secam em determinada época do ano e deixa de mandar água para o Rio, que tem uma limitação de vazão.

A vazão média do São Francisco é de 2,8 mil metros cúbicos por segundo. Se traçarmos um paralelo com o Rio Tocantins, por exemplo, que é da Bacia Amazônica, que tem a mesma área de bacia do São Francisco, 640 mil quilômetros quadrados, vermos que tem cinco vezes mais volume. Pois é um rio que corre no sedimentário, tem muita água e seus tributários são perenes. Ai está a diferença. O São Francisco é um rio hidrologicamente pobre.

A ideia da transposição

Em agosto de 2004, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC realizou uma reunião internacional no Recife, reunindo pesquisadores da Europa que mostraram para nós suas experiências de transposições de bacias. Os técnicos da SBPC, os 40 expoentes da hidrologia nacional, partiram dos exemplos apresentados e foram pesquisar os volumes, as minúcias do São Francisco. Eles chegaram à conclusão, já em 2004, que o São Francisco tem uma séria limitação para fornecimento de volumes para um projeto de transposição dessa envergadura.

Para se ter ideia, se concluiu em 2004 que o Rio, para fins consultivos (quando se retira água de um manancial e essa não retorna), só dispunha de 25 metros cúbicos por segundo. Isso para atender um projeto que vai necessitar de uma média de 65 metros cúbicos por segundo. Diante desse cenário, os técnicos destacaram que era preciso uma proposta alternativa, pois se falava no abastecimento de 12 milhões de pessoas no nordeste e mais 350 mil hectares para irrigar.

A alternativa

Assim, nessa reunião de 2004, os técnicos da SBPC fizeram a proposta de que o nordeste teria que construir uma infraestrutura hídrica no setentrional para buscar as águas que já existem na região. São as águas interiores do nordeste, pois a região tem 70 mil represas. Essas represas acumulam um potencial de 37 bilhões de metros cúbicos. É o maior volume de água represada em regiões semiáridas do mundo, e tudo isso está aqui no nordeste brasileiro. Foi assim que os técnicos pensaram numa proposta de buscar essa água e fornecer para população por meio de tubulações, visando o abastecimento das pessoas. Essa proposta existe e consta em relatório.

Desenvolvendo a alternativa

Além disso, em janeiro de 2006, a Agência Nacional de Águas – ANA, se baseando nas informações dessa reunião, fez uma proposta chamada Atlas Nordeste de Abastecimento Urbano de Água. O projeto previa a elaboração de uma estrutura para buscar essas águas que já existem no interior do nordeste e distribuir em municípios de até cinco mil habitantes. Era uma proposta bem mais abrangente, pois visava o abastecimento de 34 milhões de pessoas. O projeto de Transposição do São Francisco visa apenas o abastecimento de 12 milhões de pessoas.

E pasme: o projeto da ANA tinha menos da metade do custo previsto para a transposição em 2004, que na época era de seis bilhões de Reais. O projeto da ANA era de cerca de três bilhões de Reais. Ou seja: um projeto que custaria a metade e com uma abrangência muito maior.

As decisões

O curioso é que quando chegou a hora dessas propostas serem todas apresentadas ao Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, para buscar financiamento, venceu a transposição do São Francisco. Isso eu lamento muito porque estão fazendo – mais de 70% dos canais estão prontos – um projeto dessa envergadura num rio que não tem a mínima condição de fornecimento desses volumes, custando mais do que o dobro do que a alternativa. Hoje, o custo da transposição está orçada em pouco mais de 8 bilhões de Reais. Observe como esse Atlas Nordeste, no projeto da ANA, resolveria o problema de 34 milhões de pessoas em município de até cinco mil habitantes.

Complementação à alternativa

Entretanto, ainda existe uma população no nordeste que não vai ver uma gota de água do São Francisco. É a chamada população difusa, que vive nos pés de serras, nos sítios e pequenas propriedades, são pessoas que são assistidas por frotas de caminhões pipa e que continuarão nessas condições porque não há uma adutora da transposição prevista para levar uma só gota. Pensando nessa população difusa, existe uma instituição não-governamental, a Articulação do Semiárido – ASA Brasil, que congrega o trabalho de 600 outras Ong’s que tem sua atuação voltada para a convivência com o semiárido.

