Encontro Israel-Palestina no Vaticano.

Ricardo Vieira

No domingo, no Vaticano, os presidentes israelita e palestiniano vão rezar pela paz. O convite partiu de Francisco. Um Papa de gestos e que "já mudou" a Igreja e o mundo, diz o escritor Jorge Reis-Sá, que acompanhou no terreno a visita de Francisco à Terra Santa.

Encontro Israel-Palestina no Vaticano para dar novo "fôlego" à busca da paz

A paz faz-se de "passos uns atrás dos outros" e o pequeno passo do próximo domingo é "muito importante" porque vai juntar o Papa e os líderes israelita e palestiniano em oração, no Vaticano. O escritor Jorge Reis-Sá acompanhou e vai passar a livro a visita do Papa à Terra Santa.

O consultor editorial, de 37 anos, seguiu as pisadas de Francisco e viu um Papa sem "medo arriscar" e cheio de bom senso, um homem de diálogo que rezou em silêncio com a mão pousada no muro que separa a Palestina e Israel e no memorial às vítimas do Holocausto. Gestos simbólicos de quem quer dar o exemplo e "está mesmo a tentar mudar para melhor" o mundo e a Igreja.
"Ele está a alargar a Igreja Católica para fora, para aqueles que estavam nas franjas do catolicismo, desiludidos com a própria postura da Igreja e está alargar porque está a perceber a missão pastoral da Igreja", diz.

Está a preparar um livro sobre a visita do Papa à Terra Santa. O que podemos esperar?

É uma colaboração entre mim e o Henrique Cymerman, um jornalista da SIC, judeu. Tem isto de inovador: é uma colaboração entre um católico e um judeu. Vai ser lançado em Outubro na editora Guerra & Paz e será um roteiro, um relato, uma reportagem, mas com uma componente lírica ainda assim forte, sobre a ida do Papa à Terra Santa. Não será apenas uma reportagem ou um livro de viagens, terá também algumas reflexões sobre o diálogo ecumênico - porque essa foi a principal razão da ida dele lá - , assim como algumas reflexões sobre o conflito israelo-árabe e a perseguição dos cristãos no Médio Oriente.

Que aspectos da viagem o marcaram mais?

Um dos momentos mais importantes foi o abraço que ele dá ao rabino Abraham Skorka e ao mufti [Omar Abboud] de Buenos Aires, em frente ao Muro das Lamentações. Aquele abraço é muito sentido. Temos no Muro das Lamentações um judeu e um muçulmano a abraçarem um católico e a tentarem caminhar para a paz a dizerem que é possível. Era evidente, principalmente, a forma emocionada como Abraham Skorka estava nesse abraço.

Que outros momentos destaca?

Aquele em que o Papa faz o discurso, a que eu chamaria uma prece, sobre as vítimas do Holocausto no [memorial] Yad Vashem. Começa com a citação: "Adão, onde estás?" e é uma coisa extremamente sentida. A própria postura do Papa naquele discurso era muito grave.

O terceiro, que não é menos importante, é quando ele pára, em Belém, põe a mão, reza e consagra o muro que separa Israel da Palestina, numa atitude não programada, não agendada. Ele pede ao motorista do "papamóvel" para parar, a segurança fica em pânico, ele sai e vai ao muro, não diz uma única palavra e põe apenas lá a mão. E depois, no dia seguinte, ele faz o mesmo, mas no muro do memorial pelas vítimas do terrorismo, em Israel, num espelho do que fez no dia anterior, em Belém. Essas duas atitudes em que não há uma palavra dita - é apenas uma prece, uma oração que ele faz em cada um dos muros - foram, para mim, o ato mais político que ele lá tem. E um ato importantíssimo.

Sem dizer uma palavra.

Sem proferir uma palavra, isso é que é incrível. Bem dizia o Abraham Skorka, numa entrevista que lhe fiz, por causa do grande espaço do Tarcisio Bertone no Vaticano, dos 700 metros quadrados que ele lá está a colocar para a sua residência, quando o Papa não quis os 500 metros quadrados do Palácio Apostólico. Quando lhe perguntei sobre isto, o Abraham Skorka, que é muito amigo do Papa Francisco, disse que o Papa funciona pelo exemplo e aquela mão nos dois muros não precisa de palavras. Ali está tudo dito.

