Carta da Aty Guasu Kaiowá Guarani em Amambaí, MS

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Nós lideranças dos povos e comunidades Kaiowá Guarani do Mato Grosso do Sul, reunidos em nossa forma tradicional de debater e discutir nossos direitos, desafios e luta pela nossa dignidade e projeto de vida, queremos mais uma vez fazer chegar o nosso apelo às pessoas do Brasil e de todo o mundo.

Realizamos essa grande Assembléia na memória especial do grande guerreiro espiritual do povo Guarani dessa região, Delosanto Centurion. Ele partiu no inicio desse mês para ir juntar-se com todos os lutadores de nosso povo numa despedida assim relatada pelo seu grande companheiro Rosalino Xirino "eu vou deixar para todos meu história, herança é a luta pela terra. Eu me sinto que não posso mais aguentar minha doença. O dia que eu me descansar pode me guardar aqui no Yvy Katu, só que não quero vocês deixar nossas rezas e guachiré aqui no "oga pisy" (casa de reza), para fortalecer a luta em nossa Yvy Katu."

Após conversarmos sobre a realidade de sofrimento e esperança que está em cada um de nós e em nossas comunidades, achamos importante assumir "O Grito dos Povos Indígenas do Mato Grosso do Sul aos Povos do Mundo", divulgado em Belém, durante o Fórum Social Mundial.

"Vimos pela presente mostrar ao mundo nosso grande sofrimento e fazer nosso apelo para as pessoas que querem fazer um outro mundo possível e pedir sua solidariedade e apoio.

Queremos também mostrar, para todas e todos os presentes, a nossa força, resistência, espiritualidade e esperança, marcadas pela busca incessante da "Terra Sem Males" (Yvÿ Marã Eÿ).

Nós, povos Guarani e Terena de Mato Grosso do Sul, somos mais de 60 mil pessoas e vivemos, de fato, em 50 mil hectares de terra, aproximadamente. Tiraram nossas terras, nos confinaram. Destruíram nossas riquezas naturais e nossos rios - mas não conseguiram nos calar ou fazer com que abandonássemos nossa resistência e luta pela retomada de nossas terras!

Nos últimos anos nossa situação veio piorando com toda a fome e violência, principalmente pela falta de nossas terras tradicionais, que para nós são sagradas, nossa mãe.

Assassinaram vários de nossos líderes e nenhum assassino está preso. Por outro lado, várias de nossas lideranças têm sido presas, perseguidas e criminalizadas por reivindicarem os direitos assegurados pela Constituição Federal Brasileira.

A este cenário desumano, somam-se os piores índices de violência contra os povos indígenas do Brasil. O Mato Grosso do Sul, hoje, é o estado com o menor índice de terras demarcadas do Brasil e, em contraponto, tem a segunda maior população indígena do país, além de possuir os maiores índices de assassinatos, suicídios, prisões e desnutrição infantil, entre os povos indígenas. Ou seja, a mais grave situação de negação de direitos fundamentais da pessoa humana e dos assegurados no Artigo 231 da Constituição Federal Brasileira.

Atualmente, o Governo Federal - apesar de todos os atrasos históricos - finalmente, ao custo de muito sangue derramado e graças à interferência do Ministério Público Federal, resolveu atender nossos gritos e deu início aos trabalhos de identificação e delimitação de nossas terras no Mato Grosso do Sul. Porém, assim que a ordem para os trabalhos foi publicada, setores ligados aos fazendeiros e ao agronegócio, com amplo apoio do Governo do Estado de Mato Grosso Sul, assim como de parlamentares estaduais e federais, iniciaram uma ostensiva campanha de agressões contra os direitos de nosso povo, propagando a mentira e o racismo, conseguindo, desta forma, que a sociedade sul-mato-grossense se volte, muito perigosamente, contra o nosso povo indígena.

Neste cenário, somos vistos como pessoas que irão destruir o "des-envolvimento" do estado e, assim, somos tratados como seres de segunda classe nas ruas das cidades, constantemente ameaçados pela campanha da discórdia pregada por esses setores que contam com a cumplicidade da imprensa regional e nacional, esta que se tornou o veiculo principal para viabilizar os interesses do capital e das oligarquias regionais. Constroem mentiras que, inclusive, impelem as pessoas a comprarem armas, a fim de agredirem nosso povo, numa falsa idéia de protegerem suas propriedades.

Criaram, falsamente e propositalmente, um cenário "apocalíptico" para impedir que nossas terras enfim sejam demarcadas. Fazem terrorismo contra nosso povo, quando a imprensa afirma que produtores rurais "declararam guerra contras os povos indígenas de Mato Grosso do Sul".

Usam de todos os meios políticos e jurídicos na finalidade de interferir nas esferas dos Poderes do Governo para conseguirem o cancelamento dos trabalhos. Ameaçam, também, nossos aliados nessa luta. Tentarão, de todas as formas, nos intimidar e calar a voz da resistência de nosso povo!

Diante disso, fazemos essa denúncia e clamamos pelo apoio de todas e todos presentes neste Fórum Social Mundial, para que sejam solidários à nossa luta e nos ajudem a interceder em todas as esferas, a fim de que nossas terras sejam finalmente demarcadas e para que seja interrompida toda a violência contra nosso povo.

Belém, Pará, 30 de janeiro de 2009."

Desta maneira queremos reafirmar a nossa disposição de lutar até o fim pelos nossos direitos, especialmente à terra, e cobrar com firmeza as obrigações do governo brasileiro inscritos na Constituição Federal e documentos internacionais.

Que nosso grande líder e guerreiro Delosanto, que foi o grande esteio em várias retomadas de tekohas acompanhe nosso povo até podermos estar em nossas terras vivendo em paz com tudo e com todos.

Amambai - MS, 28 de fevereiro de 2009.

Fonte: Cimi MS

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