A ASA Brasil, juntamente com o Ministério de Desenvolvimento Social, elaborou um projeto de construção de cisternas rurais de placas. Essas cisternas têm 16 mil litros, são construídas nos oitões das casas para aproveitar as águas que caem das chuvas, e garantem água de boa qualidade para beber e cozinhar – não pode ser para outro uso, se não, entra em exaustão – para uma família de cinco pessoas nos oito meses sem chuva na região. Assim, está resolvido o problema para essa população que giram em torno de 12 milhões de pessoas.

Então, veja: com o Atlas Nordeste se resolveria o problema de abastecimento em municípios de até cinco mil habitantes e essa programa de construção de cisternas da ASA Brasil resolveria o problema do abastecimento da população difusa.

IHU On-Line - Mas nenhum dos projetos é realidade hoje?

João Suassuna – Somente o da ASA Brasil é realidade. Hoje, da meta de um milhão de cisternas já deve haver algo em torno de 700 mil em funcionamento. E para essa população difusa, a ASA Brasil está desenvolvendo também uma segunda água. É uma cisterna produtiva, maior, volumetricamente falando, com 52 mil litros e construída no campo para irrigar as culturas.

É construída uma espécie de grande calçada para captação da água da chuva, a chamada calçadão. No semiárido chove até 800 milímetros, volume suficiente para encher essa cisterna e aguar a horta. Assim, temos a água para o campo e também para beber, captada nos oitões de casa.

Com essas iniciativas, o problema da seca no nordeste estaria resolvido. Mas não, foram atrás do projeto mais caro de transposição que hoje está aí com as obras atrasadas. 70% dos canais já foram construídos e temos notícias de vazamentos.

IHU On-Line - Como compreender a opção por esse projeto mais caro? Que relação política podemos estabelecer com essa opção?

João Suassuna - As autoridades colocaram na cabeça que a água é um bem natural infinito, portanto pode ser usada a bel prazer. Isso não pode ser encarado assim! O Brasil é um país riquíssimos em água, 12% da água que escoa superficialmente no planeta está no Brasil, mas tem limitações sérias de distribuição dessa água. 73% dos volumes nacionais estão na Bacia Amazônica, uma região com pouca gente, menos de 7% da população nacional está lá.

No sul e sudeste temos algo em torno de 19% e no nordeste 3%, dos quais dois terços na Bacia do Rio São Francisco. Não foi por acaso que as autoridades quiseram ir atrás dessa água. Mas, por um lado, esqueceram que o Rio São Francisco não tinha a menor condição de fornecer esses volumes que se esperava.

Por outro lado, foi a oportunidade que o Governo Lula teve de investir no nordeste brasileiro. São 8,2 bilhões de Reais. Onde é que ia conseguir esse dinheiro? Nunca um presidente da República teve a oportunidade de empurrar 8,2 bilhões de Reais para o nordeste brasileiro. Só que o lado que ele enxergou foi o financeiro e não pode ser dessa forma. Observe que coisa maluca: empurraram 8,2 bilhões de Reais num projeto em um rio que não tem, hoje, condições sequer de gerar energia, não tem volumes para isso.

Agora, estou apostando e quero que esse projeto saia e que seja oferecido para a sociedade para fins de abastecimento, pois não vai ter volume para tudo.

IHU On-Line – Então, o senhor defende o uso apenas para o abastecimento da população, abandonando os usos para irrigação de culturas e geração de energia?

João Suassuna - Sim. Seria uma incompetência muito grande do governo ao aplicar 8,2 bilhões de Reais em projeto no qual o Rio não tem volume sequer para gerar energia. Com todos esses usos que se quer, esse projeto se transformaria no futuro num grande elefante branco. Então, como aplicaram muito dinheiro nisso, estou rezando para que esse projeto saia e seja inaugurado.

Agora, para o uso dessas águas é preciso outro trabalho muito sério. Os hidrogeólogos têm de entrar em campo para avaliar a verdadeira demanda hídrica do nordeste, mas com fins de abastecimento humano. É preciso, assim, chegar a um volume demandante para esse fim. É um trabalho que também precisa ser feito em toda a Bacia do São Francisco para se saber que volumes o Rio pode fornecer.

