O Mistério da Santíssima Trindade (A substância de Deus)

Jesus nos faz compreender que no Mistério da Santíssima Trindade se encontra a substância primordial da fé e da vida cristã.

Por Márcio Oliveira Elias

O Verbo encarnado, Jesus de Nazaré, nos falou da Trindade Divina, revelando o Pai onipotente, o Espírito Santo onisciente e a Ele próprio onipresente; nos fazendo compreender que neste mistério se encontra a substância primordial da fé e da vida cristã.

Uma antiga tradição nos conta que Santo Agostinho (354-430 d.C.), numa meditação sobre o mistério da Santíssima Trindade, ouve o ensino de um anjo feito criança: “Eu te digo Agostinho, é mais fácil colocar toda a água do oceano neste pequeno poço na areia, do que a inteligência humana compreender os mistérios de Deus”.

PazComo discernir este Deus único em três Pessoas distintas? Como saber desta substância primordial da fé e da vida cristã? Não é a nossa pretensão desvelar esta excelsa onisciência divina, mas compreender a sua presença no seio da humanidade criada à sua imagem, nos dizendo que devemos ir ao mundo e transformá-lo. Deus nos fala no processo histórico e nos meios sencientes de que a criação foi revestida, cabendo a nós perceber os sinais sutis deixados pelas marcas de sua Palavra produtiva.

Deus fala às suas criaturas na dimensão temporal e material em que estão insertas. Portanto, os sinais trinitários estão aparentes, mas carecentes de um discernimento singular. Desta forma, temos de começar nosso olhar pelo começo: as narrativas da amorosa criação transcrita no livro do Gênesis (Gn 1-2).

O Amor criativo inicia a história universal criando os elementos primários constitutivos da natureza: o céu (ar), a terra, a água e a luz (fogo). A Sabedoria Divina fecundou e cultivou sementes de sua substância em todas as culturas da antiguidade, deixando assim a compreensão implícita de seu Amor Trinitário.

O Mistério Trino se apresenta preliminarmente na função de cada Pessoa Divina. O Deus Pai criador é a solidez que funda a humanidade (Gn 1-2). O Deus Filho é a graça redentora que se derrama para saciar a sede desse frágil caminhante humano (Jo 4,13-14). O Espírito Santo é o sopro (ruah, Gn 2,7; Mt 10,20) que se pretende alento às consciências, para compreensão do fim último de cada pessoa humana.

Dessas oniscientes funções da Santa Trindade nós podemos discernir como três pessoas podem ser uma só pessoa?Como acontecem três distintas funções numa única substância? A resposta pode estar nos elementos primários constitutivos da natureza criada (Gn 1-2).

O ar (céu) é um elemento primordial para a sobrevivência das espécies criadas. A terra é base e fundamento da vida caminhante. O fogo é a energia que nos impulsiona a produzir. A água é a nascente do viver. Cada uma dessas substâncias nos recorda as funções da Santa Trindade que as criou; mas uma delas pode nos fazer entender a intercessão trinitária das Pessoas Sagradas: a água.

Tanto quanto os demais elementos primordiais, o ser humano não vive sem a água. Ela pode ser uma força agressiva da natureza,quando em tempestades ou enchentes; mas a Sagrada Escritura ensina que toda a criação do universo começou com as águas: “A terra estava sem forma e vazia; as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus se movia sobre a superfície das águas” (Gn 1,2). A narrativa do dilúvio universal (Gn 6-9) é a demonstração teológica da força divina contra as trevas do pecado que assolavam, e ainda desolam, à humanidade.

Nas águas bíblicas reconhecemos a ação benéfica e a justiça sapiencial de Deus, estando associadas a esperança e a bênção (Sl 104; Jo 4,15). No Primeiro Testamento, a água se apresenta como símbolo do Espírito (Is 44,2-4), como também o será no Segundo Testamento (Ef5,25-26).“Se alguém tem sede, venha a mim e beba! Aquele que crê em mim, como diz a Escritura, ‘de seu seio sairão rios de água viva’. Disse isto referindo-se ao Espírito que haviam de receber os que acreditassem nele” (Jo 7,37-39).

