O Deus "mercadoria" na Era Digital

Leomar Antônio Brustolin *

Para um ateu, as pessoas podem ser reconhecidas por suas virtudes e seu caráter. Para um cristão, isso se dá pela capacidade de amar ao próximo como Jesus Cristo ensinou. O budismo acentua a compaixão e o islamismo a submissão à Deus que faz desenvolver as virtudes pessoais. Hoje, contudo, há uma supervalorização do consumismo como estruturador de valores: - as coisas que as pessoas possuem e consomem é que lhes dão a identidade. Não só tudo se transforma em "coisa", mas os objetos de consumo determinam quem são as pessoas. Tudo tornou-se mercadoria: Deus, o ser humano, a terra, as sementes e até a vida.

"[...] o império do consumo e da comunicação gerou um indivíduo desinstitucionalizado e operacional, disposto, em todos os planos, a ter o direito de dirigir a si mesmo. [...] Os lugares tradicionais de sociabilidade (trabalho, Igreja, sindicatos, cafés) cedem, por toda parte, terreno ao universo privatizado do consumo de objetos, de imagens e de sons"1.

Esse individualismo exacerbado ou hiperindividualismo, aliado ao hiperconsumo, faz com que as pessoas procurem a religião, através de uma demanda fragmentada. O mundo racionalizado, a sociedade pós-moderna e a chamada era do vazio liquidam as alteridades. Tudo é reduzido ao indivíduo: "o outro sou eu". Essa é a lógica que invade o fenômeno religioso atual, onde a imagem de Deus fica refém do "homo consumericus".

A busca da religião se realiza por necessidade de cura, conquistar o amor de alguém, prosperidade nos negócios, aumento da riqueza, segurança, busca do laço amoroso que se rompeu, sentimento de utilidade, gosto de viver sem angústia, realização pessoa e por tantas outras necessidades que poderão ser criadas. Nessa demanda, a religião não é a única opção, ela concorre com especialistas das ciências humanas, terapias de auto-ajuda, alternativas holísticas e as mais diferentes opções de saúde física e mental.

O mercado religioso é promissor, pois exige um pequeno investimento, sendo suficiente uma "iluminação" do além, uma publicidade informal e a disponibilidade para o atendimento das pessoas, buscando cativá-las e acolhê-las. É fundamental propor experiências religiosas novas e exóticas, diferente do que as instituições tradicionais oferecem, contudo, resgatando os símbolos e ritos que já povoam o imaginário da cultura local.

Outro vento favorável á esse fenômeno religioso é o crescimento populacional das grandes metrópoles, onde imensas parcelas da população ficam órfãs de atendimento religioso. Desta forma, abrem-se nichos para a emergência de novos movimentos, que usam técnicas de marketing para atrair pessoas/clientes.

Nesta mudança de paradigma, novas percepções sobre a religião emergem. Enquanto Émile Durkheim percebia a religião essencialmente pela dimensão coletiva, com forte laço social e determinante para a identidade do grupo, hoje, ao contrário, o fenômeno religioso focaliza a satisfação individual de um crente transformado em cliente. Cada religião deve ganhar adeptos, se quer vencer. Não pode impor. Deve seduzir, convencer. A religião entra como mercadoria e deve seguir as normas do mercado" 2.

Sabe-se que o Marketing relaciona-se diretamente com a ciência do vender. Para vender, o mercado procura seduzir, encantar e manipular os seus clientes. Hoje, nada mais seduz tanto quanto a mídia, especialmente a digital. Vive-se a "sociedade do espetáculo" denominada por Debord, devido à invasão da mídia, que produz a "espetacularização" das informações, seja o nascimento do filhote de uma baleia em algum zoológico, seja a cobertura guerras e catástrofes em tempo real.

O espetáculo não é só uma propaganda difundida pelos meios de comunicação. Toda atividade social é captada pelo espetáculo visando seus próprios fins. Os problemas são as imagens e representações que veiculam uma independência, banindo da vida qualquer diálogo. As representações nascem da prática social coletiva, mas se comportam como seres independentes.

A mídia e a religião se encontram. Nesse mundo, o espectador não se sente em casa em lugar algum. No espetáculo, bem como na religião, cada momento da vida, cada idéia e cada gesto só encontram seu sentido fora de si mesmos 3.

Diante desse quadro cabe-nos questionar sobre as perspectivas da religião numa sociedade individualista e consumista como a atual.

Constata-se uma reestruturação da religião na sociedade pós-moderna, manifestada por novas formas religiosas comunitárias, e o surgimento de novos grupos e redes;

"Hoje o computador está organizando as comunicações de um modo revolucionário, o que o torna ferramenta ideal para gerenciar uma economia onde todos buscam ter experiências emocionantes e divertidas, interagem em mundos paralelos ao mesmo tempo para se adaptar a qualquer realidade. Neste processo, o computador está mudando lentamente a própria consciência humana"4.

Enquanto emergem mudanças aceleradas na era digital, igualmente nascem diferentes e novas formas de experimentar a religiosidade. A influência da economia nesse processo é determinante:

"O individualismo neoliberal fomenta concorrência e competição em que vencem os mais fortes, os mais preparados e competentes. Visa ao resultado. É necessário encontrar uma religião que reforce a vitória, a prosperidade, os melhores. Recorre-se então à teologia da benção de Deus para os ricos e o castigo para os pobres, porque preguiçosos e pecadores"5.

Questionamentos?

Qual o futuro da religião, enquanto norteadora do sentido e da ética, num cenário hiperconsumista onde o Deus mercadoria é amplamente glorificado no altar da era digital?

* Padre Leomar Antônio Brustolin, da diocese de Caxias do Sul, RS, doutror em Teologia e Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Teologia na PUCRS.

Referências

COMBLIN, José. Os desafios da cidade no século XXI. São Paulo: Paulus, 2002.

JAPPE, Anselm. Guy Debord., Rio de Janeiro: Vozes, 1999.

LIBANIO, J.B. A religião no início do milênio. São Paulo: Loyola, 2002.

LIPOVETSKI, Gilles. Metamorfoses da cultura liberal: ética, mídia e empresa. Porto Alegre: Sulina, 2004.

RIFKIN, Jeremy. A era do acesso. São Paulo: Makron Books, 2001.

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