Uma vez chegado a esse volume, que não sei de quanto vai ser, tem-se determinar uma instituição isenta de ingerências políticas para fazer a gestão desse uso das águas. Uma instituição como hoje está a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco - Codevasf para gerenciar as águas do São Francisco é colocar a raposa dentro do galinheiro. Hoje, é a instituição que cuida da irrigação das áreas cultivadas do Vale do São Francisco. E ela tem o poder de gerenciamento da água. Não pode ser assim, tem de ser uma instituição que não sofra com ingerências políticas, pois, se não, vão tirar o restinho de água do Rio, acabando de matar o São Francisco.

IHU On-Line - Em janeiro, o tribunal de Contas da União apontou uma série de negligências no Programa de Revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, que podem levar ao assoreamento do Rio. Qual a importância do Programa? Por que vem sendo negligenciado?

João Suassuna – O São Francisco é um rio de barranco e retiraram a mata ciliar, que fica nesses barrancos, para usar como lenha para fazer carvão, nos vapores que cruzavam o São Francisco. Ao retirar toda essa vegetação, começou a ocorrer o desbarranqueamento do Rio e todo esse solo foi carreado para o leito. Houve o assoreamento e hoje há a necessidade de revitalizar isso tudo.

Outro detalhe: todos os esgotos das cidades que estão margeando o São Francisco são despejados in natura no Rio. A grande Belo Horizonte, para se ter ideia, coloca seus esgotos dentro do Rio das Velhas, que, por sua vez, é um afluente do São Francisco. Assim, essa água está chegando no leito do São Francisco em péssima qualidade. A mesma água que querem que abasteça 12 milhões de pessoas. O nordeste não tem sistemas confiáveis de tratamento de esgoto.

Temos que partir para revitalizar tudo isso, plantando a vegetação que foi arrancada e resolvendo os problemas de esgotamento sanitário. E para isso se demanda muito dinheiro e tempo. E aí está o problema. Aonde vão pegar recursos para fazer uma obra dessa magnitude, já o Governo estando sem recursos para terminar a obra de transposição? Tudo isso tem levado o Governo a ficar omisso com relação a esse plano de revitalização.

IHU On-Line - Recentemente, em Cabrobó, Pernambuco, houve um vazamento no canal que faz a transposição. Qual sua avaliação quanto a qualidade da obra?

João Suassuna – Percebemos que as empreiteiras contratadas para fazer a transposição entraram de peito aberto no projeto sem ter conhecimento de causa com relação ao meio ambiente da região. Há um escudo cristalino (tipo de geologia onde as rochas, que dão origem ao solo, estão com alguns pontos aflorados na superfície, deixando o solo ralo e com escoamento muito intenso, com pouca infiltração de água) em mais de 70% da área. Praticamente não temos águas de subsolo aqui na região e as que temos, nas fraturas das rochas, são muito salinizadas. As águas da chuva, quando batem nesse tipo de substrato, se mineralizam com muita facilidade, deixando a água salobra (aquela que apresenta mais sais dissolvidos que a água doce e menos que a água do mar).

As empreiteiras não tinham conhecimento de causa dessa geologia e começaram a cavar os canais, quando bateu nas rochas tiveram de usar explosivos. O resultado é que essa obra foi atrasando e encarecendo ao longo do tempo. Esse projeto é muito heterogêneo em termos geológicos ao longo dos canais.

O primeiro erro

Quando construíram os primeiros canais, cometeram o primeiro erro grave: não colocaram água dentro desses canais. Qualquer leigo sabe o que poderia ocorre: numa região quente como essa nossa aqui no nordeste, onde a temperatura do solo passa facilmente dos 40 graus, os canais esquentavam muito durante o dia. E durante a noite esfriavam de vez. Então, o concreto dos canais, com toda essa variação e amplitude de temperatura, acaba rachando. O que rachou de canal aqui no nordeste nesse projeto da transposição foi uma coisa de doido. O Governo Federal acabou tendo de entrar em campo para contratar gente para reparar algo que nem havia fica pronto e já estava danificado.

O rompimento

Foi um vexame, pois os agricultores que já esperavam por essa água há muito tempo viram aquilo acontecer e ficaram muito tristes

Agora, começaram a colocar água e inaugurar alguns trechos dos canais, os canais de aproximação (que retira água do São Francisco e leva para a primeira represa para, a partir dela, começar a bombear água para todo o sistema). É nesses canais que, há algumas semanas, houve um rompimento. Foi justamente o que falei: a geografia é heterogênea. Pegou um canal com uma certa inclinação, e com os volumes da água passando ali, acabou rompendo e a água começou a cair fora do canal.

