Páscoa, vocação do universo

Marcelo Barros *

O termo "Páscoa" significa passagem e não parece indicar somente mudança de estação, mas passagem de uma vida acomodada e rotineira para uma vida renovada.

Todos os povos fazem festas pela chegada da primavera. No hemisfério norte, em fins de março e no Sul em setembro. Muitas comunidades tradicionais, indígenas e africanas, celebram a Primavera com ritos para que as pessoas se renovem e mesmo readquiram a energia e o sabor da juventude. A festa da Páscoa nasceu em tempos imemoriais, em ritos de primavera e renovação da vida. O próprio termo "Páscoa" significa passagem e não parece indicar somente mudança de estação, mas passagem de uma vida acomodada e rotineira para uma vida renovada. É possível que, em seu início, esta passagem se referisse a uma dança sagrada, na qual se davam passos para o futuro e para a vida.

Conforme a tradição judaica, na Páscoa, não são somente as pessoas que são renovadas. Conforme a tradição, o próprio povo de Israel se libertou da escravidão do Egito e "passou" para a liberdade. No judaísmo, o título da festa é "Pezah zeman herutenu" : "a estação da nossa libertação". O cristianismo fala de "Semana Santa e Festa da Ressurreição". A forma e o conteúdo das celebrações variam, mas a raiz é a mesma. A Páscoa judaica tornou-se a comemoração da noite em que o Senhor libertou os hebreus da escravidão. Os cristãos celebram essa memória e acrescentam o memorial da morte e ressurreição de Jesus Cristo.

Foi quando celebrava a Páscoa com sua comunidade que Jesus foi preso e assassinado. Morreu na cruz, suplício com o qual os romanos matavam os escravos rebeldes, na sexta feira, véspera da Páscoa, pelas três ou quatro da tarde, exatamente na hora em que as famílias de Israel sacrificavam o cordeiro pascal. Na madrugada do domingo que se seguia ao grande sábado da festa, Jesus deixou-se ver, vivo. A partir de então, ser discípulo(a) de Jesus é testemunhar ao mundo essa energia da ressurreição, atuante nele e por seu Espírito, em todas as pessoas que o aceitam.

A mais importante celebração cristã é a Vigília Pascal, na noite do sábado para o domingo. Para os antigos, uma comunidade cristã poderia não celebrar a ceia do Senhor, na 5a feira santa à noite e mesmo não reunir-se para a memória da paixão do Cristo na 6a feira santa. Entretanto, não deveria deixar de festejar a Páscoa da ressurreição no sábado à noite ou no domingo de madrugada, antes do sol nascer. É o mais antigo culto cristão, vivido desde os tempos das catacumbas, quando a comunidade se reunia nas madrugadas de domingo, para lembrar a Páscoa. Santo Agostinho chama essa festa: "A mãe de todas as vigílias da Igreja".

Celebrar a Páscoa não vai mudar mecanicamente a situação social, política, ou econômica do mundo. Não eliminará doenças físicas ou dores do coração. A Páscoa é profecia, grito de liberdade e vitória para dar força a quem continua na luta. Hoje, o otimismo e o riso como métodos terapêuticos são cientificamente reconhecidos. O Senhor ressuscitado revela-se com o corpo ferido e chagas abertas nas mãos, nos pés e no peito. Mas, está vivo e resistente. Seus discípulos se alegram em vê-lo vivo e lembram sua palavra: "Filhinhos, no mundo vocês sempre terão aflições. Tenham coragem: eu venci o mundo"(Jo 16, 33).

No mundo, os poderes da morte continuam agindo. O desamor organiza um mundo escravo do dinheiro e do poder; uma sociedade cruel e sem compaixão. Mas, no coração de muita gente, os gritos de Páscoa ressoam teimosamente. No meio das mais áridas paisagens, as flores resistem. Mesmo a lagarta mais asquerosa é chamada a uma mudança radical. Rompe o casulo, ganha asas para voar e se transforma em uma linda borboleta. É símbolo da vocação do ser humano para esse caminho pascal. A ressurreição é a energia de Deus para transformar o universo. Celebremos, então, esta festa e vivamos este caminho pascal no aprofundamento da solidariedade como forma de viver a fé e a intimidade com Deus.

*Monge Beneditino

Fonte: Marcelo Barros

 

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