No caminho da saudade

Egon Heck *

Deixa a saudade me levar
Levo no coração a lembrança
E a revolta contida
De quem aprendeu amar
O que foi e o que virá!
Pois o presente é um mar
De destruição
Que só a saudade e a luta
Podem curar!

"Esse é um dos pés de eucalipto que eu plantei... aqui morava o Paraíba...aqui era mata fechada...lá era um grande cafezal...ali era nossa casa", a voz da saudade Kaiowá é também uma forte denuncia. A narrativa pausada e entrecortada das lembranças da vida livre, não invadida, da mata em pé, da riqueza da floresta, da qual resta apenas a lembrança. Hoje, no caminho velho entre Nova America e a Terra Indígena Caarapó, é tudo virado em fazenda e lavoura de soja e a cana chegando. E tudo isso ao alcance da memória, um pouco mais de quatro décadas. Imaginar que em poucos anos, onde ainda era de 50 a 70% de mata, nesta região do cone sul do Estado de Mato Grosso do Sul ( à época ainda Mato Grosso), foi reduzido a menos de 10% e hoje em algumas regiões a mata nativa não chega a 2%. Não é difícil entender a dor da saudade de um velho Kaiowá dessa região. Primeiro chegaram os nordestinos. Fizeram algum estrago, derrubando mata, fazendo pastagem, plantando café...Depois, já na década de setenta chegaram os gaúchos. Foram arrendando pequenos sítios, em seguida foram comprando as terras, derrubando tudo com os enormes tratores...

E assim ele foi lembrando como tudo aconteceu, como a mata veio abaixo e foi se semeando boi, soja e cana por essa região.

O intercambio e o futuro
Um momento muito alegre, descontraído e curioso. Para os quinze Kaiowá Guarani, estudantes e lideranças da aldeia de Panambizinho, esse foi um importante tempo de refletir e conhecer as experiências e iniciativas que estão se realizando na aldeia Tey Kuê. Depois de umas conversas inciais sobre a realidade e luta Guarani hoje, especialmente a questão da terra, foi o momento de visitar as experiências e projetos.

Iniciamos nosso caminho de intercambio na oga pysy-casa de reza. O professor Ariel foi explicando o sentido e importância da iniciativa de construir esse espaço para propiciar aos alunos um contato com o que eles tem de mais profundo e sagrado, que é sua espiritualidade, seus rituais e rezas. Duas vezes por semana os nhanderu e nhandesi - rezadores estão nesse espaço com alunos para com eles vivenciar e transmitir os conhecimentos tradicionais e seus rituais

Depois fomos para o Ponto de Cultura. Essa foi a primeira aldeia Guarani a ser contemplada com essa experiência de inclusão digital. Uma bem aparelhada sala de informática permite os alunos a produção de adiovisuais, edição de vídeos, e manutenção de um site próprio - o wwwtekoarandu.org - Falando com Devanildo, o Kaiowá responsável local do ponto de cultura, ele me consultou sobre a possibilidade de colocar um link no sitio da campanhaguarani.org.br, para que pudessem dar acesso a transmissões on line, de eventos da comunidade. Fiquei admirado com avançado aproveitamento tecnológico, como novo canal e instrumento de luta, na área da comunicação.

Depois foi a vez de visitar o viveiro de mudas. Ali eles tem mais de 15mil mudas de 25 espécies de arvores nativas, além de mudas de eucalipto, com utilização em áreas restritas, para obtenção de madeira para construção das casas e para lenha. É um projeto que já funciona há 15 anos e tem como finalidade primeira o reflorestamento de nascentes e margens dos córregos que passam pela aldeia. Mas também servirão para intercambio e fornecimento de mudas para outras aldeias da região.

Recolhendo sementes nativas, colocando-as em aconchegantes ninhos, para com muito carinho fazer a mata voltar. Esse é o sonho que vai se espalhando no chão Guarani. Pois como dizia Anastácio, em recente escrito, "Tiraram o que é de mais importante para nós, a terra, a mata, os rios estão todos poluídos, dessa forma já não nos dá nosso sustento como peixe não temos mais água limpa para beber como era no passado. Hoje vivemos presos em áreas demarcadas pelo governo nas quais não é possível preservar nossos hábitos alimentares e nem nossos costumes, tradições e religiosidade. Vivemos presos em locais em que não temos espaço para conviver em harmonia". (Terra Sagrada)

Por último fomos ver a estação experimental. Lá estava o orientador Kaiowá Guarani com duas dezenas de crianças prontas para entrar em campo. Os meninos com enxadas na mão, e as meninas com os regadores. Rostos alegres e brincalhões, logo entraram em ação. As hortaliças lhes sorriam absorvendo ávidas a água no em meio a grande calor. E os pés de amendoim recebiam bons bocados de terra, com os quais se sentiam fortalecidos. Olhamos ainda o pomar com grande variedade de árvores frutíferas. Tudo muito bonito para ser apreciado, para alem do mar de discriminação e violência em que as comunidades Guarani Kaiowá estão imersas. Saímos com os olhos e coração agradecidos, prontos para plantar toda essa esperança no Panambizinho.

*Egon Heck, Povo Guarani Grande Povo.

Fonte: Cimi MS

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