Foi um vexame, pois os agricultores que já esperavam por essa água há muito tempo viram aquilo acontecer e ficaram muito tristes. Um dano como esses num canal significa que para o conserto tem que haver um aporte de recursos muito grande. E esse projeto já não tem mais muito recurso nem para terminar a obra, agora, imagine para reparar um problema desses. Então, estão fazendo algo paliativo colocando areia e barro para ver se diminui o vazamento para pensar numa forma futuro de resolver o dano.

Deveria haver uma fiscalização constante ao longo dos canais para identificar esses problemas, porque um vazamento desses, quando identificado no começo, é de fácil solução. Agora, quando já chega a desmoronar as paredes, começa a haver vazamento, que leva a desmoronamento maior daquela parede e um desperdício de água muito maior.

IHU On-Line - A crise hídrica que assolou o sudeste nos últimos anos evidenciou que a seca no Brasil não é só um problema nordestino. O que a crise hídrica ensinou ao país? Como a falta de água em estados como São Paulo repercutiu no nordeste?

João Suassuna – Perdemos, recentemente, um hidrogeólogo chamado Aldo Rebouças. Era uma das pessoas que mais entendiam das águas do Brasil. Em seu último livro, O Uso Inteligente da Água (São Paulo: Escrituras, 2013), fala num português muito fácil de entender: o problema do sul, do sudeste, do nordeste é de gestão. Tem-se que saber usar a água disponível. Então, o que aconteceu no sudeste, em São Paulo, deixando o Brasil todo preocupado, foi só por falta de gestão. Usaram as águas em demasia, num limite em que as represas não poderiam fornecer.

Isso não aconteceu só em São Paulo. Acontece diariamente aqui no nordeste. Quando se constrói uma represa, é preciso entender que ela tem o poder de regularização daquele rio que foi represado. Existe um volume disponível naquele rio que tem que ser obedecido, é o volume de regularização. A gente costuma trabalhar com 10% de garantia, ou seja, quando se constrói uma represa e obedece o poder de regularização, sem tirar uma gota a mais desse limite, essa represa jamais secará.

Mas o que ocorre? Se constrói uma represa e a primeira providência é fazer um perímetro irrigado grande, depois começa a abastecer o povo de centenas de municípios. Assim, a represa não aguenta e seca. Por isso que secou a represa de Boqueirão, que abastece Campina Grande, Paraíba.

É uma represa de 400 milhões de metros cúbicos e praticamente entrou em volume morto. Campina Grande, que tem 450 mil habitantes, entrou em problemas sérios de abastecimento. Imagine uma cidade desse porte ter racionamento de quatro ou cinco dias.

Secaram o açude que abastece Caicó, no Rio Grande do Norte, o açude que abastece Acari, no Rio Grande do Norte, e centenas de açudes aqui do estado da Paraíba estão em estado crítico. Tudo porque as autoridades usaram em demasia as águas dos açudes. Se houvesse a consciência de que com o planejamento e com gestão não tem como secar esses açudes, a situação hídrica do nordeste e do Brasil era diferente.

IHU On-Line - Em entrevista concedida à IHU On-Line em 2010 , o senhor destacou que “da Bahia para baixo” ninguém conhece ou sabe dos impactos da obra. Isso mudou?

João Suassuna – Não mudou nada. E tem mais um detalhe: as águas do São Francisco vão para o setentrional nordestino, dos estados de Pernambuco para cima. Para baixo, Sergipe, Alagoas, Bahia e Minas Gerais, que é o berço das águas do Brasil, não há concordância em absoluto com o projeto de transposição porque as águas estão saindo de seus territórios para uso em estados lá da frente.

Quem está ao sul de Pernambuco não vai usufruir uma gota de água desse projeto. Pedem até compensação hídrica pelo que estão perdendo. E se a gente observar os estados que estão acima de Pernambuco veremos de 99,99% dessa população é favorável a transposição porque são os beneficiários diretos.

IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?

João Suassuna – Há dois meses, o Tribunal de Contas da União – TCU encontrou um uso ilícito de recursos da transposição. Falou-se, a mídia de modo geral noticiou algo em torno de 200 milhões de Reais em superfaturamentos. Mas isso ficou abafado e ninguém fala mais. Isso deveria voltar à tona, a sociedade precisa acompanhar e descobrir para onde foi esse recurso para que isso não volte a acontecer.

Fonte: IHU On-Line

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