Mas como a água pode nos fazer compreender a trinitariedade e a unicidade de Deus? Neste momento é importante discernir que o Senhor fala com as suas criaturas em diversificadas linguagens, sejam inspiradas (espirituais, sobrenaturais), ou sejam pelos sentidos humanos (audição, visão, tato, gustação e olfato). As visões ou sonhos são meios de sutil comunicação; a leitura ou escuta das Sagradas Escrituras são meios de inspiração consciencial. Importante também descobrir que a primeira comunicação de Deus foi a criação universal, e nesse contexto encontramos a substância água.

Proclamamos que Deus criou o céu e a terra, fazendo a luz; que o Espírito Santo sopra e arde nos corações crentes; que o ser humano veio do pó e a este retornará. Mas neste mesmo contexto simbólico, vemos também sentir que as águas aparentemente estão em tudo, no tempo todo criado: “A terra estava sem forma e vazia; as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas” (Gn 1,2). No relato inicial de Gênesis as águas misteriosamente não aparecem sendo criadas, mas sendo contempladas pelo Espírito. O simbolismo mistérico da contemplação das“águas primordiais”nos faz pensar na significância dessa inspiração narrativa do autor bíblico, como a nos sussurrar: “Deus é como a água!”.

Refletindo esta singela e significante afirmação, podemos trazer à compreensão de trinitariedade e de unicidade na simbologia de Deus Pai Criador como sendo a água em estado sólido (gelo), a força-base concreta, criativa e reativa do universo; de Deus Filho Redentor como sendo a água em estado líquido (fluído), se derramando amorosamente para a purificadora redenção humana; e como Deus Espírito Santo Consolador sendo a água em estado gasoso (sopro, ruah), penetrando nas consciências e alargando a compreensão de seu significado na história salvífica. Vamos aqui, portanto, as três Pessoas Divinas em distintos estados (trinitariedade), mas todas insertas numa mesma e única substância (unicidade).

A pessoa humana também precisa de sinais e símbolos para assimilar o conhecimento. Deus compreende as nossas necessidades conscienciais e nos chama à conversão, desejando de nós a missão profética de anunciar o seu Reino;conhecendo para melhor amar.

Que o Senhor da paz e da justiça nos dê um pouco do espírito elevado de Santo Agostinho, quando desejarmos encontrar explicações plausíveis sobre a Santíssima Trindade; nós que fomos batizados na água de seu Mistério. Reconheçamos, pois, que Deus é o Senhor da vida, Pai da criação e de todos. Contemplemos Jesus, o Emanuel, o Deus conosco, assegurando-nos a sua missão em nosso meio, fundamentada nas suas palavras, dirigidas à família cristã na pessoa dos apóstolos: “Assim como o Pai me enviou, também Eu vos envio” (Jo 20, 21). Consintamos que o Espírito Santo governe e restaure a nossa vida, ascendendo o fogo libertador em nossas consciências, nos permitindo experimentar a face de Deus.

No caminho que todos são chamados percorrer, Deus Pai realiza no Filho, o sonho da pessoa humana radicalmente livre, restaurando a comunhão em Espírito e Verdade, dando-lhe resposta e sentido à vida, convencendo-a de que no seu mistério de amor,a criatura humana é chamada a um permanente e estreito diálogo, pelo anúncio da esperança e do perdão, na busca da verdade e da paz. No mistério da Santíssima Trindade, vemos o nosso modo de viver, identificados em Jesus de Nazaré, na alegria e na confiança de que a sua palavra é fiel e eterna: “Eis que eu estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo”. Assim seja! Graça e Paz.

Márcio Oliveira Elias, professor de Filosofia e Teologia Pastoral (in memoriam ao Revmo. Dom Diogo Reesink, OFM).

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