Caminhar além de Aparecida

Assessoria de Imprensa 2º CMN

Entrevista com Paulo Suess

Com o tema "Do Brasil de batizados ao Brasil de discípulos missionários sem-fronteiras - caminhar com Aparecida além de Aparecida", padre Paulo Suess expôs a questão da caminhada após a V Conferência do CELAM, em entrevista exclusiva para o site do 2º Congresso Missionário Nacional - 2º CMN.

A sua abordagem contribui para a prática missionária?
O meu tema não é o tema da pastoral da paróquia. É o tema de como podemos caminhar com Aparecida além de Aparecida. Conta-se em Roma que, na fase preparatória da V Conferência, quando falaram para o Papa que estávamos perdendo 1% de católicos ao ano na America Latina, ele disse: Nossa Senhora! E assim se definiu por Nossa Senhora de Aparecida. E na Conferência ela chamou o Papa e perguntou: E agora, José? O que vamos fazer? É caminhar com Aparecida além de Aparecida.

A caminhada a partir do documento?
A partir do documento, mas sem sermos escravos dele. Precisamos pensar o que o documento decidiu, com a opção pelos pobres, o que vai contra a realidade, a gratuidade, ver o que o povo precisa. Se olharmos um pouco para o mundo, mostra certo desespero, desânimos, declarações de que o capitalismo venceu, que estamos sem alternativas. Hoje na America Latina, há muito suicídios entre os índios, mortes prematuras, por isso precisamos ter consciência forte de que nossa missão está no anúncio, e o núcleo desse anúncio é que Jesus ressuscitou, ele nos envia e nos diz não tenhas medo, e ele nos diz que tudo pode ser diferente, e será diferente através de vocês. Então nós, precisamos ser diferente, sair do aburguesamento, das escravidões. sair de uma paróquia instalada e caminhar para uma paróquia missionária.

Movimentação é o ponto principal?
Sim. A transformação e o caminho, o caminhar. Aparecida fala muito de transformação, inclusive fiz um dicionário sobre Aparecida e essa palavra transformação está lá definida.

Diante da atual violência, da realidade de fome de comida e de espiritualidade como assumir de forma consciente e conscientizar o outro para essa transformação e esse caminhar?
Precisamos realçar o nosso campo. O nosso campo são as imagens de esperança que anunciamos, a ressurreição, os sinais de justiça. Não podemos fazer toda a justiça porque não somos os salvadores. Sinais de justiça que expressam os preceitos através da nossa denúncia e do nosso anúncio. A denúncia profética. Eu conheço um e outro bispo que fez isso, mas onde está o resto da Igreja, se acontece tão generalizadamente. Precisamos mudar o imaginário deste mundo de que não tem solução, nem alternativas. Mas pregarmos a esperança é sair da escravidão e acreditar que outro mundo é possível, e será. Que é preciso pensar que está no centro do mundo Deus, de sua compaixão com os pobres. E onde tem compaixão Deus está e onde nós nos metemos com os pobres em compaixão, estamos na companhia de Jesus. Então, às vezes podemos fazer como Verônica ou Simão de Cirene, acompanhar, ajudar a carregar a cruz desse Deus que tem compaixão deste pobre, e nisto já tem esperança.

Da sua atuação na Amazônia à realidade de hoje, há uma continuidade histórica e um aumento da violência em relação às denúncias?
Ela está aumentando porque a consciência do povo está aumentando. O povo não aceita mais tudo e está menos submisso aos patrões. Há mais consciência e resiste-se com mais força. Mas também o capitalismo chega aos últimos redutos o que na época que eu estava lá não era ainda o caso. Hoje tem soja plantada nas estradas, na Transamazônica. O latifúndio tomava conta da Amazônia, então expulsou-se os moradores e em conseqüência dessa expulsão vieram mais sofrimento, matanças, inchaço das cidades, marginalização das favelas da periferia da cidade, tudo está ligado.

Diante da violência e da migração, há como atuar sem o martírio?
Nós gostaríamos que ninguém fosse martirizado. Mas o martírio é um testemunho qualificado. Dom Erwin Kräutler, por exemplo, trabalha e celebra missas usando colete à prova de bala. Está ameaçado de morte e é protegido 24 horas pelos policiais. É uma situação nova, nunca tivemos isso no Brasil. Os mártires são uma conseqüência. É algo que não deve acontecer. Porém eles são uma honra para a Igreja. E não é só de hoje. Desde 1969. A Igreja Latino-Americana é a Igreja dos mártires. Isso mostra sua autenticidade. Porque se alguém dá a vida por aquilo que ele fala, aí muda. Isso é discurso, não ideologia.

* Paulo Suess é sacerdote alemão, doutor em Teologia Fundamental pela Universidade de Münster (Alemanha). Dede 1979 é Assessor Teológico Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Em 1987 fundou o Departamento de Pós-Graduação em Missiologia em São Paulo. Atualmente é professor na Pós-graduação em Missiologia do Instituto São Paulo de Estudos Superiores (Itesp) e membro da Equipe Executiva do Conselho Missionário Nacional. Entre suas publicações mais recentes, estão: Travessia com Esperança, Introdução à Teologia da Missão e Dicionário de Aparecida.

 

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