Responsabilidade pela vida

Dom Demétrio Valentini *

Estamos no carnaval. São dias para expressar a alegria de viver. Assim deveria ser. Assim pode ser, se formos responsáveis em nosso proceder. Sobretudo se tivermos o cuidado pela vida. Ela é ao mesmo tempo preciosa e frágil.

Por mais que estejamos atentos, sempre são válidas as advertências, sobretudo em tempos como estes, em que o entusiasmo pela alegria de viver pode nos deixar desatentos aos perigos que sempre rondam a fragilidade da vida.

Cada ano, passado o carnaval, comparecem as tristes estatísticas, feitas de acidentes de trânsito, de desentendimentos, violências e assassinatos. Todos gostaríamos que estas cifras não existissem. Mas elas se repetem, ano a ano.

Resulta evidente a urgência de cultivarmos, conscientemente, a cultura do cuidado pela vida, da prevenção, e da redobrada atenção, sobretudo em tempos de carnaval, quando os acontecimentos podem surpreender, e colocar em risco a vida das pessoas.

Em recente artigo, o Ministro Patrus Ananias trouxe dados colhidos pelo Governo Federal, que impressionam pelas cifras que apresentam. Em todo o Brasil, no ano de 2008, foram registrados 39.076 assassinatos. É um número que inquieta. Quantas tensões, desequilíbrios, excessos na bebida, perda de motivações salutares, abandono de perspectivas religiosas que dão sentido à vida, impasses mal resolvidos, que estão por trás dos tristes episódios que redundam em homicídios. Como faz falta o clima de fé, que aponta valores, que ilumina situações, que anima para a tolerância, para o bom senso, para o diálogo e para a superação dos conflitos!

Outro dado trazido pelo Ministro: em 2008 foram registradas mais de 36 mil mortes em acidentes automobilísticos, perfazendo um total de 247 mil em sete anos.

Certamente são diversos os fatores que explicam esta incidência tão grande de mortes no trânsito. A extensão continental do país dificulta a manutenção das rodovias em boa qualidade. A rápida mudança vivida pela maioria da população brasileira, que passou diretamente do carro de boi ou da cavalgadura para os automóveis que convidam para a vertigem da alta velocidade, que surpreende os incautos e os desprovidos de reflexos adquiridos e assimilados, tudo isto ajuda a explicar. Mas deveria ajudar a prevenir. Toda vez que nos colocamos nas rodovias, em nosso país, deveríamos ligar o alerta máximo de atenção a todos os imprevistos, que nos fazem cuidar de nós, mas também dos outros, na tentativa de prevenir possíveis acidentes que podem acontecer por motivos muito variados.

Estas circunstâncias já servem de alerta. Mas elas necessitam da motivação maior e mais consistente, que resulta da consciência do valor da vida. É a vida que merece todo o nosso apreço, e todo o cuidado possível.

Ela é o ponto culminante da natureza. É o prodígio maior, que coroa a realidade existente no universo. A possibilidade de vida qualifica nosso planeta, e o constitui como referência entre bilhões de outros astros que o prodigioso universo é capaz de conter. Tirada a vida, o universo fica vazio e frustrado.

Mais ainda o prodígio da vida assume importância quando concretizado em forma humana, acolhido de maneira individual, resultando em pessoas capazes de dialogar com o universo e se posicionar de maneira consciente diante do mistério da vida, que assume feições de interlocução pessoal, que se tornam a expressão mais sublime de toda a existência.

A percepção da singularidade da vida leva à consciência de sua sacralidade. A vida ultrapassa a unicidade de cada pessoa. Não somos donos da vida. Ela é um dom de Deus, que nos cabe acolher com respeito e gratidão, e administrar com responsabilidade.

O carnaval pode assumir o seu sabor melhor, na medida que possibilitar um maior respeito pela vida, junto com o encantamento por seu mistério, que nos leva a colocar a vida como referência ética fundamental e indispensável para todos.

Com este espírito vale a pena viver o carnaval, a quaresma, e a páscoa inteira!

* Bispo de Jales (SP) e Presidente da Cáritas Brasileira

 

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