Amazônia: um lugar teológico missionário

O Vicariato Apostólico de Puerto Leguizamo - Solano, na Colômbia, está realizando um curso introdutório para missionários que vêm viver, trabalhar, evangelizar e "habitar este território amazônico e de fronteira".

Por Salvador Medina*

Desse passado remoto - anterior à "descoberta" da América, talvez seja melhor chamá-lo de invasão ou ocultação - chegou até nós uma boa luz por ocasião do 500º aniversário, quando em Santo Domingo, durante a Assembleia Episcopal Latino-Americana, foi oficialmente registrada uma mudança de visão, atitude e comportamento em relação à proposta da Igreja Católica para a evangelização, no presente e no futuro, deste Continente da Esperança.

Hoje a Amazônia ainda é uma realidade desconhecida e incompreendida. Continua sendo um desafio e uma promessa. Entender o presente desta vasta região implica um conhecimento e interpretação corretos de seu passado, indispensável para imaginar e construir o futuro. Falar sobre a Amazônia significa principalmente falar de seu povo e, em particular, daquele quinto de sua população que é, em grande medida, o depositário de uma experiência secular em termos de conhecimento, compreensão e uso da natureza.

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Hoje, o avanço impetuoso das Federações indígenas amazônicas faz com que assumam um papel de liderança na proposição e implementação de alternativas de desenvolvimento regional.

A cultura indígena, por outro lado, está presente de alguma forma em toda a população que vive na selva. Até pouco tempo atrás, os herdeiros diretos daqueles que os pesquisadores chamaram de "Cultura da floresta tropical", cujo desenvolvimento foi interrompido pela invasão europeia, eram chamados de "selvagens" ou "incivilizados".

Os historiadores escavam nos escritos dos primeiros espanhóis que passaram ou se estabeleceram na região, tentando reinterpretá-los. Os antropólogos e etnólogos tentam reconstruir a vida dos antigos povos, partindo principalmente da vida atual. Os linguistas estudam as características comuns das línguas indígenas para tentar estabelecer as relações entre os povos antigos e de alguma forma sua localização no espaço. Desse passado, restam as marcas de uma destruição cultural, principalmente em sua dimensão espiritual, e o estabelecimento forçado de uma nova civilização, a ocidental.

Justamente por ocasião da celebração do 500º aniversário, vimos em todo o continente americano as mãos erguidas de muitos povos e nacionalidades ancestrais clamando: Existimos! Estamos aqui! Resistimos a ataques diversos e cruéis! Não conseguiram nos eliminar! Somos parte de um mundo multiétnico e pluricultural; somos sujeitos de direitos: "unidade, terra e cultura que queremos recuperar".

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Em todos os lugares, as constituições nacionais foram revisadas e as Igrejas, especialmente a católica, mudaram e descolonizaram suas práticas de evangelização. Reconheceram e valorizaram as culturas e, ainda que muito lentamente, entraram em dinâmicas interculturais e inter-religiosas de diálogo em vez de imposição.

Presente em construção

O presente histórico não começa no presente cronológico, mas se insere em eventos temporais que, no nosso caso, podem ser enquadrados entre o Concílio Vaticano II (1962-1965), que, embora ecumênico, era bastante eurocêntrico, e a Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano em Medellín (26 de agosto a 8 de setembro de 1968).

Lá, em Medellín, reuniram-se alguns dos bispos que, no final do Concílio, em 16 de novembro de 1965, celebraram uma eucaristia nas catacumbas de Domitilla, pedindo fidelidade ao "espírito de Jesus" e assinando o que chamaram de "pacto das catacumbas". Comprometidos com uma Igreja pobre, para os pobres e com os pobres, estavam delineando uma Igreja latino-americana, a serviço do ser humano "ameríndio-afro-latino", com sua história, características, necessidades e potencialidades específicas. Uma Igreja com um rosto próprio, em comunhão e participação entre todas as Igrejas particulares ou locais e com toda a Igreja católica.

O Departamento de Missões do Celam (Conselho Episcopal Latino-Americano) foi criado em 1966. Em 1971, reuniu-se em Iquitos (Peru) e, no final, publicou um documento importante em relação à recepção do tema missionário relacionado à Amazônia, no qual se dizia: "a Igreja decide tornar-se ela mesma amazônica; solidária com esses povos aos quais foi enviada; encarnada em suas culturas, ritos, ministros e estruturas. Com estruturas de maior unidade, propõe-se ser o fermento daquela comunhão cristã que se realiza na caridade" (Iquitos 32).

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Essa proposta implicava uma reconsideração e reconfiguração do rosto eclesial e da visão do mundo cristão à luz das culturas locais: "cabe a nós desencadear esse processo com uma evangelização encarnada e assistir a comunidade em uma atitude de verdadeiro diálogo no qual a comunicação da experiência de fé é assegurada pela força das expressões culturais" (Iquitos 47).

Pela primeira vez na tradição eclesial latino-americana, uma área ou território sociocultural específico era considerado um lugar teológico: "os povos que vivem na bacia amazônica possuem uma personalidade própria, com características comuns, que se manifestam como sinais da vontade unificadora de Deus nesta zona" (Iquitos 30). Pedia-se que este território ou área sociocultural não fosse tratado como "apêndice de uma Igreja nacional", mas como expressão da "união que Deus depositou germinalmente nesta geografia" (Iquitos 31).

Como lugar te

ológico, "o evangelizador não adapta a liturgia, não seleciona os símbolos rituais e muito menos cria a liturgia da comunidade. São os fiéis que, interagindo em comunidade, reinterpretam coletivamente seu sistema religioso tradicional à luz do fato salvífico de Cristo, formulam sua profissão de fé e sua teologia. Isso levará à criação de um novo sistema litúrgico" (Iquitos 47).

Em 2007, os bispos reunidos na V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano retomaram a Proposta de Iquitos e convidaram a pensar em novas formas eclesiais regionais nos seguintes termos: "o povo de Deus se constrói como comunhão de Igrejas particulares e, por meio delas, como intercâmbio entre culturas". Nesse contexto, os bispos e as Igrejas locais expressam sua preocupação por todas as Igrejas, especialmente as mais próximas, reunidas em províncias eclesiásticas, conferências regionais e outras formas de associação interdiocesana dentro de cada nação e entre os países de uma mesma região ou continente" (Aparecida 182; 475).

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Monsenhor Joaquín Pinzón, bispo do Vicariato de Puerto Leguizamo - Solano, com o Papa Francisco.

Esse sentimento eclesial foi retomado pelo Papa Francisco na Querida Amazônia (97) e concretizado na Conferência Eclesial Amazônica - Ceama.

Futuro na esperança

Viver construindo o presente com paciência, responsabilidade, respeito, criatividade e perseverança fará avançar o futuro desta Igreja com rosto amazônico, que já está brotando.

* Padre Salvador Medina, IMC

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