Como foi recebido entre israelitas e palestinianos o convite para o encontro de oração no Vaticano? Qual foi a percepção que teve no terreno?

Na diplomacia, o convite, quando é formulado, já foi negociado previamente. O Papa não se poderia pôr na posição de convidar os dois para depois um deles não aceitar. É um território muito difícil, é uma situação de resolução extremamente complicada, mas é um pequeno passo. A paz faz-se de passos uns a seguir aos outros e uma oração pela paz no Vaticano, na casa do Papa, é uma coisa muito importante. No terreno, o convite foi muito bem recebido pelos palestinianos cristãos, pelos árabes cristãos, que estavam na missa.

Este Papa não se importa de arriscar?

Não, não se importa. Não acho que o Papa esteja a revolucionar as coisas, porque uma revolução implica virar de pernas para o ar, mas está a renovar de uma maneira muito afincada a forma como é gerido um pontificado - para alegria de muitos e para tristeza de alguns. Eu estou a falar de católicos, porque a religião católica não é homogênea: há pessoas que concordam e outras que não concordam. Sei da dificuldade com que muitos dos grupos católicos mais conservadores vêem as perguntas e as respostas que ele dá. A conferência de imprensa que ele deu no avião [no regresso da Terra Santa], onde voltou a falar sobre o celibato [dos sacerdotes], depois de o ter feito no regresso do Brasil. Ele não tem medo de arriscar. Ele está mesmo a tentar mudar e a mudar para melhor, conservando o que interessa. Acho mesmo que, no ano e pouco que lá está, já mudou.

O Papa, com a sua atitude, pode aproximar mais pessoas da Igreja, sobretudo na Europa?

Eu acho que sim. Através de tudo o que tenho lido e as entrevistas que tenho feito, as reflexões para o livro, aquilo que percebi na viagem dele à Terra Santa, [concluo que] a primeira opção dele é o diálogo, sempre. É claro que há sempre opiniões e questões relativamente irresolúveis, que, quando as posições estão extremadas, não há muito a fazer, mas é preciso tentar. E ele está a tentar dentro da religião católica que isso aconteça. Ele é o Santo Padre, é a pessoa que gere, dirige e tem o poder de decisão. Neste tipo de democracia as pessoas têm que aceitar, como outros aceitavam da mesma maneira a postura de Bento XVI, João Paulo II, João Paulo I, Paulo VI, João XXIII e outros para trás. O caminho faz-se caminhando.

Ninguém é consensual?

Ninguém é consensual. Ele está a alargar a Igreja Católica para fora, para aqueles que estavam nas franjas do catolicismo, desiludidos com a própria postura da Igreja e está alargar porque está a perceber a missão pastoral da Igreja. Isto é a minha opinião, sinto isso, é uma grande lufada de ar fresco e sinto que o Papa Francisco tem uma coisa que, infelizmente, às vezes não está muito bem distribuída no mundo, que é bom senso e isso é muito importante. Não é mudar as nossas convicções, mas é ter o bom senso de lutar bem por elas.

A sua relação com a Igreja e com a espiritualidade alterou-se com o Papa Francisco?

Alterou muito mesmo. Sou católico, tive sempre uma relação próxima com o catolicismo até à minha adolescência e depois afastei-me. Desde há um ano que me aproximei. A aproximação foi gradual e não teve a ver com ele. Talvez, passados uns meses, ele possa ter alguma coisa a ver com isso, mas no início não. Lembro-me que quando ouvi na rádio o anúncio pensei: "O que sairá daqui?". Não estava com grandes expectativas e tem-me feito aproximar e pensar muito. Só espero conseguir continuar, porque como alguém escreveu: começar é fácil, acabar é mais fácil ainda, o difícil é continuar.

 

Fonte: Jornal O Publico

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