Lideranças Guarani-Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, participam de ações em São Paulo

Jaime C. Patias

"Queremos que as pessoas acreditem que nós também somos seres humanos. Só queremos viver, educar e libertar os nossos filhos desse caminho criado pelos que nos odeiam. Isso tem que mudar, tem que haver justiça", desabafou emocionada, Léia Aquino, mãe e professora, membro da Comissão Aty Guasu, em evento realizado na noite desta terça-feira (6), na Câmara Municipal de São Paulo, durante lançamento do Comitê Nacional em Defesa da População Indígena de Mato Grosso do Sul.

Léia Aquino, que faz parte do Conselho Internacional dos Povos Guarani, integra uma delegação de lideranças Guarani-Kaiowá que está em São Paulo para participar de várias ações, na Semana em Defesa da Terra, Vida e Futuro Guarani-Kaiowá, evento que acontece de 05 a 08 de dezembro, promovido por organizações solidárias aos povos indígenas.

Confira a programação completa da Semana

Na sua intervenção, a professora, leu o Manifesto do Conselho Aty Guasu, elaborado no último dia 27 de novembro de 2011, na Terra Indígena Yvy Katu, localizada no município de Japorã, MS, no qual os indígenas exigem, entre outras providências, "imediata intervenção federal no estado do MS", proteção às lideranças e comunidades "ameaçadas por grupos paramilitares", e a publicação, ainda em 2011, "dos relatórios sobre a identificação das terras indígenas em estudo por seis Grupos Técnicos criados em 2008". O Manifesto exige também "rigorosa investigação e prisão dos responsáveis pelos ataques armados à comunidades e lideranças indígenas", e alerta: "não mais aceitamos calados que nossos líderes continuem irrigando com seu sangue a nossa própria terra, enquanto ela continua sendo pisada pelos bois de fazendeiros assassinos", diz o texto, que ainda responsabiliza a presidente Dilma e seu governo por qualquer conseqüência advinda de ações que os indígenas realizarem para defender e reconquistar o seu território.

Egon Heck do Conselho Indigenista Missionário - Cimi MS, relatou sobre uma série de ataques sofridos pelas comunidades Guarani Kaiowá no mês de novembro em retaliação pela retomada de parcelas de suas terras que recuperam os "tekoha", lugar da vida social, da esperança e da fertilidade. No dia 18 de novembro, o cacique Nísio Gomes, foi assassinado, juntamente com dois jovens e uma criança, no município de Amambaí, MS. Na ocasião, cerca de 40 pistoleiros encapuzados e armados invadiram o acampamento Tekoha Guaiviry e atiraram no cacique. O corpo do líder foi levado pelos pistoleiros e até hoje não foi encontrado. "Apesar de tudo, os indígenas seguem firmes na terra retomada e decidiram que esses fatos não deveriam ficar só no Mato Grosso do Sul, mas ser divulgado para outros estados", explicou Egon ao falar sobre a importância da Semana em São Paulo.

Saiba mais: Indígena desaparece após ataque a comunidade no Mato Grosso do Sul

Para Lúcia Helena Rangel, antropóloga da PUC-SP, "a situação do Mato Grosso do Sul é paradoxal e exemplar. Por um lado temos um alto desenvolvimento, com o agronegócio, que o povo brasileiro gosta de ver. É a produção de álcool, do etanol, a soja, o milho, o boi ... o grande empreendimento. Um estado rico", disse a antropóloga e continuou: "e exatamente na medida do seu progresso econômico temos o seu inverso, que é o progresso da selvageria desse capitalismo que mata, que deixa crianças passarem fome, contamina com o agrotóxico e deixa mais de 45 mil Guarani-Kaiowá confinados, em situações de estrema pressão nos acampamentos à beira das estradas onde são alvos de grande violência". Segundo a professora, que há décadas coordena o relatório realizado todos os anos pelo Cimi, de Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, são quatro os bolsões críticos para os indígenas: Roraima, Maranhão, Sul da Bahia e Mato Grosso do Sul. Nesse estado, entre 2003 e 2010, foram assassinados 250 indígenas. Se agregarmos os assassinatos às tentativas de assassinatos ocorridas entre os Guarani-Kaiowá, durante os oito anos do governo Lula, teremos 250 mortes e 190 quase mortes, somando 440 pessoas atingidas por essa forma de violência, revela outro relatório de Violência contra os Povos Indígenas em Mato Grosso do Sul, também elaborado pelo Cimi (2011).

"Vivemos num estado sanguinário onde não se respeitam os direitos humanos dos nossos Povos Indígenas. Vivemos um etnocídio, um genocídio, um nazismo e uma opressão inconcebível", argumentou Samia Jordy Barbieri, advogada da Comissão Permanente de Assuntos Indígenas da OAB/MS, que acompanha a delegação. Entre os presentes estavam as juízas da Associação dos Juízes para a Democracia, Dra. Dora Martins e Dra. Kenarik B. Felippe e representantes de várias organizações. Não faltaram críticas ao Judiciário pelas suas posições com relação aos processos relativos às causas indígenas.

O cacique Faride Mariano de Lima da Terra Indígena Laranjeira Nhanderu e o professor Oreil Benites, do Conselho Internacional da Nação Guarani, também deram seus depoimentos. "Índio é brasileiro e pertence ao povo do Brasil. Nós somos donos da terra. Os fazendeiros tomaram as terras", destacou o cacique Faride. "Hoje nós estamos voltando para as nossas aldeias e não estamos invadindo, mas retomando o que é nosso. Todas as autoridades foram na minha aldeia e até agora, depois de quatro anos, não resolveram. Não podemos plantar, quando alguém fica doente o fazendeiro não deixa entrar para levar. Nem os mortos nós podemos levar para sepultar em Rio Brilhante. Então nós enterramos lá mesmo na fazenda", afirmou e fez um apelo: "peço que ajudem os povos indígenas".

Oriel Benites acha estranha a ação dos estados nacionais com relação aos Povos indígenas. "Nós já sofremos discriminação, preconceitos, já fomos chamados por vários nomes pelo próprio governador do Estado (André Puccinelli - PMDB). Sofremos preconceitos dos nossos inimigos com a intenção de nos rebaixar e isso fortalece o espírito da luta por que somos a favor da vida, queremos a vida para a terra, para a floresta, para o nosso povo", explicou.

Ao falar do futuro, o jovem professor recordou que os pais querem uma vida digna para seus filhos. "Assim, as mães de vocês também tiveram sonhos para que vocês chegassem onde estão. Isso também nossa mãe e nosso pai tem para nós. Mas a nossa riqueza é a terra", lembrou e fez um apelo. "Ajudem o povo Kaiowá Guarani. Nós não queremos mais morrer, nós queremos construir uma família, nós também somos seres humanos. Nós sempre respeitamos a lei e somamos com votos para eleger o governador, a presidente, o prefeito, o vereador. Mas quando agente grita por favor, ninguém olha pra nós", desabafou.

Na segunda-feira (5) a delegação indígena acompanhou a entrega do Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos para a advogada de Direitos Humanos Dra. e Irmã Michael Mary Nolan. A programação da Semana em Defesa da Terra, Vida e Futuro Guarani-Kaiowá encerra nesta quinta-feira (8) com o lançamento do Relatório de Direitos Humanos da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
Confira a programação completa aqui.

Fonte: Revista Missões

Deixe uma resposta

16 + dois =